O que sabemos até agora sobre G., o adolescente de 14 anos, descrito por todos como simpático e prestável, que encenou um assalto e matou a mãe a tiro? Como é possível alguém tão jovem cometer um ato semelhante e o que será dele e da família no futuro?
Portugal ainda está a digerir o choque: em dois dias seguidos, duas notícias de crimes de filhos contra pais. Primeiro, o caso do especialista em segurança e terrorismo José Manuel Anes esfaqueado pela própria filha, a sexóloga Ana Anes. Apenas um dia depois, foi uma vereadora da Câmara Municipal de Vagos, perto de Aveiro, a ser assassinada a tiro pelo filho de 14 anos, num crime aparentemente planeado e premeditado.
São vários os elementos que estão a deixar o público incrédulo com o sucedido. Em primeiro lugar, a idade do atirador, ainda no início da adolescência. Em segundo, a frieza com que o crime foi planeado. Finalmente, a futilidade do móbil que o jovem deu para o crime: A mãe "chateava-o demasiado com os estudos".
Assim terminou a vida de Susana Gravato, 49 anos, advogada de formação, vereadora responsável por vários pelouros importantes no município de Vagos e mãe de dois filhos. O jovem, identificado como G., terá usado uma arma de fogo pertencente ao pai, guardada num cofre, cujo código terá decorado. Tapou as câmaras de videovigilância no exterior da casa, simulou um assalto, remexendo as várias divisões, e tapou o corpo da mãe com uma manta depois de a matar.
Jovem estará livre aos 17 anos
É a primeira vez que a Polícia Judiciária portuguesa se depara com um crime desta natureza cometido por alguém tão jovem. Tendo menos de 16 anos, G. é inimputável, ou seja, não pode cumprir pena nem ser condenado num tribunal regular. Para já, como medida de coação, o tribunal de família colocou-o num centro educativo em regime fechado. Será em seguida encaminhado para a justiça de menores, que o irá submeter a um processo tutelar educativo. No máximo, pode ser obrigado a passar três anos fechado num centro semelhante àquele onde foi colocado como medida preventiva, o que significa que aos 17 anos estará livre.
Será, naturalmente, sujeito a várias perícias psicológicas e psiquiátricas. Nenhuma das pessoas próximas da família, ouvidas pela comunicação social, detetaram comportamentos estranhos em G. Muito pelo contrário. Uma antiga professora, ouvida pela Euronews, descreve-o como "sempre atento, simpático e colaborante".
São várias as questões que se levantam: em primeiro lugar, como pode um jovem descrito por todos como gentil e prestável cometer um ato tão frio e cruel contra a própria mãe? Para a psicóloga Ana Rita Oliveira, as coisas não são assim tão simples: "É importante compreendermos que uma determinada imagem social não revela necessariamente a complexidade da sua vida pessoal, emocional e familiar", diz à Euronews. "Ser descrito como gentil e prestável nem sempre é sinónimo de estabilidade emocional, e esta notícia é, sem dúvida, uma chamada de atenção para questões de saúde mental que muitas vezes parecem invisíveis, ou cujos sintomas são desvalorizados", diz ainda.
"Importante identificar sinais de alerta"
Muitos apressar-se-ão a culpar as redes sociais ou os videojogos. Esse é um aspeto a levar em conta, até porque a dependência dos jovens em relação aos ecrãs é cada vez maior. "Esta é uma notícia que nos assusta profundamente e que nos obriga a olhar para dentro e questionar sobre o nosso papel enquanto cuidadores e como lidar com os desafios que se apresentam na atualidade. Podemos falar sobre as dinâmicas pessoais, familiares e sociais deste jovem, do desafio cada vez maior das redes sociais e da falta de tolerância à frustração, porém sem avaliar a história de vida e os diferentes contextos que o rodeiam, não devem ser tiradas conclusões definitivas", diz Ana Rita Oliveira. "É fundamental que escolas, famílias e todas as instituições que rodeiam as crianças estejam devidamente informadas e sensibilizadas para identificar sinais de alerta e agir o mais precocemente possível", defende.
Outra questão é saber o que lhe acontecerá quando ficar entregue à sociedade após o período passado no centro educativo. Como será a relação com o pai e com o irmão mais velho? "Reconstruir as relações familiares é possível, mas exige disponibilidade por parte de todos os envolvidos, tempo para processar este acontecimento e o devido acompanhamento", refere Ana Rita Oliveira.
Uma coisa é certa: enquanto estiver na instituição e depois de a deixar, para onde quer que vá viver, é fundamental que o apoio psicológico continue. "O processo de reintegração deste jovem dependerá do acompanhamento psicológico, familiar e social que será prestado, e o centro educativo será apenas o início. O foco deve ser facilitar a sua reintegração, e não estigmatizar uma pessoa de quem temos muito pouca informação", conclui a psicóloga.