Fast food foi simples: hambúrguer gorduroso, batatas e culpa. Rápido, mas duvidoso. Enfrenta crise de identidade: gourmet, sustentabilidade e menus para cada dieta
De pizzarias sem glúten a cadeias de fast food que reformulam a imagem para se apresentarem como destinos mais focados na saúde, o setor tenta desesperadamente manter-se relevante.
É uma evolução genuína ou apenas marketing bem feito? Mais importante: conseguirá o fast food livrar-se da reputação de privilegiar a rapidez em detrimento da qualidade?
Sem glúten? Há um hambúrguer para isso. À base de plantas? Faça a sua escolha. Quer a refeição salpicada com queijo artesanal de origem local e, como acompanhamento, responsabilidade ética? Claro que sim.
De algum modo, contra todas as expectativas, o fast food atravessa agora uma crise de identidade, que envolve ingredientes gourmet, promessas de sustentabilidade e menus para quase todas as preferências alimentares.
Fast food sem glúten: de nicho a corrente dominante
Durante anos, o fast food esteve, em grande medida, vedado a quem tem restrições alimentares, sobretudo pessoas com doença celíaca ou sensibilidade ao glúten. Isso está a mudar. Grandes marcas e operadores independentes estão a avançar, tornando o fast food mais acessível do que nunca.
A liderar está a McDonald’s, que introduziu pães de hambúrguer sem glúten em vários países europeus (ainda que pudesse fazer mais, dizem as pessoas com doença celíaca).
Em Itália, a cadeia associa-se à Schär, marca de referência sem glúten, para fornecer pães certificados sem glúten, servidos em embalagens de proteção para evitar contaminação cruzada. Iniciativas semelhantes avançaram na Áustria, onde é possível escolher até 7 tipos de hambúrgueres sem glúten, batatas fritas e um brownie no McCafé. E em Espanha, Portugal, Dinamarca, Países Baixos, Noruega, Suécia e Suíça, onde a McDonald’s oferece menus mais inclusivos, para lá da opção simbólica sem glúten.
Mas as inovações sem glúten mais interessantes estão a surgir fora das grandes cadeias. Em Espanha, por exemplo, a Pizza Natura conquistou um público fiel com pizzas gourmet sem glúten, feitas com bases de painço e quinoa. Originalmente um serviço de entregas sediado em Barcelona, a procura avassaladora levou à expansão para Madrid, provando que o fast food de qualidade, livre de alergénios, já não é um nicho.
Entretanto, Londres assistiu ao aparecimento de hamburguerias totalmente sem glúten, como a Honest Burgers, assegurando refeições seguras para quem tem doença celíaca, com pães sem glúten, batatas fritas, anéis de cebola e muito mais. A Leon Restaurants, cadeia conhecida pelo seu lema "naturally fast food", também adotou opções sem glúten, reforçando a ideia de que comer depressa pode ser acessível e indulgente.
A ascensão do fast food à base de plantas
O movimento à base de plantas enraizou-se no fast food, alimentado pela procura crescente de opções éticas e amigas do ambiente. Ficaram para trás os tempos do único hambúrguer vegetariano sem graça; as marcas oferecem agora refeições vegetais que rivalizam com as versões de carne.
Na McDonald’s Itália, a mudança chegou com o McPlant, hambúrguer à base de plantas desenvolvido em colaboração com a Beyond Meat. Já a Burger King opta por uma abordagem mais ambiciosa, apontando a um menu 50% vegetal até 2030. As lojas totalmente vegan em Londres e Madrid, com propostas como o Plant-Based Whopper e os Vegan Nuggets, sublinham o compromisso da marca com refeições sem carne.
Também as marcas independentes impulsionam a mudança. Na Alemanha, a Vedang mostra que o fast food vegan pode ser tão indulgente como o tradicional. Com espaços em Berlim e Hamburgo, a cadeia serve cheeseburgers vegetais, currywurst e nuggets vegan crocantes, pratos que satisfazem tanto vegans como apreciadores de carne.
Segundo um relatório da ProVeg de 2024, 40% dos europeus estão a reduzir o consumo de carne. Com isto em mente, o fast food à base de plantas não é apenas uma moda passageira; é o futuro.
Itália: fast food encontra o gourmet regional
Já não se trata de sabores padronizados e produzidos em massa. Por toda a Europa, marcas apostam em ingredientes regionais e elevam o fast food a uma experiência gourmet.
Um dos exemplos mais marcantes é a linha My Selection da McDonald’s Itália, com curadoria do chef célebre Joe Bastianich. O menu inclui hambúrgueres premium com Parmigiano Reggiano, salame italiano e vinagre balsâmico de Modena, ingredientes que celebram o rico património culinário de Itália sem abdicar da conveniência do fast food.
Marcas fast-casual mais pequenas também estão a redefinir o segmento. Em Roma, a Trapizzino reinventou o humilde tramezzino, recheando pão artesanal com carnes cozinhadas lentamente, queijos regionais e molhos ricos. O sucesso da marca mostra que os consumidores estão dispostos a pagar um pouco mais por fast food que não abdica do sabor nem da autenticidade.
Para lá das cadeias: a ascensão do fast food independente e inclusivo
Apesar das mudanças nas grandes marcas, algumas das transformações mais interessantes estão a acontecer no universo independente.
Em Paris, a Hank Burger redefiniu o fast food vegan, servindo hambúrgueres 100% vegetais com "queijo" sem lacticínios e molhos de fabrico próprio. O restaurante atrai não só vegans, mas também flexitarianos e até adeptos convictos de carne, seduzidos pelos sabores marcantes e pelo compromisso com a qualidade.
Em Madrid, a Mad Mad Vegan segue uma filosofia semelhante. Conhecida pela imagem inspirada no punk e por um menu totalmente vegetal, a casa conquistou um público fiel com hambúrgueres de fabrico próprio e molhos ricos e indulgentes, provando que o fast food pode ser rebelde, sustentável e satisfatório ao mesmo tempo.
Estas marcas independentes estão a definir novos padrões no setor, mostrando que inclusão e sustentabilidade não são apenas palavras de ordem; são o futuro do fast food.
Futuro do fast food: para onde vamos?
Então, o que se segue para o fast food? Três grandes tendências estão a moldar a sua evolução:
Menus personalizados - Espera-se mais personalização, desde hambúrgueres vegetais montados ao gosto a opções keto, paleo e sem glúten. A era dos menus iguais para todos está a chegar ao fim.
Sustentabilidade como norma - As marcas de fast food estão a adotar práticas ecológicas, de embalagens compostáveis a cozinhas com desperdício zero. As que não se adaptarem arriscam ficar para trás, à medida que os consumidores exigem opções mais éticas.
A ascensão do fast food regional e artesanal - A maior mudança? O fast food está a afastar-se da uniformização e a celebrar os sabores locais. Dos hambúrgueres gourmet em Itália aos churros sem glúten em Espanha e kebabs vegetais em Berlim, espera-se que o fast food reflita cada vez mais a identidade regional, em vez de uma experiência global padronizada.
Com o crescimento das opções sem glúten, vegan e gourmet, o setor prova que a conveniência não tem de sacrificar a qualidade. À medida que nos aproximamos de 2026, uma coisa é clara: o fast food está a ser redefinido. Já não é só rápido; é também melhor comida.