Cavaco Silva: "duvido que outro país tenha mais transparência e escrutínio do que Portugal"

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De  Michel Santos
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Portugal vive uma crise económica quase sem precedentes, tendo registado uma contração homóloga de 4% no primeiro trimestre depois de dois anos consecutivos de forte recuo, um exemplo da crise que a União Europeia atravessa. O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, aceitou falar à Euronews sobre os ventos adversos que sopram na Europa.

Michel Santos (Euronews) – O Senhor Presidente acompanhou a construção europeia de perto. Foi primeiro-ministro de Portugal durante dez anos e agora cumpre o segundo mandato presidencial. Na sua opinião o que é que levou Portugal a esta situação económica?

C. Silva – Nós chegámos a uma situação em que tínhamos acumulado um excesso de dívida externa na sequência de facilidades que a zona Euro criou ao endividamento quer do Estado, das empresas, dos Bancos e que acabaria por se traduzir no endividamento das famílias. De alguma forma podemos dizer que na sequência da crise financeira que foi despoletada nos EUA em 2008, a primeira reação das autoridades europeias talvez não tenha sido a mais realista, na medida em que na primeira fase os países foram aconselhados a aplicar políticas expansionistas, isto é, continuar a endividar-se. Só mais tarde é que se tomou consciência de que havia limites ao aumento do endividamento por parte de alguns Estados Membros da União Europeia.

Euronews – A União Europeia tem falhado na gestão da crise?

C. Silva – O que eu diria é que a União Europeia – e neste momento isso tornou-se óbvio – falhou no que diz respeito à promoção do crescimento económico e à criação de emprego. Alguma coisa falhou na política económica da União Europeia como um todo mas também nas políticas económicas dos Estados Membros.

M. Santos – Recentemente foi publicado um relatório em que o Fundo Monetário Internacional reconhece erros relevantes no primeiro programa de ajustamento da Grécia. Se acontecesse com Portugal qual seria a sua reação, como governante?

C. Silva – É chegado o tempo de refletir sobre se a composição e o papel da Troika é adequado nesta fase de implementação dos programas de ajustamento. É a opinião pessoal, que devemos refletir sobre se a responsabilidade não deve ficar inteiramente nas instituições europeias, quer no desenho, acompanhamento ou nos ajustamentos, na medida em que os objetivos da União Europeia são bem diferentes dos objetivos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Euronews – O que é preciso fazer para que o projeto europeu ganhe novamente credibilidade aos olhos dos cidadãos?

M. Santos – Em primeiro lugar é necessário tentar responder à preocupação maior: o desemprego. E tem vindo a ser desenhado um programa para responder ao desemprego jovem. Mas para além disso a UE tem que dotar-se de novos instrumentos porque os que vêm do passado não são suficientes para responder às preocupações do presente e do futuro. Daí a importância de criar a união económica e monetária, na vertente orçamental, económica e bancária. E o passo mais importante, quanto a mim, é criar uma união bancária porque isso contribuiria para melhorar as condições de financiamento das empresas dos diferentes países da União Europeia, da Zona Euro em particular.

Euronews – Os memorandos da “troika” devem ser cumpridos cegamente mesmo sem respeitar os povos e com eventualmente algumas consequências?

C. Silva – Bom, não é isso que tem vindo a acontecer, na medida em que têm vindo a ser feitos alguns ajustamentos nos programas. Como repara, tem sido concedido mais tempo para os países saírem da situação dos défices excessivos – o caso de Portugal e outros países, os casos da França, da Espanha e outros – portanto temos de reconhecer que, de alguma forma, as coisas estão a mudar nas instituições europeias, no conjunto dos Estados membros. Eu acho que os programas de ajustamento não podem nesta fase particular deixar de atribuir uma prioridade maior ao crescimento e à criação de emprego, caso contrário, o divórcio entre cidadãos europeus e os líderes acentua-se ainda muito mais, o que é uma preocupação, até neste momento, em que nos aproximamos de eleições europeias em 2014.

Euronews – Em Portugal todos os setores da sociedade pedem a demissão do governo. O Senhor privilegia a estabilidade, obviamente, tem uma tarefa difícil… esse apoio político é ilimitado?

C. Silva – O Presidente da República não governa e não é responsável nem tão pouco corresponsável pelas políticas do governo. O governo responde perante o parlamento. A falta de confiança do Presidente da República não é razão, de acordo com todos os constitucionalistas, para a demissão do governo. O Presidente da República tem o poder de dissolver a Assembleia, mas como sabe, em Portugal chama-se a essa decisão uma bomba atómica. Ora, as bombas atómicas não se utilizam de ânimo leve e eu tenho tido a preocupação de estudar e analisar muito bem a situação portuguesa. A minha convicção em resultado de toda a informação que tenho – e tenho muita informação – de todo os estudos que tenho feito, é que se Portugal tivesse neste momento uma crise política, então voltaríamos a uma situação muito pior do que aquela que em que nos encontramos agora.

Euronews – Esta é uma pergunta que muitos portugueses fazem. Desde o desastre económico e financeiro do Estado português até à gestão ruinosa das empresas públicas poucas pessoas ou mesmo ninguém é responsabilizado judicialmente… Porquê? Há algum problema com a justiça?

C. Silva – Eu penso que essa ideia não pode ser generalizada. É óbvio que está em vias de ser resolvida – assim esperamos – alguma crise na justiça, principalmente no que diz respeito à celeridade dos processos. Mas num inquérito feito, não há muito tempo, vários empresários reconheciam que a nossa justiça é justa e por isso acho que não é correta a ideia que me acaba de transmitir. Até porque a transparência da vida pública em Portugal é muito forte.

Euronews – Mas há ideia de um certo sentimento de impunidade de alguns governantes…

C. Silva – É capaz de apresentar um caso? Uma coisa é falar em termos gerais. Os governantes, hoje em Portugal, são objeto de um escrutínio permanente por parte da comunicação social – e ainda bem – por parte da opinião pública. Eu duvido que noutro país tenha mais transparência e escrutínio do que aquele que se verifica neste momento em Portugal.

Euronews – Se pudesse voltar atrás aos tempos de primeiro-ministro, mudaria alguma coisa nas suas políticas de integração?

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C. Silva – Eu acho que a nossa adesão, os primeiros dez anos não só consolidaram a nossa democracia, mas deram também um contributo notável para o desenvolvimento do país. Como sabe, Portugal entrou na União europeia com um rendimento per capita de 53% da média europeia. E passados 10, 15 anos, isso estava em 75%. Nunca ao longo da nossa história, num espaço tão curto, se conseguiu uma recuperação tão grande num nível de desenvolvimento do país.

Euronews – Mesmo na Agricultura, mantinha todas as políticas?

C. Silva – Eu diria que essa é talvez a parte de que mais me orgulho. Porque conseguimos a reforma da PAC, antes a nossa agricultura tinha uma produtividade baixíssima. Os agricultores tinham um nível de vida muito baixo e hoje Portugal tem uma autossuficiência de 81%, os nossos agricultores modernizaram, reconverteram as suas operações e estão a dar um contributo… É atualmente o setor que maior crescimento regista na economia portuguesa.

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