Iémen: A guerra esquecida

Iémen: A guerra esquecida
De  Mohammed Shaikhibrahim
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Um ano e meio de uma guerra. O Iémen vive num verdadeiro caos.O conflito opõe de um lado os rebeldes Houthis, apoiados pelas tropas do Presidente deposto e que controlam a capital, Sana. Do outro os

A euronews acompanhou o exército regular numa das frentes de batalha. Chegámos à província de Lahj, no sul. A partir desta região tentam chegar à capital, que está nas mãos dos rebeldes desde 2014.

Mothana Ahmed é um oficial do exército nacional. “Queremos garantir ao nosso povo que está em todo o Iémen que não o vamos abandonar, vamos recuperar cada centímetro de terra e vamos continuar a progredir até à erradicação do último dos Houthis e das forças leais ao antigo presidente Ali Abdullah Saleh”, afirma Ahmed.

Em resposta à aliança de circunstância entre Houthis e o expresidente Saleh, a coligação árabe liderada pela Arábia Saudita passou a apoiar as tropas regulares.
Os ataques aéreos, a chamada “Operação Tempestade Decisiva”, começaram a 25 de março de 2015.

E foi através destes raides que o exército conseguiu recuperar o controlo de Aden.
A cidade no sul do país tem uma enorme importância estratégica nesta guerra.
Está muito próxima do estreito de Bad al-Mandeb, o principal ponto de passagem dos navios internacionais.

O governador de Aden, Adrous al Zoubaidi garante que “estamos prontos para libertar todas as cidades do Iémen que estão nas mãos dos Houthis, com todos os meios à nossa disposição, legais, pacíficos e militares. Estamos prontos a libertar a honra e a religião das mãos dos Houthis porque são um grupo rebelde que se afasta do consenso do povo iemenita e das suas tradições, com o apoio externo do Irão”.

No meio deste caos há ainda um terceiro grande protagonista.
A Al-Qaeda tem uma forte presença também nas cidades do sul do país.
O grupo extremista é responsável por vários atentados que visam, sobretudo, os soldados fiéis ao presidente eleito Abed Rabbo Mansour Hadi.

Sana, a capital nas mãos dos rebeldes

Seguimos para o centro, até à capital Sana, controlada pelos Houthis desde 21 de setembro de 2014. Um controlo total apoiado por dezenas de milhares de combatentes do grupo Ansar Allah. Foi adotada uma espécie de nova constituição que fez do Comité Revolucionário, liderado por Mohammed Ali al-Houthi, a mais alta autoridade.

“Estamos dispostos a lutar até ao fim, até à independência total do nosso país, libertá-lo de toda a ingerência estrangeira, de forma a vencer os invasores da nossa terra. Mas quem são os derrotados desta guerra? Os derrotados são os filhos dos povos árabes e muçulmanos. No sul, os nossos inimigos estão a dar apoio a grupos terroristas enquanto fingem que os estão a combater”, garante Mohammed Ali al-Houthi.

Os Houthis têm um enorme apoio em Sana e conseguiram a difícil tarefa de juntar as mais importantes tribos, ou seja, o coração da sociedade iemenita. Além disso, muitos chefes militares juntaram-se ao movimento.

O líder do Comité Revolucionário acredita “a Arábia Saudita não entrou nesta guerra por vontade própria: recebeu ordens para liderar esta guerra. Acreditamos são os Estados Unidos que a estão a controlar. São eles que coordenam as operações militares, que definem os alvos a ser bombardeados pelos aviões.”

Os Houthis regem-se por vários slogans: “Morte a Israel. Morte aos americanos e aos amaldiçoados que apoiam os judeus. De acordo com vários relatórios, o movimento também conta com ajuda dos libaneses do Hezbollah.
A nível militar, grande parte dos meios são fornecidos pelas forças fiéis ao antigo presidente Ali Abdullah Saleh. Apesar de ter sido deposto após a revolução de 2011, continua ser uma das principais figuras do país.

Mas as dúvidas são muitas. Um habitante de Sana pergunta porque “tanta destruição…Porque apareceu esta revolta na sociedade do Iémen? Quais são os objetivos desta revolta? E onde nos vai levar? Estes ataques destruiram completamente o país. Até agora não tivemos nada de positivo. Esta agressão liderada pela Arábia Saudita contra nós é injusta. Poderiamos dar uma resposta mais forte mas a grande questão é: porque é que lutamos uns contra os outros?”

Saada, o berço movimento Houthi

A nossa viagem pelo Iémen continua em direção a Saada.
No extremo norte do país, foi nesta cidade que nasceu o movimento Ansar Allah, foi daqui que sairam os primeiros Houthis. Saada foi palco de várias guerras durante o antigo regime.
E agora, mais uma vez, volta a estar no centro de um conflito. Os efeitos da guerra são visíveis em todos os cantos e esquinas da cidade.

O enviado da euronews ao Iémen, Mohamed Shaikhibrahim lembra que “Saada tem um papel muito importante. Para além de ser o principal bastião do movimento Ansar Allah, é uma das cidades mais próximas da fronteira com a Arábia Saudita, o que a torna numa das zonas mais afetadas pelos combates”.

Aqui o nível de simpatia e apoio aos Houthis aumentou nos últimos anos por causa do cerco e destruição a que a cidade foi sujeita ao longo de todos estes anos de conflito.
Um morador da região garante que “o Iémen tem homens fortes e o Iémen vai ser um cemitério para os invasores. Não vamos permitir que avancem para dentro das nossas fronteiras. Vão ser derrotados nesta guerra”.

A Arábia Saudita acusa os Houthis de violar as fronteiras e bombardear as cidades fronteiriças, para além de ocupar os postos de controlo sauditas. Acusações negadas pelos Houthis que garantem que apenas se estão a defender dos bombardeamentose ataques a milhares de civis.

Rasha Mohamed, investigadora da Amnistia Internacional afirma que “todas as partes estão a cometer crimes de guerra: tanto a coligação, como os Houthis, como os grupos anti-Houthis que estão a lutar no terreno. Fomos a todas as regiões, temos dados de ataques no terreno realizados por grupos armados em Aden e em Taiz. Somos obrigados a dizer que nesta altura todas as partes envolvidas cometeram crimes de guerra e devem ser condenados imediatamente pela comunidade internacional”.
De acordo com relatórios de vários organismos internacionais, nomeadamente da Human Rights Watch ou a Amnistia Internacional, entre os arsenais estão bombas de fragmentação que foram largadas em áreas residenciais, provocando a morte e ferimentos em centenas de civis.

Iémen: O paraíso para os negociantes de armas

No Iémen qualquer cidadão comum pode ter uma arma, quase todo o tipo de armas.
Algumas são interditas pelas leis internacionais em zonas habitadas. De acordo com os mesmos documentos, a quantidade de bombas e mísseis que atingiram as diferentes regiões do Iémen não estão de acordo com chamados os princípios de proporcionalidade e de prevenção, princípios que fazem parte das regras da guerra entre as nações.

O enviado da euronews ao Iémen, Mohamed Shaikhibrahim explica que “de acordo com as autoridades locais, os especialistas iemenitas têm muitas dificuldades para lidar com os mísseis e bombas, especialmente com as bombas de fragmentação. O trabalho de desminagem e desarmamento dos engenhos exige equipamentos especiais, que não existem no país por causa do bloqueio a que o Iémen está sujeito”.

Os Houthis acusam a Arábia Saudita e os países da coligação de utilizar vários tipos de armas internacionalmente interditas contra civis e exigem que seja feito uma investigação internacional. O general Yahya al Houthi garante que “entre as bombas utilizadas encontrámos algumas de origem britânica outras francesas, mas a maioria vem dos Estados Unidos. O que foi largado no Iémen, sobretudo na província de Marib, são bombas químicas, bombas de fósforo branco para além de bombas de fragmentação”.

Sempre acompanhados por elementos do grupo Ansar Allah, visitámos uma das montanhas que circundam a capital Sana. Os rebeldes garantem que a região de Jebel faj Attan foi atingida por bombas de neutrões e que provocaram uma enorme destruição na região.

Durante esta visita não nos foram mostradas quaisquer provas sobre a utilização deste tipo de arma de destruição em massa.

Mas o coronel Abdalillah Al Mutamayz afirma que “os especialistas identificaram o tipo de arma usada aqui e garantiram-nos que se tratou de uma bomba de neutrões uma vez que provocou muitos estragos, as montanhas transformaram-se em fragmentos perigosos e atingiu quem morava nas proximidades”.

Esta informação não foi confirmada por qualquer entidade independente e muitos especialista garantem que é impossível tratar-se de uma bomba de neutrões tendo em conta tipo de destruição.
De qualquer forma, a área atingida pela explosão ultrapassa os dois quilómetros. Quanto às vítimas, são centenas, de acordo com fontes do Ministério da Saúde.

Os relatórios divulgados pelas forças da coligação garantem que os bombardeamentos tinham como objetivo destruir depósitos de armas escondidos nas montanhas. Além disso, a força das explosões foi potenciada pelo arsenal que existia nesses depósitos dos Houthis e forças fiéis a Ali Abdullah Saleh.

Um país a morrer de fome

As consequências desta guerra, que conheceu um frágil cessar fogo que não fui nunca respeitado, para a população são devastadoras. A maior parte das cidades do Iémen foram palco de combates. O sofrimento dos civis é impossível de contabilizar e aumenta a cada dia uma vez que os bens de primeira necessidade são escassos.

Um morador da capital explica que “com o bloqueio não tenhos farinha para fazer pão, a água é racionada e não há outros alimentos. A fronteira principal foi bloqueada, a entrada da cidade de Hodeida foi fechada e não entram os navios com ajuda humanitária. As centrais eléctricas do Iémen foram destruídas”.

O Iémen já era considerado um dos países árabes mais pobres, mas guerra agravou o cenário: dos 26 milhões de iémenitas, 21 milhões vive em condições de pobreza. Entre eles 9 milhões sobrevive em condições de miséria sem nada para comer. Um outro morador garante que “há crianças que morrem por causa da seca. Não somos capazes de lhes dar nem sequer um copo de leite. Já vi crianças a morrer à fome, mulheres que abortam porque não ter o que comer. Não temos qualquer tipo de cuidados básicos”.

Muitos iemenitas atingidos por este conflito fazem manifestações semanais em frente às instalações da ONU na capital para pedir ajuda e exigir a intervenção da comunidade internacional.

Al Mufti Taiz Sheikh Aqil ibn Sahl, é um dos ansiões de Sana e faz muitas perguntas :
“O que fazem as Nações Unidas pelo Iémen? O que tem feito por nós? Até agora têm sido incapazes de levantar o bloqueio e ajudar-nos com alimentos, medicamentos ou segurança. O que vamos fazer? “

Do lado da ONU há muitas justicações para esta falta de ação. Jamie McGoldrick, representante das Nações Unidas garante que “as restrições à importação de alimentos, medicamentos e combustíveis são difíceis de contornar para o público em geral mas também para nós. Além disso, fizemos um pedido à comunidade internacional de mil e 800 milhões de dólares para ajuda humanitária. Nesta altura, estamos no quinto mês do ano e recebemos apenas 16%.”

Milhares de pessoas foram obrigadas a abandonar as próprias casas. Outras tantas deixaram mesmo de ter casas. Sobrevivem nos campos de refugiados…onde não existe quase nada. De acordo com as últimas estimativas da ONU, no Iémen há quase três milhões de deslocados.

Uma refugiada entrevistada pela euronews explica que “não temos nada aqui. Não temos roupa, não temos comida, não temos água. A nossa situação é muito difícil, sofremos muito, comemos lixo, temos muitas doenças, passamos fome. Não conseguimos ir aos hospitais. Não nos resta mais nada a não ser pedir a ajuda de Deus…”

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

"O bloco europeu é um grande fornecedor de armas ao Médio Oriente"

"A guerra faz parte da cultura iemenita"

França depois dos atentados de 2015