Os defensores do acordo argumentam que este constituiria uma alternativa aos controlos das exportações de Pequim e às políticas tarifárias de Washington. Os críticos alertam para o facto de o acordo enfraquecer a regulamentação ambiental e prejudicar o setor agrícola da UE.
A polícia utilizou gás lacrimogéneo e canhões de água contra milhares de agricultores que se mobilizaram em Bruxelas na quinta-feira, bloqueando estradas com tratores e atirando batatas e ovos, enquanto os líderes europeus se reuniam para debater um controverso pacto comercial com a América do Sul.
Os manifestantes concentraram-se perto do edifício Europa, onde os líderes dos 27 Estados-Membros da UE se reuniram para discutir a alteração ou o adiamento do acordo comercial, enquanto uma manifestação dupla convergiu para a Praça Luxemburgo, a poucos passos do Parlamento Europeu.
O acordo, que eliminaria os direitos aduaneiros sobre quase todos os bens comercializados entre a UE e cinco países do Mercosul - Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia - ao longo de 15 anos, enfrenta uma resistência crescente.
A Itália juntou-se à oposição francesa ao pacto transatlântico de comércio livre, depois de a primeira-ministra Giorgia Meloni ter dito ao Parlamento que a assinatura do acordo "seria prematura" e que queria "garantias recíprocas adequadas para o setor agrícola" italiano antes de aprovar o acordo.
O Presidente francês Emmanuel Macron chegou à cimeira mantendo a sua oposição e apelando a novas negociações em janeiro. "Não estamos preparados. Não estamos prontos, não faz sentido", afirmou. "Este acordo não pode ser assinado".
Macron disse ter discutido o adiamento do acordo com os seus homólogos de Itália, Polónia, Bélgica, Áustria e Irlanda. O governo francês também exigiu salvaguardas contra perturbações económicas, aumento da regulamentação sobre os países do Mercosul, incluindo restrições a pesticidas, e inspeções aprimoradas nos portos da UE.
A posição da Itália dá à França votos suficientes para vetar a assinatura do acordo pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no sábado, uma vez que esta exige o apoio de, pelo menos, dois terços dos países da UE para avançar com o acordo.
"Isto não significa que a Itália tenciona bloquear ou opor-se (ao acordo), mas que tenciona aprovar o acordo apenas quando este incluir garantias recíprocas adequadas", disse Meloni.
Von der Leyen ainda vai ao Brasil?
As negociações para o acordo estenderam-se por 25 anos. Uma vez ratificado, o acordo abrangerá um mercado de 780 milhões de pessoas e cerca de um quarto do produto interno bruto mundial.
Os defensores do acordo argumentam que este constituiria uma alternativa aos controlos de exportação de Pequim e às políticas tarifárias de Washington. Os críticos alertam para o facto de o acordo enfraquecer a regulamentação ambiental e prejudicar o setor agrícola da UE.
O chanceler alemão Friedrich Merz afirmou, antes da cimeira de Bruxelas, que o atraso ou o abandono do acordo prejudicaria a posição global da UE. "Se a União Europeia quer continuar a ser credível na política comercial global, então as decisões têm de ser tomadas agora", afirmou.
O acordo representa também uma competição estratégica entre os países ocidentais e a China em relação à América Latina, afirmou Agathe Demarais, membro sénior do Conselho Europeu de Relações Externas.
"A não assinatura do acordo de comércio livre entre a UE e o Mercosul corre o risco de aproximar as economias latino-americanas da órbita de Pequim", alertou.
Apesar da probabilidade de adiamento, von der Leyen e o Presidente do Conselho Europeu, António Costa, continuam agendados para assinar o acordo no Brasil este fim de semana.
"Temos de nos livrar das nossas dependências excessivas e isso só é possível através de uma rede de acordos de comércio livre", disse von der Leyen. "É de enorme importância que consigamos luz verde para o Mercosul".
Milei vs Lula
As tensões políticas no seio do Mercosul nos últimos anos - em especial entre o Presidente libertário da Argentina, Javier Milei, e o Presidente de esquerda do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva - não diminuíram o empenho dos líderes sul-americanos em selar uma aliança com a Europa.
"Continuamos otimistas de que no próximo sábado teremos a aprovação da União Europeia e, portanto, poderemos prosseguir com a assinatura do tratado", disse Gabriel Oddone, ministro da Economia e Finanças do Uruguai.
Lula tem defendido o acordo da maior economia da América do Sul. Como anfitrião da próxima cimeira, o presidente brasileiro está a apostar a sua credibilidade diplomática no fecho do acordo antes das eleições gerais do próximo ano, em que vai tentar a reeleição.
Numa reunião de gabinete na quarta-feira, Lula expressou frustração com a oposição italiana e francesa. Ele disse que o sábado determinará o destino do acordo.
"Se não o fizermos agora, o Brasil não fará mais acordos enquanto eu for presidente", disse Lula, acrescentando que o pacto "defenderia o multilateralismo" enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, persegue o unilateralismo.
Milei, um aliado ideológico próximo de Trump, também apoia o acordo. "Temos de deixar de pensar no Mercosul como um escudo que nos protege do mundo e começar a pensar nele como uma lança que nos permite entrar eficazmente nos mercados globais", afirmou.