Há um muro que se ergueu depois de Berlim

Há um muro que se ergueu depois de Berlim
De  Euronews
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Há 25 anos caía o Muro de Berlim e abria-se a Cortina de Ferro. Hoje as novas gerações não têm memória da vida durante o comunismo – há quem fale mesmo de um “muro geracional”.

Entramos numa carrinha polaca dos anos 70 para ouvir Rafal Patla contar a história de Varsóvia. A cidade foi arrasada pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial. Até 1989, esteve atrás da Cortina de Ferro. Rafal tinha apenas 4 anos quando o regime comunista desmoronou. Hoje assume como missão partilhar o percurso histórico com a sua geração. “O Palácio da Cultura e Ciência, uma prenda do Tio Estaline, é um símbolo do comunismo, do domínio soviético sobre o nosso país”, explica-nos Rafal.

Um domínio que colapsou quando o Muro de Berlim caiu. Na capital polaca, é cada vez mais difícil traçar os vestígios da guerra fria. Em vez disso, multiplicam-se os sinais do desenvolvimento que tornou esta na sexta maior economia da União Europeia. A Polónia conquistou um lugar no palco político internacional. A mudança é difícil de incorporar para quem conheceu outros tempos.

Adam Ringer regressou em 1989 depois de viver na Suécia durante mais de 20 anos: “Era como se fosse um sonho. Ninguém acreditava que todo o sistema pudesse implodir. Já ninguém se lembra de como isto era há 25 anos, de como era cinzento. As pessoas viviam ansiosas, a desconfiar de tudo. Se olharmos para os jovens que trabalham neste café, eles nasceram todos depois. Podemos tentar explicar-lhes, mas será que vão entender o que era a vida na altura? Quem não esteve lá, terá muito dificuldade em compreender.”

Para Filip Lepka, um estudante universitário, o período vivido pelos seus pais e avós pertence quase ao domínio da ficção. “Ouvi tantas estórias na minha família, que tenho dificuldades em imaginar como era. Para a minha geração, é como se fosse um mundo diferente, é como a ‘Alice no País das Maravilhas’”, declara.

Há ou não um muro que se ergueu entre as gerações que a Cortina de Ferro separou? Tomasz Ciapala tem 33 anos. Juntamente com a mulher, Marta, gere uma loja de vestuário em Varsóvia. Muitos da mesma geração partiram para o estrangeiro. Mas Tomasz aprecia a sua liberdade: “Eu costumo viajar com o meu pai. O passaporte que possuo, e no qual tenho orgulho, permite-me ir aonde eu quiser. Cheguei de Espanha há dois dias, por exemplo. A liberdade é isto e é o mais importante. A liberdade de fazer o que quero, de ir onde quero. Não há limites. Já os meus pais não podiam fazer o mesmo.”

Mas, segundo Marta, a liberdade de que os mais novos desfrutam, não significa que não haja um preço a pagar: “A nossa geração tem menos ajudas do governo do que a anterior. Para arranjar um apartamento, por exemplo, não era chegar e comprar. Antes eram as autoridades que se encarregavam disso. Também no que toca ao emprego, a maior parte das pessoas da geração anterior arranjava um trabalho e conservava-o a vida inteira, à espera que o governo tomasse conta deles quando chegasse a altura da reforma. Hoje já sabemos que isso não vai acontecer.”

Aos 25 anos, Kamil Cebulski era já apresentado como um dos jovens mais ricos da Polónia. Passaram cinco anos e este empresário continua a criar start-up no setor da internet, apostando também na formação de novos empreendedores. Para Kamil, o muro existe, mas não é entre gerações: trata-se da divisão entre o mercado livre e o excesso de leis e impostos. “Eu mudei todas as minhas empresas da Polónia para o Reino Unido, para a Tailândia, para a Zâmbia. Não tenho nada aqui na Polónia porque o mercado está demasiado regulado. Eles abusam com tantas normas. Os jovens polacos não conseguem competir com os empresários que já estão no mercado porque há demasiadas barreiras, os obstáculos são enormes”, considera.

Numa fábrica abandonada de Varsóvia encontramos um museu privado dedicado ao comunismo. A iniciativa, que abriu portas em abril, partiu precisamente de Rafal. O conceito: mostrar a vida quotidiana debaixo do regime. Dois visitantes são primos cujos pais emigraram há várias décadas para a Inglaterra e Canadá. Um deles, Keith Kurek, conta-nos que “queria visitar este museu porque quando cheguei à Polónia pareceu-me tudo moderno. É como o Canadá. Aqui no museu do Comunismo posso ver como as coisas eram, posso perceber as diferenças. Recuamos até aos anos 80, 70. E, nessa altura, as diferenças eram abissais. Não me imagino a viver assim.”

Keith nunca tinha estado na Polónia. Chris veio uma vez com a mãe visitar a família. Foi em 1970. “Só guardei uma recordação. Estávamos na fila à espera para entrar num talho. As filas eram enormes. Quando olhei lá para dentro, só havia ganchos vazios. Não havia nada. Eles faziam fila para quê? Estava vazio”, recorda.

Depois seguiu-se a repressão da Lei Marcial e o combate do movimento Solidariedade. Entre os que preferem esquecer e os que sentem alguma nostalgia, parece haver um meio termo na ideia de que a entreajuda perante as dificuldades era, de facto, uma realidade. E isso pode servir de lição. Rafal salienta o seguinte: “A minha geração é a primeira em 200 anos que não teve de lutar por nada. Duzentos anos. Todas as gerações lutaram contra algo: contra os bolcheviques, contra os nazis, contra os comunistas, contra os russos. As pessoas lutavam pela liberdade. Agora somos livres, mas passaram apenas 25 anos, é só uma geração. A liberdade é algo que podemos perder muito rapidamente. Temos de cuidar dela. É por isso que é preciso aprender com a história.”

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