Como diferem os cuidados de saúde para menores transgénero na Europa?

Espanhóis reagem em frente ao parlamento após o anúncio da lei sobre os transexuais, em Madrid.
Espanhóis reagem em frente ao parlamento após o anúncio da lei sobre os transexuais, em Madrid. Direitos de autor AP Photo
Direitos de autor AP Photo
De  Katherine Berjikian com Verónica Romano
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Dentro da União Europeia, o acesso aos cuidados para jovens trans varia drasticamente. Em alguns Estados-membros, é praticamente impossível

PUBLICIDADE

Apenas dois meses antes de completar 18 anos e mais de um ano depois de ter começado a questionar o seu género, Alex (nome fictício) tornou-se a pessoa mais jovem a ter acesso a cuidados de saúde trans públicos em França.

"Fiquei muito feliz e aliviado porque era um momento crucial. Tinha acabado o liceu e a minha voz estava a começar a mudar cerca de três meses depois do primeiro período [da universidade]", contou à Euronews.

Senti-me muito aliviado por poder tentar viver sem que as pessoas se apercebessem que eu era trans.
Alex (nome fictício)
França

O processo de acesso às hormonas foi relativamente simples para Alex.

Em França, os menores podem ter acesso a cuidados de saúde de afirmação de género, como bloqueadores da puberdade ou tratamento de reposição hormonal (TRH). Mas a grande maioria dos serviços de saúde exige a realização de uma avaliação psicológica, processo este que pode levar vários anos.

Alex rapidamente conseguiu cumprir os requisitos devido ao apoio dos pais e à sua proximidade da marioridade. Mas outros podem ter mais dificuldade.

"Falei com a minha endocrinologista há poucos dias e ela disse-me que foram obrigados a encerrar o sistema, porque não havia pessoas suficientes que quisessem [prestar cuidados de afirmação de género] e porque o hospital público em França não considera isso uma prioridade", disse Alex.

"Agora, a lista de espera é muito longa - entre oito meses e um ano para a primeira consulta. Na minha altura, foi apenas um ou dois meses".

Lewis Joly/Copyright 2021 The AP. All rights reserved
Marcha anual do Orgulho Gay em Paris, em junho de 2021.Lewis Joly/Copyright 2021 The AP. All rights reserved

O ano mais mortífero para as pessoas LGBTQ+ na Europa na última década

A experiência de ser transgénero para os jovens da UE varia drasticamente consoante o local onde vivem.

Em fevereiro, Espanha aprovou uma legislação que permite a qualquer pessoa com mais de 16 anos declarar o seu género. Nesse mesmo mês, a Suécia bloqueou a terapia hormonal para pessoas com menos de 18 anos, exceto em casos raros.

Por outro lado, enquanto a Finlândia eliminou a exigência de esterilização dos adultos para que estes pudessem alterar o sexo que consta da sua certidão de nascimento, a Croácia debatia se os cuidados de afirmação de género deveriam ser limitados a pessoas com mais de 21 anos.

O ano passado foi um dos mais violentos em quase uma década, para a comunidade LGBTQ+ da Europa, em especial para os transgéneros.

De acordo com a ILGA, a maior organização europeia de defesa dos direitos LGBTQ+, essa violência manifestou-se "tanto através de ataques planeados e ferozes, como através de suicídios na sequência de um discurso de ódio crescente e generalizado". 

Em 2022, um homem trans foi morto durante um evento de Orgulho LGBTQ+  na Alemanha. Nesse mesmo ano, uma mulher trans foi assassinada na Estónia.

Na Geórgia, uma mulher cisgénero (pessoa que se identifica com o género que lhe foi atribuído à nascença) foi morta por ter sido confundida com um homem trans.

Houve ainda pelo menos dois ataques a bares LGBTQ+. Um deles fez dois mortos e feriu 20 pessoas em Oslo, na Noruega. Noutro, em Bratislava, na Eslováquia, duas pessoas foram mortas.

Sergei Grits/Copyright 2022 The AP. All rights reserved
Flores e bandeiras de orgulho LGBT+ no local de um tiroteio em Oslo, na Noruega, em junho de 2022.Sergei Grits/Copyright 2022 The AP. All rights reserved

"Este fenómeno não se verifica apenas em países onde o discurso de ódio é frequente, mas também em países onde se acredita que as pessoas LGBTI são progressivamente aceites", afirmou Evelyne Paradis, diretora executiva da ILGA-Europa.

A organização acrescentou que a Irlanda, a Espanha, a Noruega, a Polónia, o Reino Unido e a Suíça foram apenas alguns dos países que registaram um aumento do discurso de ódio contra as pessoas trans no ano passado.

O pior país da Europa no acesso a cuidados de saúde para transgéneros

O acesso aos cuidados de saúde para pessoas transgénero, especialmente para menores, varia consoante o país da Europa onde se vive.

PUBLICIDADE

Na Irlanda, é quase impossível para qualquer jovem com menos de 17 anos aceder a cuidados de saúde para transgénero, apesar de legalmente o poderem fazer.

No entanto, o país é um dos 11 europeus que permitem que as pessoas declarem o seu género. No caso dos menores, Dublin prevê um procedimento para que eles obtenham o reconhecimento legal do seu género.

A Irlanda está classificada pelo Transgender Europe, o maior grupo de direitos trans na Europa, como o pior local para aceder a cuidados de saúde para transgénero na União Europeia. Segue-se a Hungria e a Polónia. 

No centro destas contradições, estão os atrasos nos tratamentos médicos irlandeses. Embora, em teoria, os jovens tenham direito de aceder aos cuidados de saúde trans, na prática, a lista de espera é de sete anos. Isto significa que o acesso para muitas pessoas é praticamente impossível até à idade adulta.

"Na Irlanda, não existem cuidados de saúde de afirmação de género para as crianças trans", diz Moninne Griffith, diretora executiva da organização juvenil LGBTQ+ "BeLonG To".

PUBLICIDADE

"Ouvi dizer que alguns jovens e os seus pais, por puro desespero, estão a tentar aceder a cuidados de saúde no estrangeiro e online".

Os jovens vão regularmente à Polónia ou a Inglaterra para receber tratamento, "mas sem supervisão médica adequada aqui na Irlanda, o que é muito perigoso. Não recomendamos", acrescenta.

A razão para o atraso, segundo Griffith, é uma combinação do Brexit, da transfobia, do sistema de saúde do país, entre outros factores.

Antes da saída do Reino Unido da UE, a Irlanda dependia fortemente de clínicas sediadas no Reino Unido através do seu esquema de Tratamento no Estrangeiro, um programa da União Europeia que permite aos pacientes procurar tratamento noutro Estado-membro e ainda assim, serem cobertos pelo seu seguro nacional. Com o Brexit, este caminho foi cortado.

Griffith destacou também que a comunidade trans na Irlanda é tão pequena que não é uma prioridade num sistema de saúde "que se centra, infelizmente, na parte aguda dos cuidados e intervenções médicas".

PUBLICIDADE
Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Cerveja alvo de ataques devido a influenciadora transgénero

Espanha tem lei revolucionária sobre os transgénero: Prós e contras

Documentos impedem transexuais de deixar a Ucrânia