"Os bancos têm de pagar pelos bancos"

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Há pouco mais de dois anos, tornou-se no comissário europeu para o Mercado Interno e Serviços. Desde que assumiu funções que Michel Barnier tenta disciplinar as finanças dos 27 e concluir o mercado único. Um duplo desafio que a crise tornou ainda mais urgente. A euronews fez o ponto da situação numa entrevista a Barnier, o homem que já assumiu várias pastas ministeriais em França e que deixa aqui a sua visão sobre o jogo de forças entre a austeridade e o crescimento.

Audrey Tilve, euronews: No seio da Comissão Europeia, Michel Barnier encontra-se entre os que lutam contra os fatores que estão na origem da crise. Mas antes de mais, evocamos a exasperação dos europeus face ao dogma da austeridade. Há pouco tempo, vimos o governo holandês cair. Será que este é o momento de reequacionar, de questionar esta austeridade forçada, mesmo que a prioridade seja o crescimento?

Michel Barnier: Aquilo que chamamos de austeridade, são medidas que vários países adotaram para reduzir os défices, para contrair menos dívidas. E esta austeridade, ou este rigor, é ainda mais difícil porque estes países foram menos bem geridos nos últimos 20 a 30 anos, deixando um cheque em branco para as gerações futuras, gastou-se mais do que o que se tinha. É isso que, hoje em dia, é difícil, e que tem de ser feito rapidamente, porque se estes países, e não é só a Grécia, não se esforçam para controlar, para gerir melhor as suas finanças públicas, então deixam de poder pedir empréstimos, ou exigem-lhes taxas exorbitantes e ninguém lhes empresta.

euronews: Mas há muitos países em recessão onde as taxas de desemprego dispararam. Em Espanha, atinge quase os 25 por cento. Alguns países pedem apenas mais tempo para reduzir o défice abaixo da fasquia dos 3 por cento, porque pode ser um objetivo impraticável. No entanto, não há flexibilidade, sobretudo depois do tratado orçamental…

Michel Barnier: O tratado orçamental é uma espécie de acordo de co-propriedade. Não foram os tecnocratas ou burocratas de Bruxelas que o decidiram. Foi debatido pelos governos, pelos chefes de Estado…

euronews: Foi sobretudo uma vontade da Alemanha.

Michel Barnier: Ele foi discutido por 25 governos, 25 primeiros-ministros ou chefes de Estado, eleitos democraticamente, que decidiram fazer aquilo que já devia ter sido feito há 10 anos, ou seja, a união económica e orçamental que acompanha a união monetária. Se queremos que este esforço, aquilo que chama de austeridade, seja suportável, se queremos que as pessoas apoiem este pacto orçamental e esta coordenação económica, é preciso crescimento, é preciso emprego.

euronews: Falemos, então, de crescimento. É urgente estimulá-lo, convém a todos, incluindo a Alemanha. Isso é consensual. Mas há divergências. A senhora Merkel ou o senhor Draghi pretendem fazê-lo através de reformas estruturais e sabemos o que isso significa: mais flexibilidade no mercado de trabalho, mais liberalização… Mas depois há os que acreditam nos investimentos públicos. Onde é que se coloca?

Michel Barnier: As coisas não são assim tão compartimentadas. Eu gostava que os chefes de Estado e de governo, que em breve se vão reunir no Conselho Europeu, debatessem tudo isto, para criar uma estratégia, como afirmou Mario Draghi, ou uma iniciativa europeia, como propus, para o crescimento. Medidas a curto prazo. Por exemplo, utilizar melhor os fundos estruturais disponíveis; ampliar os recursos do Banco Europeu de Investimento; criar o que foi proposto pela Comissão Europeia, o projeto das obrigações, empréstimos em mutualidade, identificados a nível europeu para investir em infraestruturas, em redes, na economia digital, na energia, nos transportes. Segunda questão: o mercado único. Aí são necessárias reformas estruturais. Propusemos cerca de 50 normas e leis europeias para facilitar a mobilidade, para facilitar o investimento e a inovação.

euronews: Falou no mercado único. Quando pensamos em mercado único, pensamos em harmonização, em competir com as mesmas armas. No entanto, não é o que acontece entre os países europeus. Há um fosso enorme em termos de salários, por exemplo, com as consequências inerentes, sobretudo as deslocalizações. O mercado único tem limites…

Michel Barnier: É óbvio que nem tudo está em igualdade neste mercado, mas o caminho que escolhemos é o da harmonização, para nos unirmos cada vez mais, para termos normas e regras comuns, não impedindo a concorrência. A concorrência faz parte da vida, mas tem de ser leal e igualitária, é para isso que trabalhamos. Este mercado é a grande oportunidade para o crescimento.

euronews: Também é responsável pela regulação financeira na Europa. Há dois anos que dedica muita energia a essa área. Apesar de tudo, ainda hoje, os mercados financeiros continuam a dominar os governos. Há alguma forma de acabar com esta dependência?

Michel Barnier: Nenhum mercado financeiro, nenhum ator financeiro, nenhum produto financeiro consegue escapar a uma regulação eficaz e a uma supervisão pertinente. Esse é o nosso trabalho, repor a transparência, repor regras de governação, repor basicamente a moral de onde ela desapareceu há 15, 20 anos, e colocar os mercados financeiros ao serviço da economia real. Ainda não cumprimos esta agenda, é verdade, mas progredimos bastante. Nenhum mercado, nenhum ator, nenhum produto vai escapar à regulação.

euronews: Uma palavra sobre as agências de notação. Elas são omnipotentes, pelo menos as três principais. Vocês tentam evitar, mas há muita resistência. Por exemplo, propôs que não se classificassem os países onde há intervenção externa, o que não foi aceite. Propôs uma agência pública europeia, o que também não passou. Como é possível regular a influência das agências de notação?

Michel Barnier: Todos os atores dos serviços financeiros, e as agências estão na primeira linha, têm de se preparar para ser integrados numa regulação pública. Por isso, propus reduzir a dependência dos ratings em todas as legislações que lhes fazem referência, suprimindo o risco de conflitos de interesse entre os que pagam, os que avaliam. Havia muita confusão, o que obriga a haver regras de transparência. Não tenho nenhuma guerra contra as agências. Acredito, simplesmente, que elas não são suficientes, que cometeram falhas no passado. Todos recordamos quando referenciaram os ativos tóxicos nos Estados Unidos ou quando deram boas notas a bancos que entraram em falência semanas mais tarde.

euronews: Uma última pergunta sobre os bancos. Pretende torná-los mais robustos. Que garantias têm os contribuintes de que as coisas não voltam a derivar, como aconteceu nos últimos anos?

Michel Barnier: É esse precisamente o objetivo da caixa de ferramentas que preparamos. Neste momento, estamos a ultimar a fase de consulta. Há muito que defendo que mais vale prevenir do que remediar. E mesmo quando somos obrigados a remediar, é preciso estar preparado. É menos custoso do que improvisar um socorro, ou uma falência caótica que o contribuinte acaba por pagar. Eu pretendo que os bancos paguem pelos bancos quando estes estão em dificuldades, não os contribuintes.

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