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Rússia usa Telegram para recrutar crianças ucranianas para ataques bombistas, diz ONU

ARQUIVO: Pessoas verificam os restos de uma casa destruída após um ataque de um foguete russo nos arredores de Lviv, 5 de outubro de 2025
ARQUIVO: Pessoas verificam os restos de uma casa destruída após um ataque de um foguete russo nos arredores de Lviv, 5 de outubro de 2025 Direitos de autor  AP Photo
Direitos de autor AP Photo
De Anna Desmarais
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O chefe da Missão de Monitorização dos Direitos Humanos das Nações Unidas na Ucrânia afirmou que mais de 100 menores foram detidos este ano por atos de sabotagem para os quais foram recrutados através do Telegram.

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As forças russas enviaram instruções via Telegram a dois adolescentes de Lviv, no oeste da Ucrânia, dizendo-lhes para esconderem uma bomba num vaso de flores junto à entrada da casa de um soldado ucraniano.

Os dois rapazes, de 15 e 14 anos, instalaram um smartphone com uma câmara com acesso remoto, para que as forças russas pudessem detonar a bomba. Se a missão fosse bem sucedida, o seu contacto pagar-lhes-ia, de acordo com uma declaração do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).

O SBU afirmou que os rapazes foram apanhados "em flagrante" quando colocavam a bomba, podendo ser condenados a uma pena de prisão de até 12 anos.

Danielle Bell, chefe da missão de monitorização dos direitos humanos das Nações Unidas na Ucrânia, disse à Euronews que o recrutamento de crianças online por alegados atores russos é um problema que continua a crescer, verificando-se um "aumento" no número de crianças detidas desde 2024.

Os novos números da Missão de Vigilância da ONU na Ucrânia, partilhados com a Euronews, revelam que 103 crianças foram detidas devido a atos que cometeram contra a Ucrânia até maio de 2025.

O recrutamento de crianças online faz parte de uma estratégia russa mais alargada, que visa potenciais colaboradores na sua guerra total contra a Ucrânia, agora no seu quarto ano.

Dupla vitimização das crianças

Até à data, a polícia condenou 42 menores, segundo Bell. Sete deles foram condenados a penas de prisão que variam entre seis meses e 10 anos, enquanto os restantes foram condenados a penas não privativas de liberdade.

As missões atribuídas aos jovens ucranianos estão a tornar-se cada vez mais perigosas.

O que começou em 2022 com o recrutamento de crianças para vigiar, e pintar com spray ou grafitar equipamento militar, evoluiu para ações de sabotagem mais sérias, como fogo posto.

Agora, os menores estão a ser "incumbidos de fabricar, transportar ou plantar engenhos explosivos improvisados", disse Bell, referindo que 23 crianças foram incumbidas de o fazer nos últimos seis meses.

Os casos geralmente seguem um padrão, de acordo com Bell. Os agentes nefastos contactam rapazes e raparigas através de plataformas de redes sociais como o Telegram e oferecem algum pagamento para que realizem uma tarefa muito específica.

Segundo um relatório de 2024 do Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), estes atos podem incluir incendiar veículos militares ou equipamento ferroviário.

Os atores prometem enviar o dinheiro assim que receberem um vídeo que mostre que a tarefa foi concluída.

O relatório do ACNUDH concluiu, ainda, que os atores russos podem também pressionar as crianças a levar a cabo a sabotagem, caso estas recusem as ordens, ameaçando fazer mal aos seus irmãos ou familiares.

"Consideramos que se trata de uma dupla vitimização das crianças", afirmou.

"Estão a ser recrutadas e utilizadas para levar a cabo atos ilegais... e estão a ser processadas por levarem a cabo esses atos, o que significa essencialmente que as vidas dos jovens estão a ser gravemente afetadas".

A ONU afirma que existem provas de que são agentes russos que iniciam estes casos, dado que as crianças costumam ser contactadas em russo ou por contas com números de telefone russos.

Outro exemplo do relatório do ACNUDH é o facto de as ações solicitadas aos recrutas nas redes sociais coincidirem com os movimentos ou localizações das Forças Armadas ucranianas, que a ONU consegue detetar através de ondas de rádio.

O que está a Ucrânia a fazer para resolver esta situação?

Em agosto, o SBU e a polícia nacional do país lançaram uma nova campanha para combater este problema, ensinando os jovens sobre os esforços de recrutamento russos.

"A colaboração com o inimigo pode acabar em tragédia: morte ou mutilação de crianças devido a uma explosão e prisão, porque o SBU e a polícia nacional encontram todos os autores de crimes", diz o comunicado de imprensa.

Parte da campanha é fazer com que as crianças ou os seus pais denunciem as tentativa de recrutamento a um chatbot do Telegram, chamado "Burn the FSB guy", que foi lançado no final de 2024. A FSB é a principal agência de inteligência da Rússia encarregada, entre outras coisas, de atos de sabotagem e outras atividades malignas.

O SBU confirmou ter recebido mais de 10.000 mensagens de cidadãos sobre ataques de recrutamento online, no último ano.

A campanha seguiu-se a uma série de lições online e presenciais que o SBU deu em escolas por toda a Ucrânia, em 2025. Com isto são transmitidos conselhos práticos aos jovens sobre como podem reconhecer ameaças russas e como devem agir.

As aulas são "necessárias principalmente para vos proteger", afirmou o porta-voz do SBU, Artem Dekhtyarenko, num comunicado de imprensa sobre a campanha nas salas de aula. "Não faz parte do currículo escolar, mas é vital. Não só a tua vida, mas também a vida dos que te rodeiam pode depender disso".

Telegram "normaliza opiniões extremas", diz especialista

A aplicação de mensagens Telegram é uma das cinco aplicações mais descarregadas em todo o mundo, com mais de mil milhões de utilizadores mensais ativos, de acordo com a empresa.

Na Ucrânia, 44% dos cidadãos recebem as suas notícias do Telegram a partir de "centenas ou milhares de canais diferentes", de acordo com um inquérito de 2023 do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev.

O "anonimato relativo, a grande dimensão dos grupos e canais (juntamente com) a baixa moderação de conteúdos" do Telegram facilitam a propagação de material, disse Tim Weninger, diretor de estudos de pós-graduação em ciências informáticas na Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, à Euronews.

O Telegram destaca-se pela capacidade de espalhar rapidamente conteúdos de teor político ou emocional, a que Weninger chama de "guerra de memes".

"Estas imagens não são polidas ou formalmente persuasivas, em vez disso, destinam-se a serem partilhadas e a mudarem a narrativa através do humor", indicou.

Muitas das mensagens têm um bom desempenho junto de "rapazes adolescentes descontentes, jogando com o seu desejo de pertença, humor ousado e formação de identidade", explicou Weninger.

Segundo Bell, dos 103 menores detidos pelas autoridades ucranianas em 2025, 91 são rapazes e 12 são raparigas.

Os adolescentes são atraídos para "comunidades exclusivas" no Telegram que os pais ou figuras de autoridade não compreendem necessariamente como funcionam, explica Weninger. O uso de memes, a linguagem codificada e as piadas internas "criam um poderoso sentimento de grupo que os recrutadores exploram para criar lealdade e normalizar pontos de vista extremos".

A plataforma de mídia social informou que bloqueou mais de 27 milhões de grupos e canais, até agora, em 2025, e que removeu milhões de conteúdos partilhados que violam os termos de serviço da aplicação.

O Telegram utiliza relatórios de utilizadores e ferramentas de moderação de IA para monitorizar o conteúdo publicado na plataforma.

No entanto, Weninger disse que, publicamente, a plataforma de mensagens "faz muito pouca moderação proativa", em comparação com outras plataformas, e que poderia "reforçar a moderação", se quisesse intervir.

Weninger também sugere que a empresa limite os grandes canais de transmissão e invista mais na deteção automática de material extremista.

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