50 anos do 25 de Abril: o que ainda falta cumprir da revolução?

Comissão comemorativa dos 50 anos do 25 Abril marcou desfile para tarde de dia 25, que começa na Praça Marquês de Pombal, segue pela Avenida da Liberdade e termina no Rossio
Comissão comemorativa dos 50 anos do 25 Abril marcou desfile para tarde de dia 25, que começa na Praça Marquês de Pombal, segue pela Avenida da Liberdade e termina no Rossio Direitos de autor Armando Franca/AP2011
Direitos de autor Armando Franca/AP2011
De  Joana Mourão Carvalho
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Portugal está hoje melhor que há 50 anos. Mas a pouca produtividade da economia, a precariedade no trabalho e o definhamento dos serviços públicos colocam o país numa posição de atraso relativamente a outros congéneres europeus.

PUBLICIDADE

Portugal comemora os 50 anos da democracia. Liberdade de imprensa, eleições livres, direito à saúde, à greve, ao ensino, muitas foram as conquistas da revolução. Mas todos os anos, nas celebrações do 25 de abril, discute-se aquilo que ainda falta cumprir. 

A historiadora social Raquel Varela aponta para as concretizações sobretudo ao nível do espaço de trabalho, onde os portugueses exigiram uma amplitude de direitos nunca antes existente no país. Mas também destaca a construção do Serviço Nacional de Saúde e do sistema educativo que, na sua opinião, durante muitos anos significou "avanços qualitativos" a nível social.

"Não é só direitos, liberdades e garantias. Mas também o Estado social e a segurança e proteção no emprego, porque muitas dessas coisas retrocederam, infelizmente, a partir do final dos anos 80. O que ficou, foi a perceção de que é possível viver de outra maneira.  Essa utopia é uma esperança que não pode ser apagada, não se volta atrás desse ponto de visto. Pode-se voltar atrás nas concretizações materiais, mas não se volta atrás do ponto de vista da ideia em ato", refere a professora da NOVA FCSH.

A consequência do retrocesso da democracia nos locais de trabalho foi o avanço brutal dos investidores e da remuneração do lucro, que faz com que as pessoas trabalhem 24 horas por dia na indústria, os médicos tenham pessoas que não são médicos a dizer quanto tempo devem estar com os doentes, os professores sem uma palavra a dizer sobre o currículo, ou seja uma completa degradação dos serviços públicos e essenciais à nossa vida"
Raquel Varela
Historiadora

Indiscutivelmente, Portugal está hoje melhor que há 50 anos. Mas a pouca produtividade da economia, a precariedade no trabalho e o definhamento dos serviços públicos colocam o país numa posição de atraso relativamente a outros países europeus.

De acordo com dados do Eurostat, a produtividade por trabalhador em Portugal é 28% inferior à média dos países da Zona Euro. Há pelo menos 10 anos que Portugal se mantém na cauda da produtividade do espaço da moeda única. Em seis anos foi ultrapassado pelos três países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), e no contexto da União Europeia (UE) foi ultrapassado pela Croácia, Roménia e Polónia.

Para a co-autora do livro Breve História de Portugal, as causas dos problemas de produtividade do país estão diretamente ligadas ao facto de o capital sair mais favorecido em detrimento do trabalho.

"Há, sobretudo a partir do século XXI, uma intensa degradação dos serviços públicos com uma alta remuneração dos capitais pela via do juro, portanto, por via de empréstimos, da dívida pública, o que vai destruir a capacidade instalada, a capacidade de produzir do país, e também erodir os serviços públicos", defende.

O PIB per capita do país também continua a estar abaixo da média europeia. Em 2023, segundo as estimativas do Eurostat, Portugal ascendeu à 18.ª posição entre os Estados-membros da União Europeia, subindo dois lugares face ao ano anterior e ultrapassando a Polónia e a Estónia. No entanto, continua a uma distância de 17% face à média comunitária.

"Efetivamente, Portugal continua na cauda da Europa Ocidental, continua a ser o país mais pobre da Europa Ocidental. Portanto, Portugal não melhorou a situação relativa que tinha em termos de ranking dos países. Portugal continua a ser o mais pobre, é o último, o mais atrasado em termos do capital humano, em termos dos níveis de educação da sua população, continua a ser o último da lista da Europa Ocidental, em termos do funcionamento das instituições políticas", atenta o historiador económico Nuno Palma.

Com cinco décadas de vida democrática e há 38 anos na União Europeia, o país terá também de repensar a participação no projeto comunitário e diminuir a dependência face ao dinheiro europeu, uma vez que o previsível alargamento do bloco à Ucrânia e aos Balcãs Ocidentais se traduzirá numa diminuição dos fundos disponíveis para a política de coesão.

Portugal pertence à União Europeia há 38 anos
Portugal pertence à União Europeia há 38 anosArmando Franca/Copyright 2018 The AP. All rights reserved.

Na ótica do professor da Universidade de Manchester e autor do livro As Causas do Atraso Português, estes fundos levam a população a "nem sempre sentir a urgência de mudar" e as empresas a competir por esses fundos sem "uma preocupação em criar dinâmicas transformativas para a economia".

"Em vez de serem a salvação do país, como são muitas vezes vistos e assim descritos pelos atores políticos, sendo uma bazuca que vai salvar o país ou uma chuva de milhões, na realidade estes fundos têm efeitos muito negativos, tanto para a economia portuguesa, em particular para a parte da economia que está sujeita à concorrência internacional, os chamados bens transacionáveis e o setor transacionável da economia. E por outro lado também tem efeitos negativos para o processo político que existe em Portugal. No fundo, os fundos europeus são uma espécie de pensos rápidos ou aspirinas que vão escondendo as consequências das más decisões que são tomadas a nível político", acredita Nuno Palma.

Além disso, o historiador económico acusa ainda os dois grandes partidos que governaram em democracia, PS e PSD, de não terem sido capazes de gerar reformas de forma a convergir com o resto da Europa.

Há quatro anos, Portugal desceu à categoria de "democracia com falhas", e, desde então, nunca mais conseguiu regressar ao estatuto de "democracia plena", no qual estava em 2019.

O Democracy Index 2023, divulgado pelo Economist Intelligence Unit, coloca o país em 31.º no ranking mundial, três posições abaixo relativamente ao ano passado e o pior resultado desde 2013.

A queda deve-se sobretudo à avaliação atribuída ao critério "funcionamento do governo", onde apenas regista uma pontuação de 6,79, uma queda substancial face ao ano passado (7,50).

Portugal é um dos, apenas, três países da Europa Ocidental classificados como "democracia com falhas", a par da Bélgica e da Itália.

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Portugal: 50 anos depois da revolução, os cravos estão a murchar?

Europeias: AD escolhe Sebastião Bugalho para cabeça de lista, PS aposta em Marta Temido

Fantasmas do Passado: A artista Mónica de Miranda mergulha na história colonial de Portugal