Casa Branca pondera apoiar crédito à habitação a 50 anos para aliviar crise de acesso à habitação nos EUA; especialistas apontam várias desvantagens.
O governo dos EUA lançou a ideia de um plano de pagamento do crédito à habitação a 50 anos, gerando críticas imediatas de decisores políticos, redes sociais e economistas, que afirmam que um empréstimo mais longo pouco resolve problemas de base do mercado, como a falta de oferta e as taxas de juro elevadas.
Bill Pulte, diretor da Federal Housing Finance Agency, escreveu no X no fim de semana que um crédito à habitação a 50 anos seria "uma completa mudança no jogo" para quem compra casa.
A FHFA é a agência federal que supervisiona a Fannie Mae e a Freddie Mac, que compram e garantem a grande maioria dos créditos à habitação no país.
O crédito à habitação a 30 anos é um produto financeiro tipicamente americano e a forma padrão de comprar casa desde o New Deal.
Na época, políticos e decisores queriam criar um crédito padrão que os mutuários pudessem suportar e amortizar durante a vida ativa, quando a esperança média de vida nos EUA era de 66 anos.
Prestação mais baixa
Prolongar o prazo de um crédito à habitação para 50 anos poderia reduzir a prestação mensal.
O preço médio de venda de uma casa nos EUA foi de 415.200 dólares (358.317 euros) em setembro, segundo a National Association of Realtors.
Com uma entrada padrão de 10% e uma taxa de juro média de 6,17%, a prestação mensal num crédito a 30 anos seria de 2.288 dólares (1.974 euros), enquanto num crédito a 50 anos seria de 2.022 dólares (1.745 euros).
Isto pressupondo que o banco não exigiria uma taxa de juro mais alta num crédito a 50 anos, devido ao prazo mais longo.
Juros muito mais altos
Como uma parte ainda maior da prestação num crédito a 50 anos seria destinada a juros, demoraria 30 anos até o mutuário acumular 100.000 dólares (86.300 euros) em capital próprio, sem contar com a valorização do imóvel e a entrada.
Em comparação, num crédito a 30 anos, excluindo a entrada, são precisos 12 a 13 anos para acumular 100.000 dólares em capital próprio.
Segundo uma análise da AP, ao longo da vida de um crédito a 50 anos o mutuário pagaria, grosso modo, mais 389.000 dólares (335.707 euros) em juros do que num crédito a 30 anos.
Outros analistas chegaram a conclusão semelhante.
"Alargar um crédito de 30 para 50 anos pode duplicar o montante de juros pago pelo comprador de uma casa de preço mediano ao longo da vida do empréstimo e abrandar significativamente a acumulação de capital", escreveu John Lovallo, da UBS Securities.
Problemas estruturais no mercado da habitação
Um crédito a 50 anos não resolve uma questão crítica da acessibilidade: a escassez de casas. Estados como a Califórnia e cidades como Nova Iorque aprovaram recentemente legislação ou fizeram mudanças regulatórias para permitir construir mais depressa, com menos burocracia.
Existe ainda o custo puro da construção no país. Produtos como aço, madeira, betão, cobre e plásticos usados na construção estão agora sujeitos a direitos aduaneiros sob o presidente Trump.
Muitos trabalhos de construção eram realizados por imigrantes em situação irregular, sobretudo no Sudoeste, e as deportações estão a afetar a capacidade das construtoras de encontrarem mão de obra suficiente para erguer casas.
"Muitas das medidas de maior impacto para aumentar a oferta estão, neste momento, a ir na direção errada", disse Mike Konczal, diretor sénior de política e investigação no Economic Security Project.
Pulte disse no X que a introdução de um crédito a 50 anos é apenas uma "arma potencial", entre outras soluções que a Casa Branca tem considerado para combater os preços elevados da habitação.
Esperança de vida insuficiente
A idade média do comprador de primeira habitação tem vindo a subir há anos e ronda agora os 40 anos. Para um comprador de 40 anos, um crédito a 50 anos seria difícil de conceder por um banco, já que só ficaria pago aos 90.
A esperança média de vida nos EUA ronda os 79 anos, o que deixa 11 anos fora da duração do empréstimo.
"Tipicamente, não é objetivo dos decisores políticos passar dívida da casa para os filhos do mutuário", disse Konczal.
Outros setores alargaram prazos
Outras áreas do sistema financeiro prolongaram prazos de empréstimo, com resultados mistos. O crédito automóvel a sete anos tornou-se mais comum com a subida dos preços dos carros e o facto de os americanos os manterem durante mais tempo.
Apesar de prazos mais longos, incumprimentos no crédito automóvel têm aumentado e o preço médio de um carro novo é agora de 49.740 dólares (42.925 euros), face a 38.948 dólares (33.612 euros) há cinco anos.
Os empréstimos estudantis foram inicialmente concebidos para serem pagos em 10 anos e hoje existem múltiplas opções que estendem o reembolso para 20 anos.
Economistas alertam que um crédito a 50 anos pode ter o efeito oposto ao de melhorar a acessibilidade, inflacionando os preços das casas ao introduzir mais potenciais compradores num mercado com falta de oferta.
Trump desvaloriza a ideia
Após críticas significativas, Trump mostrou-se menos entusiasmado com a proposta. Questionado por Laura Ingraham, da Fox News, disse que "pode ajudar um bocadinho", mas pareceu desvalorizá-la.
Ao abrigo da lei Dodd-Frank, Fannie Mae e Freddie Mac não podem garantir créditos à habitação com prazo superior a 30 anos, pelo que qualquer crédito a 50 anos seria considerado "não qualificável" e mais difícil de vender a investidores.
O Congresso teria de alterar várias leis financeiras para permitir créditos a 50 anos, e parece haver pouca vontade de avançar com a mudança para já.