Publicações online têm divulgado uma notícia falsa sobre a afirmação do primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, de que Varsóvia pagará pelas vítimas polacas da Segunda Guerra Mundial e não a Alemanha, no âmbito de um debate sobre reparações com Berlim.
Publicações recentes no Facebook e no X acusaram o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, de concordar que "a Polónia pagará pelos alemães", na sequência de conversações de alto nível com o chanceler alemão, Friedrich Merz, que abordaram a questão das reparações da Segunda Guerra Mundial.
A frase apareceu em dezenas de publicações em várias plataformas e tornou-se a narrativa dominante nas discussões online, de acordo com um relatório da Res Futura, uma ONG polaca especializada em segurança da informação.
Uma análise do que Tusk efetivamente disse na conferência de imprensa sugere que várias das afirmações que circulam sobre ele são enganadoras.
O Cubo, a equipa de verificação de factos da Euronews, descobriu, juntamente com a análise da Res Futura, que as reações online se centraram muitas vezes num fragmento dos comentários de Tusk e ignoraram o contexto mais amplo.
O que é que Tusk disse?
Na conferência de imprensa realizada em Berlim, na semana passada, Tusk instou a Alemanha a acelerar os pagamentos aos cerca de 50.000 sobreviventes polacos das atrocidades da Segunda Guerra Mundial que ainda estão vivos.
O antigo partido Lei e Justiça (PiS), no poder na Polónia, há muito que exige que a Alemanha pague reparações pela ocupação da Polónia na Segunda Guerra Mundial, que devastou Varsóvia e matou cerca de um quinto da população polaca de antes da guerra.
O PiS calculou o montante em 6,2 mil milhões de zlotys (cerca de 1,5 mil milhões de euros à taxa de câmbio atual). Tusk e o seu partido da Coligação Cívica não chegaram a exigir o montante total e, em vez disso, apelaram a Berlim para que encontrasse outras soluções, incluindo o pagamento de apoio aos milhares de polacos sobreviventes do Terceiro Reich.
Desde que discutiu pela primeira vez a ideia com Berlim, o líder polaco disse, a 1 de dezembro, que pelo menos 10.000 sobreviventes tinham morrido.
Ao instar Berlim a acelerar os pagamentos, Tusk acrescentou que, se não o fizerem rapidamente, "considerarei a possibilidade de a Polónia satisfazer esta necessidade com os seus próprios recursos".
De acordo com a Res Futura, os comentários de Tusk espalharam-se amplamente nas redes sociais através da frase "A Polónia paga pelos alemães". A maior parte das mensagens provinha de contas ligadas ao PiS e estava frequentemente desligada do contexto mais alargado das palavras de Tusk.
Piotr Buras, chefe do gabinete de Varsóvia do Conselho Europeu de Relações Externas, disse ao Cubo que o comentário de Tusk foi concebido para exercer pressão sobre a Alemanha e não para sugerir que a Polónia vai pagar as contas da Alemanha.
"Trata-se de envergonhar os alemães, e não de prometer pagar, seja o que for", disse Buras. "São cerca de 50.000 pessoas muito idosas. Se a Alemanha não for capaz de cobrir este montante simbólico, a Polónia cuidará dos seus próprios cidadãos."
O debate sobre as reparações
Um perito jurídico disse ao Cubo que a questão de saber se a Polónia ainda pode exigir reparações não pode ser respondida com um simples sim ou não.
A Alemanha argumenta que a questão jurídica foi resolvida duas vezes: primeiro em 1953, quando a Polónia renunciou aos seus direitos de indemnização num acordo com a Alemanha de Leste, e depois novamente em 1990, quando a Alemanha se reunificou e não foi apresentado qualquer pedido de indemnização contra a nova república federal. A Polónia não foi signatária do acordo de reunificação.
Louis Le Hardy de Beaulieu, professor de Direito Internacional na UCLouvain, afirmou que "a partir destes dois pontos de vista, a Alemanha argumenta que não há base jurídica para ir mais longe" e que o argumento "tem elementos credíveis".
A Polónia, no entanto, afirma que a declaração de 1953 é inválida, uma vez que foi feita quando o país estava sob controlo soviético.
"Se aceitássemos esse argumento, teríamos de rever todos os tratados assinados sob um regime diferente daquele que está atualmente no poder", afirmou Le Hardy de Beaulieu ao Cubo.
De acordo com o antigo ministro da Defesa polaco e político independente Jan Parys, Tusk ignorou uma moção aprovada quase por unanimidade pelo parlamento polaco, segundo a qual a Alemanha deveria pagar integralmente as reparações.
"Há um consenso em casa de que a questão da guerra nunca foi verdadeiramente resolvida", disse Pary ao Cubo. "O Estado alemão pagou grandes somas à Grã-Bretanha, aos Estados Unidos e à França, mas com a Polónia, recebemos apenas um fundo mínimo para os antigos prisioneiros dos campos de concentração".
"Tusk apresentou uma decisão que contrariava a decisão do Parlamento polaco", acrescentou.
Para além das questões legais, Buras disse que a Polónia exigir à Alemanha a reparação total dos danos arriscaria uma crise política e ameaçaria a cooperação entre os dois países.
"Seria a única questão que dominaria esta relação", disse.
Tusk é "pró-alemão"?
De acordo com o Res Futura, muitos dos posts virais no Facebook e no X também acusam Tusk de ser um "político pró-alemão" e um "traidor", acusações que têm sido feitas contra ele há anos.
"Aqueles que querem retratar Tusk como um agente alemão e alguém que está a sacrificar os interesses polacos vão fazê-lo, independentemente da sua intenção e da sua política", disse Buras.
"A Alemanha representa, de certa forma, a Europa Ocidental no discurso polaco", acrescentou. "E Tusk é visto como um político pró-europeu".
Parys disse ao Cubo que esta perceção está enraizada nas decisões tomadas por Tusk no passado, quando liderava a Polónia, incluindo a sua estreita cooperação com Angela Merkel e as divergências sobre a política de segurança.
"A Polónia está dividida", disse. "A oposição favorece a cooperação com os Estados Unidos, enquanto o governo, liderado por Donald Tusk, prefere a cooperação com a Alemanha".