Portuguesas exigem justiça aos tribunais nos casos de violação

Portuguesas exigem justiça aos tribunais nos casos de violação
Direitos de autor António Cotrim/ 2018 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A
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De  Francisco MarquesLusa com Reuters
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Diversas manifestações feministas decorreram por todo o mundo no âmbito do Dia Internacional pela eliminação da Violência Contra as Mulheres

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Centenas de de pessoas, a grande maioria mulheres, enfrentaram este domingo a muita chuva que caiu em Lisboa para desfilarem na capital portuguesa pelo fim da violência contra as mulheres, pela igualdade de género e por uma Justiça que não culpabilize as vítimas e absolva os agressores em casos de violação.

Num recente relatório, a Amnistia Internacional acusa Portugal de ser um dos 23 países europeus onde a falta de consentimento ainda não é condição jurídica para punir uma violação.

O organismo citou um processo em Portugal no qual dois homens foram sentenciados com pena suspensa na sequência de uma acusação de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência.

O governo português já prometeu entretanto alterar essa legislaçã, mas as críticas ao funcionamento da Justiça nos casos de abusos sexuais estiveram presentes na marcha em Lisboa.

“É um amarro. É uma Justiça arcaica, de acórdãos vergonhosos. As mulheres não têm proteção, muito menos as crianças, que não têm estatuto de vítimas”, disse à Lusa Amélia Santos, a avó que ficou com a guarda do neto, depois de em 2014 a filha ter sido assassinada pelo companheiro, no culminar de uma história de violência que começou em 2010 e que deu pistas suficientes para que o desfecho se pudesse evitar.

A filha, Carla, separou-se do companheiro em 2010, que a sequestrou e maltratou, assim como ao filho de ambos, que na data tinha apenas 22 meses.

O agressor esteve preso por uma noite apenas, lamentou Amélia Santos, e viu ser-lhe aplicada uma pena suspensa de um ano e meio de prisão e uma multa de 700 euros.

Seguiram-se perseguições e ameaças, a toda a família, queixas da vítima à polícia e a morte do irmão – assassinado pelo companheiro de Carla – três meses antes da sua.

“A morte da minha filha foi uma morte anunciada”, disse Amélia Santos, criticando o funcionamento da Justiça e justificando a sua presença na marcha com a sua perda, mas também com a morte de quase 500 mulheres em 10 anos, que tiveram como consequência quase mil crianças órfãs, para as quais lamenta a falta de apoio do Estado.

A marcha deste domingo pretendeu ser também uma chamada de atenção para as decisões dos tribunais que “ainda culpabilizam as vítimas e não responsabilizam os agressores”, disse à Lusa Elisabete Brasil, presidente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), uma das organizações que organizou a iniciativa, manifestando preocupação com a fundamentação dos acórdãos e aquilo que ela traduz.

“É isso que nos assusta, a forma como se fundamentam os acórdãos, que é um espelho de uma sociedade patriarcal, machista e sexista; de uma sociedade que ainda culpabiliza as vítimas”, disse.

Sandra Cunha, do Bloco de Esquerda, desfilou ao lado da líder do partido, Catarina Martins, e destacou a importância de manifestações como a deste fim de semana para “denunciar a inércia dos tribunais” e os acórdãos que recentemente vieram a público, “legitimando a violência sobre as mulheres e que seguramente são só a ponta do icebergue”.

“Estaremos sempre na rua e também onde se mudam as leis, no parlamento, para fazer as alterações necessárias”, disse Sandra Cunha, referindo ainda a importância da educação para a cidadania, nas escolas, uma opinião partilhada pela presidente da UMAR, que entende que o país precisa de “prevenção primária como ferramenta para alterar comportamentos e atitudes”, algo que ainda não acontece “de forma consistente e permanente” nas escolas.

Sobre o manifesto da marcha, que lembrava o avanço da extrema-direita em alguns países e as possíveis consequências sobre os direitos das mulheres, Elisabete Brasil lembra que “nenhum direito humano é perene” e que a luta pela sua manutenção “é uma exigência de todos”, admitindo preocupação com o avanço do conservadorismo em países como o Brasil, defendendo ainda que é necessário continuar a assinalar este dia, que a nível mundial evoca a luta pelo fim da violência contra as mulheres, “pela vastidão e números brutais de violência”.

O Governo esteve representado pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, pela ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, Maria Manuel Leitão Marques, e pela secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Rosa Monteiro.

Os membros do Governo centraram o discurso nas respostas disponíveis para as vítimas e no papel das forças de segurança, hoje melhor formadas para lidar com casos de violência doméstica, defendeu o ministro Eduardo Cabrita.

Maria Manuel Leitão Marques destacou o papel da prevenção e Rosa Monteiro frisou que, apesar de ser um crime público, a violência doméstica continua a ser denunciada maioritariamente pelas vítimas e que é preciso acabar com “a inação” de familiares e amigos das vítimas, e combater o que “está na raiz da violência que é a condição de subordinação da mulher na sociedade”.

Lisboa, Porto e Viseu agendaram, para este Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, marchas com manifestos pela igualdade de género, pelo fim de todas as formas de violência contra as mulheres, num ano em que em Portugal já foram assassinadas 24 mulheres em contexto de intimidade ou relações familiares próximas -- mais seis do que no ano passado, segundo dados do Observatório de Mulheres Assassinadas.

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A marcha, marcada para as 15:00, arrancou do Largo do Intendente 40 minutos mais tarde, resguardada debaixo de muitos guarda-chuvas.

Bombos a acompanhar palavras de ordem gritadas bem alto como “Nem uma a menos, vivas nos queremos” ajudaram a passar a mensagem que a chuva ia desbotando nas faixas e cartazes.

"Nem Uma a Menos" foi também o mote da marcha em Madrid no âmbito do Dia Internacional pela Eliminação da violência contra as Mulheres.

Dezenas de milhares de pessoas, a maioria mulheres, desfilaram pelo centro da capital espanhola envergando simbolicamente a cor púrpura.

"Estamos a marchar pelas mulheres que já não estão entre nós, pelas que não têm voz e por todas as que são atacadas, violadas ou assassinadas ano após ano com total impunidade. As mulheres têm de vir para a rua manifestar-se, mas também os homens para denunciar outros homens", pediu uma das manifestantes.

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Outra disse estar a participar no desfile na capital espanhola por ser "o dia Internacional pelo fim da violência de género" "Mas também porque somos feministas e porque estamos fartas que nos matem", concretizou.

Outras fontes • El Mundo

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