O líder da resistência afegã vê "oportunidade de sucesso"

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De  Anelise Borges
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O líder da Frente Nacional de Resistência do Afeganistão, Ahmad Massoud, apelou à comunidade internacional para ajudar a proporcionar um novo futuro ao seu país, afirmando que existe agora uma oportunidade única para provocar mudanças.

No Global Conversation desta semana, Anelise Borges conversou com Ahmad Massoud, líder da Frente Nacional de Resistência do Afeganistão. A conversa foi gravada em Viena, na última terça-feira, dia 13 de setembro.

Euronews (Anelise Borges) - O seu país passou por uma mudança sísmica. Depois de 20 anos de presença de tropas estrangeiras, o Afeganistão está agora novamente nas mãos dos Talibãs. A sua vida foi arruinada a sua província, Panshir, foi oficialmente tomada pelos talibãs. Lembra-se do dia 15 de agosto de 2021? O que estava a fazer nesse dia?

Ahmad Massoud: Eu estava em Cabul. Fiquei em Cabul até aos últimos momentos. E muitas pessoas ficaram com uma esperança: apesar de tudo, esperávamos uma transição pacífica da República do Afeganistão: lentamente, para uma situação de governo provisório que proporcionasse uma situação de paz e diálogo e depois, talvez outra eleição ou um novo governo - de que os Talibãs pudessem fazer parte - e assim por diante. Contudo, infelizmente, o colapso do governo, o erro de cálculo e a intenção dos Talibãs de não resolver o problema do Afeganistão através da paz e do diálogo, de perder tempo, e de optar pelas armas - terminou nesta catástrofe.

Euronews - Tentou negociar com os Talibãs tal como o seu pai fez no passado. E soube que lhe ofereceram uma posição no governo. Pode falar-nos mais sobre isso?

Ahmad Massoud: Quando fui para o Vale Panjshir, uma coisa era muito clara. Os Talibãs estavam a fazer publicidade e a dizer que "o Sr. (Ashraf) Ghani "não queria a paz". Eu não estava contente com a forma como o Sr. Ghani governava, e sabia que a sua forma de governar resultaria no colapso. Pensei que talvez fosse culpa de Ghani o facto de as negociações de paz não estarem a funcionar. Assim que surgiu a oportunidade de podermos representar o nosso próprio povo, iniciei o caminho para o diálogo, a negociação e o diálogo em primeiro lugar. Neste sentido, fizemos alguns esforços.

Antes de mais, pensei que talvez porque os Talibãs falam da sharia, do Islão e  de religião, os estudiosos do Afeganistão poderiam ser bons embaixadores e mediadores. E pedi-lhes ajuda. E eles tentaram o seu melhor. Mas, infelizmente, os Talibãs não os ouviram. Depois, pensei que talvez os estudiosos não fossem muito diplomáticos, não fossem muito eficazes. E foi enviada uma delegação política. Sem resultado, eles recusaram. E depois pensei que talvez eu próprio o devesse fazer diretamente. Falei com pessoas diferentes dos Talibãs, para que pudesse encontrar uma forma de acabar com a violência e iniciar a paz.

Euronews - Com quem falou? Pode partilhar connosco?

Ahmad Massoud: Falei com o Sr. Muttaqi (Amir Khan Muttaqi, Ministro interino dos Negócios Estrangeiros), falei com Shahabuddin Delaware (Ministro interino dos Minerais e Petróleo), falei com o Sr. Khias, falei com o Sr. Anas Haqqani (líder sénior dos Talibãs), falei com o Sr. Khalil Haqqani (Ministro interino dos Refugiados).

Porque uma coisa que eu sei é que existem divisões dentro dos Talibãs. Por vezes, quando falava com um dos lados, eles diziam: "Não, não somos nós, esse é outro grupo". Quando falava com o outro grupo, eles diziam: "Não, não somos nós, esse é o outro grupo". Mas, infelizmente, esta hipocrisia esteve sempre presente.

Euronews - Alguns dias após a queda de Cabul, de Panjshir, escreveu para o Washington Post– e passo a citar – "Estou pronto para seguir as pisadas do meu pai (...) os combatentes mujahideen estão preparados para voltar a enfrentar os Talibãs. Temos armazéns de munições e armas que recolhemos desde o tempo do meu pai". O que aconteceu à promessa daquela luta? Onde está a resistência neste momento?

Ahmad Massoud: Os Talibãs não reconhecem a existência da resistência. Vemos que conseguimos capturá-los, conseguimos até derrubar os seus helicópteros, conseguimos sobreviver aos duros invernos do Hindu Kush, conseguimos sobreviver com zero ajudas do exterior.

Euronews - É uma escolha? Ou a comunidade internacional simplesmente não está a prestar atenção à sua causa?

Ahmad Massoud: Nenhuma mente sã diria: "Não, nós não precisamos de nada". Claro, precisamos de apoio. É claro, precisamos de ajuda. Mas a questão é que ainda acredito firmemente que precisamos de vir, todos nós - como uma equipa coletiva: a comunidade internacional, ao lado das elites afegãs que não estão satisfeitas com a situação atual - para encontrar verdadeiramente um caminho para o futuro Afeganistão.

Euronews - Então, basicamente, está à procura de uma solução afegã para o Afeganistão

Ahmad Massoud: Sim, sem dúvida

Euronews -Os Estados Unidos disseram que "acabaram com a sua guerra interminável", mas que a guerra, a guerra contra o terrorismo, está longe de terminar. Vimos o que está a acontecer na região. O senhor já alertou para os perigos do regresso dos Talibãs relativamente a este aspeto. Referiu anteriormente que a Al-Qaeda está a operar no seu país e que, talvez, outros grupos estejam a ser acolhidos no Afeganistão pelos Talibãs. Porque acha que o mundo simplesmente não está a ouvir? Porque é que ninguém faz nada?

Ahmad Massoud: Bem, penso que há duas razões para isso. Não estamos a viver no mesmo mundo que em 2001. Vivemos num mundo em que o interesse nacional é agora muito mais importante do que os interesses globais. As pessoas costumavam pensar a longo prazo em vez de a curto prazo. E eu acredito que algumas coisas mudaram.

Primeiro, nessa altura, a geração que estava mais próxima da experiência ou da era dos pós Segunda Guerra Mundial, recordava e compreendia a importância da luta pela liberdade e democracia.

E não olhavam realmente para a liberdade, a democracia e o mundo moderno como garantidos. Sabiam o sangue que tinha sido derramado, o sangue que sacrificámos. Foi por isso que o mundo ficou com o povo do Afeganistão durante a invasão soviética, o mundo ficou com o Afeganistão na luta contra o terrorismo.

Os últimos 20 anos, especialmente as novas gerações, creio eu, e as novas fases, trouxeram uma pequena mudança, especialmente na Europa. Tomámos tudo por garantido: vida, democracia, liberdade. E esquecemo-nos do mal que todos nós, como humanidade, sacrificámos muito para derrotar. Portanto, isso é uma coisa. E é a minha experiência pessoal, vivendo na Europa há muitos, muitos anos.

O segundo aspeto foram os últimos 20 anos de guerra no Afeganistão. O mundo aplicou todos os seus esforços nos últimos 20 anos para fazer algo, mas falhou. E agora pensam que não há esperança. No entanto, o Afeganistão ainda pode ser salvo, mas não por muito tempo.

Euronews - Como se salva o Afeganistão? O que tem de acontecer para salvar o seu país?

Ahmad Massoud:  Bem, creio que o mundo deve manter-se firme contra as exigências dos Talibãs. E o mundo enquanto grupo coletivo precisa de, em conjunto, não se envolver individualmente com os Talibãs, deve envolver-se coletivamente com o Afeganistão - todos os seus lados, todas as suas partes, todos os seus tipos e setores - para encontrar verdadeiramente uma solução para o Afeganistão: uma solução política ou um processo para preparar a situação do Afeganistão para um governo legítimo.

Porque é que vai funcionar agora? Por causa de algumas razões.

Primeiro, os Talibãs, após um ano no poder, mostraram verdadeiramente que não são capazes de governar.

Em segundo lugar, as pessoas percebem. No início, havia muitas pessoas esperançosas - chamavam-lhes mesmo Talibãs 2.0, Talibãs moderados - mas vimos que era tudo falso. Eles são a mesma coisa.

Em terceiro lugar, existem algumas divisões internas no seio dos Talibãs, existem alguns grupos que não estão satisfeitos com a situação. Mas eles estão em minoria.

E por último, alguns dos outros países, que eram contra a presença de forças internacionais americanas no Afeganistão, e por essa razão apoiaram os Talibãs, não o fazem agora. Por conseguinte, esta é uma oportunidade que pode levar ao sucesso.

Porque é que o meu pai, quando veio para França em 2001, sugeriu fortemente o apoio ao governo afegão nessa altura e a luta contra o terrorismo sem a presença de forças internacionais? Porque ele sabia que a presença de forças internacionais no Afeganistão faria do país uma espécie de campo de batalha para outros rivais. Porque todos sabemos que muitas superpotências, que não gostam umas das outras, têm os seus próprios jogos e as suas agendas. Assim, quando estão presentes num país, o outro país fará tudo o que estiver ao seu alcance contra os seus inimigos. Para fazer algo contra ele.

Agora não existe presença das forças internacionais no Afeganistão, por isso a oportunidade está lá para um esforço conjunto e para criar o máximo de pressão. E acima de tudo, o povo, a nova geração, e especialmente as mulheres, não querem que a situação continue. Portanto, prevaleceremos, seremos bem-sucedidos, mas precisamos da atenção e apoio do mundo agora, antes que se torne tarde demais.

Euronews - Falou do seu pai, que continua a ser um símbolo extraordinário de uma luta em nome de valores que, e já o disse, o seu país partilha com o Ocidente. Acha que se o seu pai estivesse vivo, as coisas seriam diferentes?

Ahmad Massoud: Absolutamente. SAntes de mais, no seu tempo com a sua capacidade, com tudo o que tinha,seria um governador legítimo, um génio militar. Ele sabia, na fase mais recente da sua vida e da sua luta contra os Talibãs. Em diferentes reuniões, especialmente com a imprensa e também quando fez uma viagem à Europa, mencionou que os Talibãs já não tinham a capacidade de nos derrotar militarmente. Ele sabia que militarmente não seria derrotado.

É por isso que a sua visita à Europa foi para iniciar uma nova fase, uma nova era, um novo tipo de processo - tal como estou a dizer, para que todas as partes se reunissem para formar um novo governo no Afeganistão. Ele não queria ir e capturar Cabul e estabelecer o seu próprio governo. Resistiu, basicamente, até que toda a diáspora do Afeganistão estivesse pronta para se reunir e fazer parte de um processo de estabelecimento de um governo que todos pudessem aceitar e com o qual todos pudessem concordar.

E era isto que ele estava a fazer e foi capaz de sustentar.

Mas os Talibãs sabiam-no, a Al-Qaeda sabia-o, e outros: que se ele estivesse vivo, "não seriam bem-sucedidos". E a Al-Qaeda sabia que "se ele estivesse vivo, nem sequer seriam capazes de prejudicar o Ocidente ou qualquer outro país". Assim, eliminaram-no e depois atacaram as Torres Gémeas. Se Ahmed Shah Massoud não tivesse sido eliminado e assassinado, a tragédia do 11 de setembro não teria acontecido e nós não estaríamos de todo nesta situação.

Euronews - Que tipo de pai era Ahmad Shah Massoud? Do que é que se lembra?

**Ahmad Massoud:**Lembro-me da sua gentileza. Lembro-me dele ser um professor muito rigoroso e ensinar-me arte, ensinar-me poesia e ensinar-me literatura. Ele adorava literatura persa, adorava poesia Sufista... E era um homem muito forte.  Quando estava com ele, sentia-me calmo "não vai acontecer nada, ele está aqui".

Lembro-me de tempos muito difíceis, quando Panjshir estava completamente rodeado pelos Talibãs. Eles vieram  e foi um momento muito, muito difícil. Mas as pessoas em Panjshir estavam felizes, estavam a sorrir. E eu perguntei :Porquê?". E eles tinham uma expressão em dari que significa "Ele está aqui!". Do género: " ele está aqui! Ele vai resolver isto! Se ele conseguiu derrotar os russos, certamente conseguirá aguentar toda esta pressão!". Ele era assim. Era um farol de esperança. Era um farol de amor e era muito amável e muito moderado.

Euronews  - Tinha 12 anos quando perdeu o seu pai, a sua família sofreu muito, a sua vida não tem nada de a ver com a de um homem comum da sua idade. Ainda vale a pena lutar?

Ahmad Massoud: Antes da nossa entrevista, mencionou algo sobre o Afeganistão: que se apaixonou instantaneamente pelo país. Bem, eu sou dessa terra. E tenho sido abençoado, algumas pessoas chamam-lhe maldição, mas sinto-me verdadeiramente abençoado, por ter nascido naquela terra, por ter nascido com aquele povo. E aquele povo merece que as pessoas morram por ele.

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