MNE cubano: "O direito ao emprego é um Direito Humano fundamental"

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Os embargos comerciais vão caindo uns atrás dos outros. A visita oficial de Raúl Castro a França é mais um exemplo da nova realidade nas relações

Os embargos comerciais vão caindo uns atrás dos outros. A visita oficial de Raúl Castro a França é mais um exemplo da nova realidade nas relações entre Cuba e a Europa, entre Cuba e o mundo. Não faltam momentos simbólicos. Em agosto de 2015 houve outro: a bandeira norte-americana voltou a ser hasteada no Malecón de Havana. Oito meses antes, Barack Obama e Raúl Castro anunciavam a normalização das relações entre os Estado Unidos e Cuba.

A revolução cubana caminha para uma nova etapa de forma gradual e a duas velocidades. Vai haver uma ligação diária a Miami, adivinha-se uma nova classe média e podem pedir-se licenças para trabalhar no setor privado ou para comprar e vender carros e casas, mesmo que a maioria dos cubanos não tenha dinheiro para as pagar. Mas, o sistema político continua a assentar numa elite ligada às Forças Armadas e o Partido Comunista é ainda a única força politica legal na ilha. Para já, a nova realidade económica não parece traduzir-se numa melhoria substancial dos Direitos Humanos e das liberdades individuais.

Para termos uma visão mais clara sobre este momento crucial na história cubana entrevistámos o ministro dos Negócios Estrangeiros, Bruno Rodríguez Padilla.

Sr. Ministro, obrigado por ter aceitado o nosso convite.

O presidente Raúl Castro escolheu Paris para a sua primeira visita oficial a um país da União Europeia. Porquê? A França vai ter um tratamento privilegiado por estar disponível para reestruturar a dívida cubana?

Bruno Rodríguez Padilla:

Desde a Revolução Francesa há uma influência muito especial de França em Cuba. Há uma relação sólida, reforçada nas últimas décadas com um desenvolvimento muito positivo das relações bilaterais e reconhecemos a liderança que a França representa na Europa. Sinto que esta visita é um marco importante no desenvolvimento das nossas relações bilaterais. É uma visita histórica, sem dúvida. As circunstâncias levaram o presidente Hollande a visitar Cuba há uns meses, o que acabou por ser decisivo. Agora, o presidente Raúl Castro devolve a gentileza com esta visita a Paris.

euronews:

O tom da visita é marcadamente económico. E o tema dos direitos humanos? Também tem estado na agenda dos encontros com as autoridades francesas?

Bruno Rodríguez Padilla:

A visita é multifacetada, não é exclusivamente económica. Conversámos sobre diversos assuntos de carácter político. França e Cuba partilham a mesma visão em vários temas da agenda internacional. As nossas ligações são variadas e portanto as conversas também foram variadas. O tema dos direitos humanos não foi central, mas trocámos opiniões sobre a questão e também sobre outras preocupações que são comuns.

euronews:

Os países europeus menos recetivos às atuais mudanças ou, para dizê-lo de outra forma, mais exigentes em relação à situação das liberdades individuais na ilha vão perder oportunidades de negócio nesta nova Cuba?

Bruno Rodríguez Padilla:

Há anos que a União Europeia e Cuba têm um diálogo político ao mais alto nível que inclui diversos temas e mais recentemente iniciámos um diálogo bilateral sobre direitos humanos baseado num processo que arrancou em 2010 durante a presidência francesa da União Europeia. Há anos que as empresas francesas têm uma presença muito importante em Cuba. Da mesma forma, outros membros da União Europeia são parceiros tradicionais em matérias comerciais e de investimento ou contribuem bastante para o turismo em Cuba. Não devemos misturar temas políticos e relações mutuamente benéficas.

euronews:

Em dezembro de 2014 Barack Obama e Raúl Castro anunciaram o inicio da normalização das relações entre Cuba e os Estados Unidos. Desde então temos visto muitos gestos simbólicos, mas talvez não tantos avanços concretos e tangíveis. Houve um excesso de otimismo?

Bruno Rodríguez Padilla:

Não creio. O anúncio de 17 de dezembro foi uma surpresa e foi, sem dúvida, importante. Foi insólito ver o Presidente dos Estados Unidos da América reconhecer que a política dos últimos 50 anos tinha falhado, tinha provocado danos humanitários ao nosso povo. Na realidade foi nesse momento que começaram as discussões que levaram ao restabelecimento das relações diplomáticas e à reabertura das embaixadas, que ocorreu no verão passado. Sinto que há progressos no diálogo e na cooperação em vários temas de interesse bilateral comum. Mas, apesar da adoção de algumas medidas positivas, sentimos que os avanços têm sido muito limitados no que diz respeito ao embargo, onde não vemos avanços tangíveis.

euronews:

Washington deu-lhes uma data para o fim das sanções? Acredita que o anúncio será feito antes de Obama deixar a Casa Branca?

Bruno Rodríguez Padilla:

*É difícil dizer. O embargo é o grande tema. A forma como será modificado com vista à sua eliminação irá determinar o sentido e o alcance do processo em curso entre os Estados Unidos e Cuba. Obviamente, não haverá normalização sem o fim completo do bloqueio, o que exige uma decisão do Congresso. O presidente dos Estados Unidos mantém uma autoridade executiva muito ampla e se decidir usá-la com determinação poderá mudar, substancialmente, a aplicação do embargo.”

euronews:

O ano é de eleições nos Estados Unidos. O novo executivo de Washington pode afetar o degelo? Qual é o melhor candidato para Cuba?

Bruno Rodríguez Padilla:

Numa democracia funcional, qualquer candidato que seja eleito deveria de seguir os ditames dos eleitores, os desejos dos votantes, a vontade das pessoas que pagam impostos. Hoje, ninguém coloca em causa a existência de uma ampla maioria em todos os setores da sociedade norte-americana, que está a favor do fim de uma política com raízes na Guerra Fria e que não produziu qualquer resultado à parte de ter provocado danos humanitários consideráveis a todas as famílias cubanas. No entanto, temos de reconhecer que há diferenças entre os candidatos. Qualquer um deles ou delas, sem dúvida alguma, vai encontrar uma situação nova e sem precedentes entre os Estados Unidos e Cuba, pois trata-se de estabelecer relações totalmente novas.

euronews:

Em Cuba, temem que o fim do embargo provoque uma “americanização” da cultura cubana que, de alguma forma, coloque em perigo a transição tranquila desejada por Havana?

Bruno Rodríguez Padilla:

Isso não seria possível. Cuba foi uma colónia de Espanha e emergiu como uma nação com uma forte identidade. A cultura cubana tem uma força e uma originalidade consideráveis. Os cubanos são cubanos. Uma relação normal com os Estados Unidos seria completamente natural. Há vínculos culturais, há uma relação tradicional entre os povos dos Estados Unidos e de Cuba apesar das relações conflituosas entre os governos. Claramente, a nossa cultura irá proteger a nossa identidade porque não faria sentido que, depois de uma longa luta de 50 anos, Cuba acabe com uma economia controlada por multinacionais norte-americanas ou de outro lado qualquer.

euronews:

A outra frente diplomática que Cuba tem aberta é com a União Europeia. As negociações sobre um acordo de cooperação arrancaram em 2014. Cuba é o único país da América Latina e das Caraíbas com o qual a União Europeia não tem um acordo bilateral. Como estão a decorrer as negociações?

Bruno Rodríguez Padilla:

Estão a correr bem, ao ritmo habitual em negociações desta natureza. Sinto que há progressos, noto que a União Europeia compreende cada vez mais como é que poderá ser a sua relação com Cuba. Ouço alguns representantes da União Europeia que acreditam que as negociações podem ser concluídas no curto prazo. Mas, obviamente, a União Europeia deveria tomar as suas próprias decisões em relação a velhas políticas que já não fazem sentido mas que são irritantes do ponto de vista jurídico. Sinto que, se chegarmos a compromissos nos temas que faltam, as coisas podem avançar rapidamente.

euronews:

Acredita que esse entendimento com a União Europeia vai chegar antes do fim do embargo? Esse acordo ditará o fim da chamada Posição Comum? Creio que se referia a isso quando falou de “posturas irritantes”. Expliquemos o que é a Posição Comum: trata-se da política adotada pela União Europeia em 1996 que condiciona o diálogo aos avanços em matéria de direitos humanos e liberdades.

Bruno Rodríguez Padilla:

É difícil saber quando vai terminar o bloqueio americano a Cuba. A Assembleia Geral das Nações Unidas, a União Africana, os acordos entre a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos e a União Europeia reclamam o fim imediato e incondicional do bloqueio. Os acontecimentos na sociedade norte-americana vão determinar o ritmo desse processo. Por isso é difícil fazer comparações. A chamada Posição Comum, que quase ninguém se lembra hoje em dia, estabeleceu condicionalismos que são parte do passado. Desde 1996, Cuba assinou acordos ou declarações praticamente com todos os governos da União Europeia, que estabelecem o contrário do sentido unilateral e do estabelecimento de condições que pretendia aquele velho documento. Um documento que se sabe, quis impor de forma rápida, apressada e com clara motivação política.

euronews:

O processo de reformas acelerou desde 2011. Mas, das 313 medidas originais, só foram implementadas cerca de 21%, as restantes estão ainda em processo. O que está a travar a sua aplicação? Deixe-me dar-lhe um dado: em 2015 foram registados menos trabalhadores privados do que em 2014.

Bruno Rodríguez Padilla:

Não me parece que a sua fonte de informação esteja correta.

euronews:

É um documento do Parido Comunista Cubano

Bruno Rodríguez Padilla:

Sim, mas esse documento não diz que 21% das políticas tenham sido implementadas. Diz que foram executadas de forma que se podem dar por concluídos os objetivos a que se propuseram com aqueles 21% de decisões de natureza económica e social. A mim, parece-me que este é um processo que funciona bem. Não tenho a certeza que o dado que apresenta relativamente à diminuição de trabalhadores não-estatais seja exato. Na realidade houve um crescimento de trabalhadores que funcionam em pequenos negócios ou em outros âmbitos fora do setor da economia estatal.

euronews:

Precisamente, em que modelo se inspira Cuba para combinar, entre aspas, medidas capitalistas com uma economia planificada dentro de um sistema politicamente hermético? Na China? Ou Havana tem a sua própria via, a sua própria fórmula?

Bruno Rodríguez Padilla:

“Há diferentes experiências no mundo, diferentes referências. O modelo cubano é, e tem necessariamente de ser, original. Escolhemos as melhores experiências. Temos estudado outros processos socialistas e temos estudado também outros processos de desenvolvimento de outros países e estamos a criar o nosso próprio modelo baseado na nossa própria experiência e nas nossas próprias propriedades, de maneira que é certo que é um modelo que toma em consideração elementos de mercado, mas que vai preservar uma economia socialista.*

euronews:

Os processos abertos com os Estados Unidos e com a União Europeia de que falámos e as próprias reformas internas parecem ter uma repercussão moderada no tema dos Direitos Humanos. Porque é que se impede os cidadãos cubanos não violentos, como as Damas de Branco, de se manifestarem livremente?

Bruno Rodríguez Padilla:

O facto de nós estarmos a desenvolver uma economia socialista não implica, de modo algum, nenhuma restrição na possibilidade de trabalhar com base em interesses económicos conjuntos, de desenvolver associações económicas com empresas mistas. Em relação ao modelo político cubano e os Direitos Humanos, é verdade que há perceções distintas. Mas posso refutar que se impeçam pessoas como as que menciona de se manifestarem pacificamente, e na verdade fazem-no com muita frequência. Devo também assinalar que em matéria de Direitos Humanos é possível que tenhamos diferenças nas nossas visões respetivas. Para mim, os Direitos Humanos são universais e indivisíveis. A politização e a duplicidade de padrões provocam um dano enorme à causa dos Direitos Humanos. Lamentavelmente, isto ocorre bastante nos debates sobre o tema e alguma imprensa apresenta igualmente visões parciais nesta matéria. Para mim, por exemplo, o direito ao emprego é um Direito Humano fundamental. Não sei qual é a opinião da metade dos jovens espanhóis que não consegue um emprego, mas para mim é um direito fundamental. Também penso que os direitos económicos, sociais e culturais não são um mero deixar fazer, a sua garantia é responsabilidade direta dos governos. Estes direitos para mim são inseparáveis dos direitos políticos e das liberdades civis. Há pouco falávamos da democracia americana em relação ao tema do embargo e da vontade real dos eleitores. Mas reconheço que há diversidade de modelos políticos e eu sinto-me muito feliz e muito cómodo com a democracia cubana.

euronews:

O seu governo, tradicionalmente, negou sempre a existência de presos políticos, apesar de numerosas organizações internacionais, e mesmo em Cuba, denunciarem a existência de presos de consciência. Também denunciam que as campanhas de intimidação e de repressão contra dissidentes e opositores não acabaram. O que tem a dizer sobre estas acusações?

Bruno Rodríguez Padilla:

Tenho que refutá-las, simplesmente. Em primeiro lugar seria preciso colocarmo-nos de acordo sobre a definição de presos políticos. Se o senhor considera que uma pessoa que é paga por um governo estrangeiro para realizar determinadas atividades políticas é um preso político, então temos uma noção diferente. Em França ou nos Estados Unidos chamam-lhes agentes de potências estrangeiras. Alguns desses grupos que se movimentam em Cuba e que são tolerados, sabe-se que são financiados por países europeus ou pela administração americana. Há violações graves dos direitos humanos no território que é ocupado pela base naval de Guantánamo, sobre a qual não me fez nenhuma pergunta. Sabe-se que ali há pessoas que foram sequestradas e que permanecem num limbo jurídico há uma década, que foram julgadas por alegados militares sem direito a defesa ou que são submetidas a alimentação forçada quando fazem greve de fome, em condições que todo o mundo reconhece que são de tortura sistemática. Sabe-se que alguns países enfrentaram situações diversas nesta matéria, em relação ao rapto destas pessoas ou às prisões secretas ou ilegais por onde passaram os prisioneiros antes de serem levados para Guantánamo. Não se pode falar de nenhum país que tenha alcançado a perfeição em matéria de direitos humanos. Não sei como funcionariam os Direitos Humanos na Europa se estivessem sujeitos às mesmas condições de Cuba, com o embargo económico, comercial e financeiro. Ou se um potência com a dimensão dos Estados Unidos em comparação com Cuba estabelecesse como política para a Europa a mudança do regime. Estas são as circunstâncias em que o meu país viveu nas últimas cinco décadas.

euronews:

Para terminar, quero perguntar-lhe pelo ex-presidente Fidel Castro. Há uma década que está retirado, com raras aparições em público. Permanece uma inspiração para Cuba?

Bruno Rodríguez Padilla:

Continua a ser uma inspiração para Cuba, uma referência moral. Uma liderança política e moral insubstituível. Profundamente querido pelo nosso povo. Além disso tem uma vida muito ativa. Está envolvido em assuntos de importância extraordinária como a produção de alimentos em condições de explosão demográfica mundial e está também empenhado na questão da mudança climática ou no tema do desarmamento nuclear. Tenho o privilégio de conhecer as suas atividades, as suas preocupações e o interesse que mantém pela política externa de Cuba e de contar com os seus conselhos de vez em quando.

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