Shirin Ebadi: "O poder judicial iraniano perdeu a independência"

Shirin Ebadi: "O poder judicial iraniano perdeu a independência"
Direitos de autor 
De  Euronews
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button

Shirin Ebadi é uma advogada e activista dos Direitos Humanos iraniana, galardoada com o Prémio Nobel da Paz, em 2003.

Este mês, recebeu em nome de Abdulreza Tajik, detido no Irão, o prémio para o “Jornalista do Ano”, atribuído pelos Repórteres Sem fronteiras.

Shirin Ebadi deu uma entrevista exclusiva à Euronews, sobre a situação dos Direitos Humanos no Irão.

Euronews: Nos últimos anos, sublinhou sempre que os Direitos Humanos no Irão têm sido ofuscados na comunidade internacional pelas discordâncias sobre o programa nuclear iraniano. Em que medida é que acha que os seus alertas e visões de outros defensores dos Direitos Humanos têm sido eficazes a este respeito?

Shirin Ebadi: Eles prestaram atenção, mas não a suficiente. O Ocidente ainda está preocupado com a própria segurança e não realça os príncipios que reclama defender. Vimos nas recentes negociações com o Governo iraniano que, uma vez mais, esqueceram a questão dos Direitos Humanos e que se concentraram apenas no facto de o Irão dever continuar ou não com os programas de enriquecimento de urânio.

Eu digo, prestem mais atenção ao que reivindicam e perguntem: Por que razão as pessoas vão para a prisão no Irão?

E: O estranho fenómeno no Irão é que não são apenas os dissidentes políticos, os activistas de Direitos Humanos e os jornalistas que são perseguidos pelo Governo, mas também os seus advogados, que são, frequentemente, presos pelo regime. O advogado de alguém acusado de crimes políticos é detido e, depois, acontece o mesmo ao advogado desse advogado. Por exemplo, a senhora foi e é advogada de um número de activistas políticos e dos Direitos Humanos e está a ser processada… E a sua advogada, Nasrin Sotudeh, está na prisão e a ser julgada por tratar do seu caso.

Existem disposições para os advogados terem imunidade ao exercerem a profissão?

SE: Deixe-me dizer-lhe primeiro por que razão o Governo está a pôr os advogados sob essa pressão. O Governo não quer que os acusados de crimes políticos escolham advogados independentes. Os advogados independentes estão a ser postos sob cada vez mais restrições, sobretudo aqueles que dão entrevistas aos media.

Actualmente há cinco advogados na prisão, no Irão. Isto para além da senhora Sotudeh, que está, ilegalmente, numa cela solitária. Para protestar contra esta medida ilegal, ela entrou em greve de fome e estou muito preocupada com a sua saúde.

Há outro advogado, Mohammad Oliaii-far, que está a cumprir um ano na prisão por ter defendido, corajosamente, menores de 18 anos que foram executados pelo regime. Ele está muito doente, mas o Governo não está disposto a deixá-lo sair para tratamento médico.

Estas restrições mostram a falta de independência do sistema judicial. De acordo com a lei, um advogado devia ter a mesma imunidade legal que um juiz, mas esta questão de direito é ignorada.

Quando estes advogados foram presos, eu contactei a Associação Internacional de Advogados e colegas em outros países como França e Espanha. Eu também escrevi ao Relator Especial para a Independência de Juízes e Advogados. Tudo isto será arquivado no registo do Irão de violação dos princípios dos Direitos Humanos. É por isso que, todos os anos, as Nações Unidas emitem um comunicado a pedir ao Irão para respeitar as suas obrigações internacionais.

E: Se considerarmos as atitudes dos Governos face aos laureados com o Prémio Nobel da Paz como um exemplo das suas abordagens às questões dos Direitos Humanos, talvez possamos comparar o tratamento dispensado a Aung San Suu Kyi e a Liu Xiabao pelos respectivos Governos, com o tratamento que a senhora recebeu do Governo iraniano. Como vê esta comparação? E agora que reside fora do Irão, quão eficaz acha que é? Seria possível para si continuar a viver no Irão?

SE: O Governo iraniano confiscou todas as minhas propriedades sob a desculpa de que eu não paguei impostos sobre o Prémio Nobel da Paz que ganhei em 2003. É interessante que a quantia de impostos que eles reclamavam excedesse a quantia do prémio e isto quando os prémios Nobel estão isentos de impostos. O meu marido estava na prisão. Toda a minha família estava na prisão e agora eles não podem deixar o país. Resumindo, eles causaram-me imensos problemas.

Ainda antes de tudo isto e em 2008, eles fecharam, de forma ilegal, o Centro de Defensores dos Direitos Humanos de Teerão, que eu criei com o dinheiro do meu prémio. Eu queixei-me, porque eles agiram ilegalmente, mas, até hoje, nenhum juiz se atreveu a abrir o caso.

É isto a que me refiro quando digo que o poder judicial perdeu a independência.

E: E finalmente, porque é que qualquer actividade civil e questões de Direitos Humanos se misturam de tal forma com os assuntos políticos? Alguns especialistas dizem que o acto de violação e interpretação dos Direitos Humanos depende, até certo ponto, de questões culturais. Por outro lado, alguns governos dizem que só aceitam declarações de Direitos Humanos e convenções internacionais que estejam de acordo com as suas ideologias. Por exemplo, o Governo iraniano baseia-se na interpretação islâmica dos Direitos Humanos. Como é que vê estas diferentes interpretações das questões dos Direitos Humanos?

SE: Sempre que o Governo iraniano enfrenta acusações de violação dos Direitos Humanos recorre às diferenças culturais e ao que acabou de referir. Devo dizer, no entanto, que o Irão aceitou, de forma incondicional, as convenções internacionais sobre direitos civis, políticos, sociais e económicos. Portanto, quando aceitam uma convenção, devem implementá-la. Isto é um código internacional de conduta e não tem nada a ver com Oriente e Ocidente, ou com muçulmanos e cristãos. Se os muçulmanos se encarregam de escrever uma Declaração de Direitos Humanos, então, naturalmente, devem conceder o mesmo direito às outras denominações religiosas. Depois, devemos assistir à criação de uma Declaração dos Direitos Humanos judaica, outra budista, outra hinduísta e milhares de outras; e, então, não haverá mais algo como os Direitos Humanos. Os Direitos Humanos são um código internacional de conduta.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Líder supremo do Irão admite poucos danos no ataque a Israel: "O que importa é a vontade iraniana"

Centrais nucleares iranianas não foram danificadas após alegado ataque israelita

Sistemas de defesa antiaérea iranianos terão neutralizado ataque israelita