O 25 de Abril de Sérgio Godinho: de Vancouver para um Portugal em festa

Sérgio Godinho nos tempos "quentes" dos anos 70
Sérgio Godinho nos tempos "quentes" dos anos 70 Direitos de autor Arquivo pessoal de Sérgio Godinho
Direitos de autor Arquivo pessoal de Sérgio Godinho
De  Ricardo Figueira
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Soube da revolução por um artigo de jornal enquanto estava no exílio, no Canadá. Como o cantautor viveu estes tempos "à queima-roupa", na primeira pessoa.

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A carreira de Sérgio Godinho tem poucos mais anos do que a democracia em Portugal. Em 1974, ano da revolução, lançou o terceiro álbum de estúdio, "À queima-roupa". Foi o primeiro editado já em liberdade e a viver em Portugal, talvez o mais político de todos Então cantor da resistência, vivia no exílio, no Canadá. Para trás, deixava dois álbuns gravados ainda em ditadura, tendo o primeiro, "Os sobreviventes" (gravado em 1971 e editado no ano seguinte), sido proibido pelo regime de então, seguindo-se "Pré-histórias" (1972). 

Godinho nota a coincidência interessante entre os nomes dos álbuns e a situação que se vivia em Portugal: "O nome 'Os sobreviventes' tem a ver com o passado, com tudo o que aconteceu até àquela altura, com aqueles que sobreviveram. Em 'Pré-histórias', há algo que se está a anunciar, a preparar - o que veio a revelar-se verdade. De uma forma ou outra, algo como o 25 de Abril haveria de acontecer. E 'À queima-roupa' foi lançado em pleno PREC (processo revolucionário em curso), numa altura em que tudo acontece à queima-roupa".

Desde então, tem-se afirmado como uma das principais vozes do Portugal livre e democrático. 

Sérgio Godinho nos anos 70
Sérgio Godinho nos anos 70Arquivo pessoal de Sérgio Godinho

Agora que está a dar uma série de concertos para comemorar os 50 anos de liberdade, falou à Euronews sobre o seu 25 de Abril e como viveu toda a mudança que estava a acontecer.

Regresso à "balbúrdia"

"Estava em Vancouver. Estava no Oceano Pacífico. Ou seja, estava pacífico", conta com um sorriso. "E vim para a balbúrdia. Soube através de uma notícia muito lacónica no jornal, que dizia apenas que taques do exército tinham ocupado a praça central de Lisboa. Fiquei na dúvida sobre se seria um golpe contra o regime ou da extrema-direita e, só uns dias mais tarde, quando li sobre o Movimento das Forças Armadas, e sobretudo quando vi a notícia da libertação dos presos políticos, percebi o sentido do golpe e tive uma imensa alegria. Falei com o meu pai, que era um grande antifascista. Não-praticante, mas antifascista. E então decidi vir, juntamente com a mãe da minha filha mais velha. Passei cá duas semanas, regressei ao Canadá para terminar as gravações do meu terceiro disco e regressei definitivamente a Portugal em setembro de 1974".

Soube do 25 de Abril através de uma notícia muito lacónica no jornal, que dizia apenas que taques do exército tinham ocupado a praça central de Lisboa.
Sérgio Godinho
Cantor e autor

E como foi esse regresso à balbúrdia? "Foi muito bom. Durante 15 dias, estive a cantar em inúmeros "cantos livres" (concertos espontâneos) que eram organizados quase quotidianamente e de uma maneira muito espontaneísta. Foi uma emoção muito grande poder enfim cantar - eu só tinha dois discos, mas as pessoas puderam cantar as canções desses discos, puderam dizer "a liberdade está a passar por aqui" (letra da canção "Maré Alta", de 1971), in loco. Foi uma coisa muito importante", conta.

A canção "Liberdade", gravada em 1974, tornou-se um hino da esquerda portuguesa, com o seu célebre refrão "A paz, o pão, a educação, saúde e habitação". Para ele, a letra não perdeu nenhuma atualidade e faz todo o sentido continuar a cantar aquele que continua a ser um dos seus grandes sucessos: "Não vivemos numa sociedade perfeita e continua a haver problemas em todos esses setores", diz.

Não baixar os braços

O estado atual de Portugal deixa-o preocupado, em particular tendo em conta o resultado das últimas legislativas, em que o Chega conseguiu mais que quadruplicar o número de deputados na Assembleia da República, com um sólido terceiro lugar e mais de 18% dos votos.

"Estas últimas eleições deram um abanão em muita gente", diz. "Esta ascensão da extrema-direita é qualquer coisa de assustador e preocupante. Até o grau de adesão aos meus concertos, eu sinto que tem a ver com o facto de as pessoas estarem um bocado abanadas e terem necessidade de se congregar e de reagir". Por isso, acrescenta, "é preciso estar muito alerta" e a sua música mantém toda a relevância.

Sinto que o grau de adesão aos meus concertos tem a ver com o facto de as pessoas se sentirem abanadas com o que está a acontecer.
Sérgio Godinho
Cantor e autor

Concertos por todo o país

Sérgio Godinho está a percorrer o país com o concerto "Liberdade 25", um nome que não foi escolhido ao acaso, já que celebra os 50 anos da revolução de abril e recupera o nome de uma das suas canções mais emblemáticas. 

Além das datas apoteóticas nos coliseus de Lisboa e Porto, no final de março, tocou em vários pontos de Portugal, incluindo no pátio da Escola Prática de Cavalaria de Santarém, de onde saíram os tanques de Salgueiro Maia na madrugada de 24 para 25 de abril de 1974, aquele a que chama "quilómetro zero" da revolução.

Nome do jornalista • Ricardo Figueira

Editor de vídeo • Bruno Filipe Figueiredo Da Silva

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