Espaço Schengen: Será necessário alterar as regras dos pedidos de asilo na Europa?

Espaço Schengen: 
Será necessário alterar as regras dos pedidos de asilo na Europa?
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De  Marco Lemos
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Os fluxos migratórios para a Europa atingem números sem precedentes. Em dois anos, os pedidos de asilo político na Hungria foram multiplicados por 20. Será necessário apertar a legislação no Espaço Sc

Março de 2015: Um avião cheio de imigrantes ilegais do Kosovo aterra em Pristina proveniente de Munique.

No final de Fevereiro, Alemanha, Áustria e Hungria começaram a expulsar ilegais que pediram asilo. A política endureceu depois de uma vaga de migrantes que, entre Dezembro e Fevereiro, terá levado 50.000 a 100.000 kosovares a abandonarem o seu país, quase sempre da mesma maneira:

“Apanhámos um autocarro para a Hungria e depois fomos daí para a Alemanha”, explica Xilaje Isaku. Se tivesse oportunidade, voltava a ir?

“Não, não quero voltar”, conclui. Na Alemanha, muitos receberam alojamento gratuito e ajudas sociais superiores a 800 euros por mês. É o caso da família Kabashi, que teve o filho mais novo em Ingolstadt. Mas, o pedido de asilo foi recusado e agora o objectivo é regressar ao ‘paraíso perdido’:

“Hei-de voltar. Estivemos na Alemanha um ano e oito meses. Foram bons para nós. As condições eram boas. Mas chegou um momento em que nos mandaram embora”, explica Gafurr. Depois de aterrarem em Pristina, os Kabashi seguiram para a casa de família, em Korisha, 60 km a norte da capital.

Agora, vivem na casa 12 pessoas, mas apenas uma tem emprego: ganha cerca de 100 euros por mês.

A pobreza e a falta de perspectivas de futuro são das principais razões deste fluxo migratório rumo à União Europeia. De outras latitudes, juntam-se as questões da guerra e da repressão.

Os migrantes sabem que, se pedirem asilo, podem mover-se facilmente pelo espaço Schengen enquanto o requerimento é analisado.

Em busca do ‘El Dorado’, famílias inteiras investem tudo o que têm. Os Kabashi afirmam ter gasto 1700 euros para chegar à Alemanha, 300 dos quais pagos ao passador que os fez atravessar da Sérvia para a Hungria a pé.

A polícia húngara apanhou-os e passaram uns dias num campo de refugiados:

“A vida era muito dura no campo (de refugiados) na Hungria. Fomos obrigados a partir porque as pessoas batiam umas nas outras e algumas acabaram mortas. Alguns negros foram mortos e fomos obrigados a deixar a Hungria em direcção à Alemanha porque as nossas vidas estavam em perigo”, afirma Gafurr. Com liberdade de movimentos dentro do país e sem controlos nas fronteiras ocidentais da Hungria, bastou apanhar o comboio para a Alemanha, onde o sonho e a esperança terminaram:

“O futuro? É catastrófico. Sem dinheiro, sem salário, sem trabalho. E as crianças precisam de comer. Isto está muito mal”, lamenta Gafurr. A Pestova é uma das empresas mais bem-sucedidas do Kosovo. Produz batata frita. Emprega perto de 150 pessoas que recebem entre 350 a 450 euros por mês.

Antigo agricultor, o patrão, Bedri Kosumi, já sente os efeitos da emigração em massa:

**“Da nossa companhia, partiram 8 trabalhadores, mas dois já voltaram. Acho que há várias razões para emigrar, mas penso que a principal é que as pessoas são manipuladas por outras, que lhes dizem que o Ocidente é um paraíso”.**Num país com menos de 2 milhões de habitantes, a saída de pelo menos 50.000 no espaço de poucos meses é imediatamente sentida.

Em Vushtrii, o cabeleireiro não teve mãos a medir, mas agora muitos clientes já não moram aqui:

“Por causa da emigração perdi muitos clientes. Devo ter perdido 30% da clientela”, refere Naim Jetullahu, o barbeiro de serviço. 7 anos após a independência que se seguiu à sangrenta guerra com a Sérvia, o Kosovo continua na miséria. O desemprego ronda os 30% e, entre os jovens, chega a atingir os 50%.

Para além da falta de perspectivas de futuro, falsas expectativas em relação à vida na Europa Ocidental levam também muitos a partir, como explica o jornalista Avni Ahmetaj:

“Falei com muitos dos que partiram do Kosovo e o que me disseram é que partiam em busca de uma vida melhor. Mas, não fazem ideia como é que vão conseguir uma vida melhor na União Europeia porque nunca estiveram lá. Estivemos muito tempo isolados do resto da Europa. Por isso, muitos kosovares consideram que o Espaço Schengen e as suas regras são o que os impede de entrar em países da União Europeia. E isso é muito triste.

Também é verdade que me sinto humilhado por ter de apresentar inúmeros documentos e por ter de aguardar horas intermináveis, à porta das embaixadas, para receber um visto que nem sequer tenho garantias que me será concedido”.

O longo caminho para chegar ao ‘El Dorado’ chamado União Europeia

Do Kosovo, apanhamos um autocarro para a Sérvia. Queremos acompanhar o percurso habitual dos ilegais na sua entrada na União Europeia. 11 horas e 500 km depois chegamos a Subotica, uma cidade da raia que separa a Hungria da Sérvia. A fronteira externa da União está a apenas 10 km. Estamos numa das áreas mais controladas da Europa.

Os fluxos migratórios têm sido constantes nos últimos 3-4 anos. Vêm do Kosovo, mas também do Afeganistão, da Síria ou do Iraque.

Naji Hajji Issa é um ‘yazidi’ que fugiu à barbárie do autoproclamado Estado Islâmico. Vem do Iraque e quer pedir asilo político na Alemanha.

Já falhou uma entrada na Hungria mas promete voltar a tentar. Diz que a Bulgária foi a pior parte da viagem até agora:

**“Passei dois dias numa floresta na Bulgária. Não tinha água nem comida e a polícia estava a fazer controlos. Não nos podíamos mexer, mas quando foram levantadas as barragens policiais continuei o meu caminho e cheguei à Sérvia dois dias depois. Refugiámo-nos neste edifício e logo à noite vou para a Hungria e depois para a Áustria e a Alemanha”.**Na Sérvia, é ilegal ajudar os tentam entrar na União, mas isso não trava o trabalho das organizações não-governamentais. Visitam os campos improvisados, fornecem comida, água e por vezes, assistência médica aos migrantes.

Dizem que só os mais pobres ficam nestes abrigos sem quaisquer condições dignas de vida:

“Aqueles que atravessam a fronteira de forma organizada não passam por aqui. Quem fica aqui são os que não têm dinheiro nem contactos. Ou que tiveram alguns contactos com traficantes, mas acabaram por perdê-los. Por isso, ficam aqui”, refere Tibor Varga, da ONG Eastern Europe Mission. A poucos quilómetros do abrigo fica o Keres, um pequeno rio que serve de fronteira da União Europeia ao longo de 15 km da raia. Pegadas frescas dos migrantes estão cravadas em permanência nas suas margens.

É aqui que a polícia húngara faz mais detenções. A área é controlada com o apoio de agentes alemães e com recurso a câmaras térmicas, mas isso não impede que, todos os dias, cerca de 100 pessoas tentem entrar na União.

Em Fevereiro, foram detidas mais de 1700 pessoas num só dia, um recorde.

Os que aqui moram, já estão habituados ao jogo do gato e do rato entre as autoridades e os migrantes:

“Houve dias em que eram mesmo muitos, mas a polícia já está à espera deles. Chegam normalmente em grupos de 35 a 70 pessoas. Quando os cães começam a ladrar é sinal que um grupo está a chegar”, refere Imre Koromi. Os locais dizem não ter medo dos migrantes, mas defendem o trabalho das autoridades.

“Não devemos deixá-los entrar. E se atravessarem a fronteira temos de os mandar para trás, de regresso aos sítios de onde partiram”, afirma Imre. O repatriamento é difícil porque, segundo a legislação europeia, os migrantes podem circular livremente no país enquanto o pedido de asilo é analisado.

Mudar as regras para os que pedem asilo?

“Quando são detidas, estas pessoas dizem normalmente que querem pedir asilo na Hungria e nós temos de os entregar ao departamento de Imigração. Depois disso, os migrantes podem mover-se livremente na Hungria, o que é aproveitado por muitos para viajar até à Europa Ocidental utilizando as fronteiras internas (não controladas)”, refere Gizella Vas, coronel da polícia. No ano passado, 42.000 pessoas pediram asilo na Hungria, 20 vezes mais do que em 2012, dois anos antes.

Hungria e Alemanha querem reforçar as regras para os requerentes de asilo, mas para isso será necessário alterar a legislação europeia.

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