O movimento palestiniano Hamas, que levou a cabo o ataque contra Israel a 7 de outubro de 2023, regenera-se para continuar a luta em Gaza, disseram dois analistas à Euronews. Além do recrutamento de milicianos, o Hamas continuará a exigir ter um papel na definição do futuro do território.
“Diz-se, por exemplo, que o Hamas perdeu seis mil combatentes, mas parece estar a recrutar - ou melhor, a mobilizar - cerca de seis mil membros das suas reservas", disse Hugh Lovatt, analista político no centro de estudos European Council for Foreign Relations (ECFR), em entrevista à Euronews.
"Certamente não estarão tão bem treinados como o grupo inicial, mas ainda são capazes de segurar numa arma e de disparar lança-foguetes contra tanques israelitas", acrescentou o analista sobre o movimento que, há um ano, matou 1200 pessoas e fez 250 reféns em Israel, o que deu início a uma nova guerra na Faixa de Gaza.
O Chefe do Estado-Maior General das Forças de Defesa de Israel, Herzi Halevi, disse, numa carta enviada aos soldados por ocasião do primeiro aniversário do ataque, que as forças armadas “derrotaram a ala militar do Hamas” e que continuam a combater as suas capacidades terroristas.
Mas os analistas entrevistados pela Euronews explicam que não só o Hamas não foi derrotado, como continua a ter capacidade de regeneração, ao nível do recutamento de milicianos e da reabilitação das infraestrutura subterrânea.
"Acho que é muito fácil, de facto, recrutar e regenerar, simplesmente porque há muitos órfãos e grupos como o Hamas sempre recrutaram aqueles que ficaram órfãos em ataques israelitas anteriores", afirmou Joost Hiltermann, analista político no Cris Group.
"Penso que podemos dizer com segurança que o Hamas tem trabalhado para restaurar alguns dos túneis danificados", afirmou, por seu lado, Hugh Lovatt.
Nova liderança do Hamas é de linha dura
Por outro lado, o assassinato do líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, a 31 de julho de 2024, quando este se encontrava de visita ao Irão, pode ter sido analisado como um golpe importante contra o movimento.
Exilado no Qatar, Haniyeh era visto como pragmático e relatiavmente moderado nas negociações. Mas o novo líder, Yahya Sinwar, o mentor do atentado de 7 de outubro, é visto como um elemento da linha dura, que vai querer manter a luta armada a qualquer preço.
“As decisões são tomadas por consenso no Conselho da Shura. É claro que Yahya Sinwar teria sempre uma voz forte devido ao que aconteceu a 7 de outubro e à forma como é visto dentro do Hamas, e talvez fora do Hamas, como um líder forte. E como mantém reféns israelitas, isso dá-lhe uma carta forte”, explicou Joost Hiltermann.
Yahya Sinwar não se arrepende dos atentados de 7 de outubro e considera que só é possível criar um Estado palestiniano "pela via armada", segundo a agência de notícias Reuters, que contactou seis fontes políticas (quatro em organizações palestinianas e dois governos do Médio Oriente).
Um ex-militante comunista libanês, Nabih Awadah, que esteve preso com Sinwar (em Ashkelon, entre 1991-95), disse à Reuters que o líder do Hamas via os acordos de paz de Oslo (1993), entre Israel e a Autoridade Palestina, como "desastrosos" e um estratagema de Israel, que só abriria mão de terras palestinianas "pela força, não por negociações".
Classificando-o de "obstinado e dogmático", Awadah disse que Sinwar se iluminava de alegria sempre que ouvia falar de ataques do Hamas contra isarelitas, ou pelo grupo libanês Hezbollah. Para Sinwar, o confronto militar era o único caminho "para libertar a Palestina" da ocupação israelita.
Diplomacia continua incapaz de mudar o rumo do conflito
Os EUA e a UE classificam o Hamas como um grupo terrorista, mas o movimento continua a ser crucial para a negociação de um cessar-fogo, segundo os analistas.
Alguns países ocidentais poderiam desempenhar um papel de mediação mais importante, refere Joost Hiltermann: “Países como a Noruega e a Suíça podem manter conversações com o Hamas porque não lhes atribuem o rótulo político de organização terrorista. É uma decisão política".
"A ausência de canais diretos de negociação é um problema porque o Hamas é, obviamente, um movimento que luta contra a ocupação militar com violência. (...) Mas é preciso falar mais sobre soluções para o conflito israelo-palestino, que até agora não estão a ser fomentadas", acrescentou.
Uma solução política para o conflito terá como principal interlocutor a Autoridade Palestiniana (AP), do presidente Mahmoud Abbas. A AP governa a Cisjordânia e parte de Jerusalém e deverá ser chamada a governar a Faixa de Gaza, substuindo o Hamas, que o fazia desde 2007, depois de ter ganho eleições com o seu braço político.
Contudo, os analistas dizem que o Hamas terá de ser incluído em quaisquer decisões sobre o futuro do território, apesar do ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, ter prometido "limpar o Hamas da face da Terra".
“Sejamos claros, o Hamas não vai a lado nenhum, mesmo tendo sofrido tanto. Terá sempre a possibilidade de se opor a qualquer intervenção externa em Gaza, quer se trate de uma intervenção israelita, como está a acontecer neste momento, quer se trate da intervenção da Autoridade Palestiniana no futuro ou de uma força internacional”, afirma Hugh Lovatt.
O analista realça que o alargamento do conflito ao Líbano e as retaliações diretas do Irão contra Israel agravam a crise e são, também, um sinal claro de que o Irão vai continuar a apoiar o Hamas em todas as frentes.
"O Irão continua a ser uma grande fonte de financiamento, embora não a única, mas certamente a maior fonte de financiamento para o Hamas. Por razões estratégicas, por razões potencialmente ideológicas, mas também por razões muito pragmáticas, o Irão vai continuar a fazê-lo", explicou Lovatt.
"Não parece haver um espaço significativo para soluções diplomáticas, que, claro, existem sempre. Mas o caminho escolhido por enquanto é usar a força para subjugar os inimigos, ver onde caem "as fichas" e trabalhar a partir daí", referiu Joost Hiltermann.
A guerra na Faixa de Gaza já matou mais de 41 mil pessoas e deslocou quase dois milhões na Faixa de Gaza, de acordo com autoridades de saúde palestinianas e números da ONU.