Moradores das favelas organizam-se contra o coronavírus

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De  Ricardo Figueira com LUSA
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Algumas associações de bairro chegaram a comprar ambulâncias, já que as dos serviços de emergência (SAMU) muitas vezes não entram.

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No Brasil, o número de mortes relacionadas com o Coronavírus continua a aumentar, depois do recorde diário de óbitos atingido na quinta-feira. Há várias mortes a lamentar em favelas, sobretudo no Rio de Janeiro, embora a secretaria de saúde do Estado tenha desmentido um número maior antes avançado**.
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Mas a situação das favelas não deixa de ser preocupante. Nos dois maiores bairros precários de São Paulo, Paraisópolis e Heliópolis, os moradores organizaram-se para criar redes de distribuição da comida, evitando que as pessoas saiam à rua, e compraram ambulâncias que trabalham dentro dos bairros, já que muitas recusam-se ou não podem entrar aqui.

Moradores mobilizados

Em Paraisópolis, localizada ao lado do bairro Morumbi, um dos mais ricos da cidade, estima-se que vivam mais de 100 mil pessoas. Nas ruas centrais da comunidade, moradores circulavam normalmente e a maioria das lojas estavam abertas embora as autoridades do estado e do município tenham decretado emergência e pedido a permanência da população dentro de suas casas para travar a curva de contaminação da covid-19.

Gilson Rodrigues, líder comunitário da favela de Paraisópolis e fundador do núcleo G10 das Favelas, considera que a população ainda não acredita verdadeiramente nos perigos da epidemia.

"Paraisópolis vive neste momento uma tentativa de se organizar para combater o novo coronavírus, mas, no geral, a população ainda percebe a situação com descrédito”, disse, acrescentando: “É como se [o vírus] fosse uma coisa da televisão, que não vai chegar aqui, uma coisa dos ricos, por isto as ruas continuam lotadas e as pessoas ainda não tem consciência do que está por vir".

A crise e o desemprego entre a população local já eram uma realidade muito presente, mas a situação piorou agora com a paralisação das atividades produtivas na maior cidade do Brasil.

"A crise e o desemprego já eram [problemas] grandes e agora piorou. Aqui é como se este vírus só existisse na televisão principalmente porque há uma questão de infraestrutura que é diferente do que está sendo mostrado”, salientou.

“Percebemos que há dois ‘Brasis', um que consegue fazer ‘home office’ e consegue ter álcool gel e outro onde falta até água, que está morando em cima de um córrego, que vai passar fome e sofrer mais", avaliou Gilson Rodrigues.

Diante deste panorama, o líder comunitário e um grupo de voluntários decidiram organizar uma série de ações que incluem recolha de doações e a distribuição de alimentos em cestas e de mais de 1.300 refeições por dia para os moradores mais pobres da comunidade.

Os voluntários foram divididos em grupos, com delegados de rua, para levar as informações sobre a saúde e as necessidades dos seus vizinhos.

"As iniciativas que estão acontecendo aqui em Paraisópolis resultam da própria mobilização da sociedade e da comunidade (...) Até agora não há nenhuma iniciativa pública, do Governo", lamentou Gilson Rodrigues.

Em Heliópolis, que é considerada a maior favela de São Paulo e onde vivem cerca de 200 mil pessoas, Antónia Cleide Alves, líder comunitária e presidente da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas) contou que a situação é a mesma.

Sem apoio direito do poder público são os moradores que estão promovendo ações para recolher doações, distribuir comida, produtos de higiene e informar a população.

Nesta comunidade, a movimentação das pessoas parece menor, mas muitos permanecem nas ruas e com comércios abertos para tentar obter dinheiro e sobreviver.

"Os nossos projetos com o Governo e com a prefeitura foram fechados e muitas das crianças que atendemos vinham comer aqui na Unas, muitas pessoas estão desempregadas e decidimos contactar os nossos parceiros para pedir ajuda", contou à Lusa Antónia Cleide Alves.

A dirigente associativa explicou que a associação de moradores decidiu permanecer aberta para ajudar a servir a população.

"Hoje estamos contando muito com a solidariedade das pessoas. Temos doações, as pessoas entram em contacto. A sociedade civil está muito preocupada, do Governo percebemos que há muitas falas e pouca ação. Concretamente do Governo o que a gente percebe é uma dificuldade muito grande para fazer o atendimento", frisou.

Antónia Cleide Alves explicou que os moradores foram avisados das ações de isolamento social e a necessidade de reforço da higiene pessoal, mas estes cuidados esbarram na falta de água, em moradias precárias e minúsculas onde as famílias vivem amontoadas umas às outras.

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A líder comunitária também contou que sua maior preocupação é de que a pandemia se espalhe e acabe gerando guetos e o encerramento das entradas da favela.

"Temos medo de sermos fechados aqui. De que todas as nossas entradas [da favela] sejam fechadas pelo Exército, por alguém que não nos deixe sair. É disso que temos medo. Sabemos que no fundo as favelas estão muito excluídas", explicou a presidente da Unas.

Em contradição com o confinamento obrigatório decidido por vários governadores, o presidente Jair Bolsonaro voltou esta quinta-feira a insistir na reabertura do comércio e na ideia de que a maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar. Disse ainda que resolveu o diferendo que mantinha com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e desmentiu que o queira demitir.

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