SOS Humanity denuncia as políticas europeias e italianas que dificultam o salvamento no Mediterrâneo central.
A rota migratória mais perigosa do Mediterrâneo central não é a mais vigiada. Entre a Tunísia e Lampedusa, está a consolidar-se um corredor marítimo pouco monitorizado, marcado por naufrágios não comunicados e por um crescente défice de busca e salvamento.
A ONG alemã SOS Humanity vai colocar no mar um segundo navio de salvamento, o veleiro Humanity 2, que poderá acolher até 100 pessoas a bordo e estará operacional no verão de 2026.
"O Humanity 2 não é apenas um navio de salvamento, mas irá monitorizar as violações dos direitos humanos na cada vez mais movimentada e largamente ignorada rota migratória da Tunísia para Lampedusa, a fim de responder à preocupante tendência de desaparecimento de pessoas no mar. Numa área tão vasta como o Mediterrâneo central, é crucial ter mais do que apenas um recurso", explica Till Rummenhohl, diretor-geral da SOS Humanity .
A nível político, Rummenhohl sublinha a necessidade de uma mudança de rumo: "continuaremos a apelar à UE e aos governos europeus para que atuem em conformidade com o direito internacional do mar e o direito internacional", apela.
"Reforçaremos e desenvolveremos uma intensa atividade de lobbying a nível da UE e das redes de políticos nacionais e comunitários que defendem os princípios humanitários, contra a reforma do sistema de asilo(Ceas) e a redução do espaço para a ajuda humanitária no Mediterrâneo Central", acrescenta.
Atores líbios e operações cada vez mais arriscadas
Durante anos, a segurança no Mediterrâneo Central deteriorou-se drasticamente devido à presença de vários atores líbios. "As suas manobras imprevisíveis e perigosas põem as pessoas em risco e colocam as nossas tripulações sob grande pressão", explica.
Segundo Rummenhohl, "as operações tornaram-se cada vez mais perigosas, especialmente nos últimos meses, como mostra o ataque armado sem precedentes contra o navio Ocean Viking da SOS Méditerranée, mas isto está longe de ser um acontecimento novo: desde o verão de 2024, uma proliferação de novos atores está a causar o caos no Mediterrâneo central, aumentando o risco da travessia para as pessoas em movimento e ameaçando a segurança dos trabalhadores humanitários envolvidos em operações de salvamento."
Além disso", acrescenta Rummenhohl, "as nossas tripulações são cada vez mais obrigadas a testemunhar a repulsão ilegal, sabendo que homens, mulheres e crianças serão devolvidos à força à Líbia em vez de serem resgatados."
"Tudo isto tem um impacto drástico na saúde mental das nossas tripulações. Só em 2024 e 2025, a tripulação do navio de salvamento Humanity 1 enfrentou quatro incidentes diferentes em que foi ameaçada com palavras e armas de fogo e sujeita a manobras perigosas, tanto durante uma operação de salvamento como quando tentava chegar a pessoas em perigo. Estes ataques foram levados a cabo pela chamada Guarda Costeira líbia que opera com navios financiados pela UE", denuncia o diretor-geral da SOS Humanity.
Mais de um terço da tripulação é constituída por voluntários, tal como toda a equipa médica. "Os postos de voluntariado não são remunerados, mas a SOS Humanity cobre as despesas de viagem, alimentação e alojamento. Todos estes voluntários juntos protegem as pessoas no mar e fazem da SOS Humanity o que ela é", explica.
Críticas às políticas italianas e europeias
A SOS Humanity denuncia abertamente as políticas que dificultam o salvamento e a proteção dos migrantes: "a política italiana de levar os sobreviventes para a Albânia e de deter de facto as pessoas que procuram proteção e que foram regularmente vítimas de violência, tráfico de seres humanos e tortura durante a sua fuga e estadia na Líbia ou na Tunísia, é profundamente desumana e viola os seus direitos fundamentais", declara a ONG.
"A SOS Humanity critica o acordo como mais uma estratégia para fugir à responsabilidade pelos direitos humanos dos refugiados e minar o sistema europeu e global de proteção internacional."
Rummenhohl explica que o acordo Itália-Líbia e as políticas de externalização da UE contribuem diariamente para as rejeições forçadas.
"Como primeiro passo, exigimos o fim imediato do memorando com a Líbia", reitera a SOS Humanidade.
Justice Fleet: resistência civil
A Justice Fleet, fundada em 2025 por 13 ONG, decidiu suspender as comunicações operacionais com as autoridades marítimas líbias, que considera ilegítimas.
"No dia 9 de dezembro de 2025, pela primeira vez, o Humanity 1, um navio de socorro da recém-formada aliança J_ustice Fleet_, foi detido por se recusar a comunicar com o Centro Conjunto de Coordenação de Salvamento da Líbia. A Justice Fleet não reconhece os atores marítimos líbios como legítimos devido às suas documentadas violações dos direitos humanos, que constituem "crimes contra a humanidade".
Rummenhohl denuncia o facto de a Itália ter imposto a detenção do Humanity 1, apesar de a tripulação ter efetuado salvamentos em total conformidade com o direito internacional, enquanto - diz o diretor-geral - os atores líbios apoiados pela UE continuam a violar a lei com impunidade.