Dentro da União Europeia, o acesso aos cuidados para jovens trans varia drasticamente. Em alguns Estados-membros, é praticamente impossível
Apenas dois meses antes de completar 18 anos e mais de um ano depois de ter começado a questionar o seu género, Alex (nome fictício) tornou-se a pessoa mais jovem a ter acesso a cuidados de saúde trans públicos em França.
"Fiquei muito feliz e aliviado porque era um momento crucial. Tinha acabado o liceu e a minha voz estava a começar a mudar cerca de três meses depois do primeiro período [da universidade]", contou à Euronews.
O processo de acesso às hormonas foi relativamente simples para Alex.
Em França, os menores podem ter acesso a cuidados de saúde de afirmação de género, como bloqueadores da puberdade ou tratamento de reposição hormonal (TRH). Mas a grande maioria dos serviços de saúde exige a realização de uma avaliação psicológica, processo este que pode levar vários anos.
Alex rapidamente conseguiu cumprir os requisitos devido ao apoio dos pais e à sua proximidade da marioridade. Mas outros podem ter mais dificuldade.
"Falei com a minha endocrinologista há poucos dias e ela disse-me que foram obrigados a encerrar o sistema, porque não havia pessoas suficientes que quisessem [prestar cuidados de afirmação de género] e porque o hospital público em França não considera isso uma prioridade", disse Alex.
"Agora, a lista de espera é muito longa - entre oito meses e um ano para a primeira consulta. Na minha altura, foi apenas um ou dois meses".
O ano mais mortífero para as pessoas LGBTQ+ na Europa na última década
A experiência de ser transgénero para os jovens da UE varia drasticamente consoante o local onde vivem.
Em fevereiro, Espanha aprovou uma legislação que permite a qualquer pessoa com mais de 16 anos declarar o seu género. Nesse mesmo mês, a Suécia bloqueou a terapia hormonal para pessoas com menos de 18 anos, exceto em casos raros.
Por outro lado, enquanto a Finlândia eliminou a exigência de esterilização dos adultos para que estes pudessem alterar o sexo que consta da sua certidão de nascimento, a Croácia debatia se os cuidados de afirmação de género deveriam ser limitados a pessoas com mais de 21 anos.
O ano passado foi um dos mais violentos em quase uma década, para a comunidade LGBTQ+ da Europa, em especial para os transgéneros.
De acordo com a ILGA, a maior organização europeia de defesa dos direitos LGBTQ+, essa violência manifestou-se "tanto através de ataques planeados e ferozes, como através de suicídios na sequência de um discurso de ódio crescente e generalizado".
Em 2022, um homem trans foi morto durante um evento de Orgulho LGBTQ+ na Alemanha. Nesse mesmo ano, uma mulher trans foi assassinada na Estónia.
Na Geórgia, uma mulher cisgénero (pessoa que se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença) foi morta por ter sido confundida com um homem trans.
Houve ainda pelo menos dois ataques a bares LGBTQ+. Um deles fez dois mortos e feriu 20 pessoas em Oslo, na Noruega. Noutro, em Bratislava, na Eslováquia, duas pessoas foram mortas.
"Este fenómeno não se verifica apenas em países onde o discurso de ódio é frequente, mas também em países onde se acredita que as pessoas LGBTI são progressivamente aceites", afirmou Evelyne Paradis, diretora executiva da ILGA-Europa.
A organização acrescentou que a Irlanda, a Espanha, a Noruega, a Polónia, o Reino Unido e a Suíça foram apenas alguns dos países que registaram um aumento do discurso de ódio contra as pessoas trans no ano passado.
O pior país da Europa no acesso a cuidados de saúde para transgéneros
O acesso aos cuidados de saúde para pessoas transgénero, especialmente para menores, varia consoante o país da Europa onde se vive.
Na Irlanda, é quase impossível para qualquer jovem com menos de 17 anos aceder a cuidados de saúde para transgénero, apesar de legalmente o poderem fazer.
No entanto, o país é um dos 11 europeus que permitem que as pessoas declarem o seu género. No caso dos menores, Dublin prevê um procedimento para que eles obtenham o reconhecimento legal do seu género.
A Irlanda está classificada pelo Transgender Europe, o maior grupo de direitos trans na Europa, como o pior local para aceder a cuidados de saúde para transgénero na União Europeia. Segue-se a Hungria e a Polónia.
No centro destas contradições, estão os atrasos nos tratamentos médicos irlandeses. Embora, em teoria, os jovens tenham direito de aceder aos cuidados de saúde trans, na prática, a lista de espera é de sete anos. Isto significa que o acesso para muitas pessoas é praticamente impossível até à idade adulta.
"Na Irlanda, não existem cuidados de saúde de afirmação de género para as crianças trans", diz Moninne Griffith, diretora executiva da organização juvenil LGBTQ+ "BeLonG To".
"Ouvi dizer que alguns jovens e os seus pais, por puro desespero, estão a tentar aceder a cuidados de saúde no estrangeiro e online".
Os jovens vão regularmente à Polónia ou a Inglaterra para receber tratamento, "mas sem supervisão médica adequada aqui na Irlanda, o que é muito perigoso. Não recomendamos", acrescenta.
A razão para o atraso, segundo Griffith, é uma combinação do Brexit, da transfobia, do sistema de saúde do país, entre outros factores.
Antes da saída do Reino Unido da UE, a Irlanda dependia fortemente de clínicas sediadas no Reino Unido através do seu esquema de Tratamento no Estrangeiro, um programa da União Europeia que permite aos pacientes procurar tratamento noutro Estado-membro e ainda assim, serem cobertos pelo seu seguro nacional. Com o Brexit, este caminho foi cortado.
Griffith destacou também que a comunidade trans na Irlanda é tão pequena que não é uma prioridade num sistema de saúde "que se centra, infelizmente, na parte aguda dos cuidados e intervenções médicas".