Trabalhadores do sexo querem voltar ao ativo em Amesterdão

Trabalhadores do sexo querem voltar ao ativo em Amesterdão
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A covid-19 obrigou os trabalhadores do sexo em Amesterdão a parar e atirou muitos profissionais para a pobreza. Agora, exigem voltar ao ativo, num setor que contribui oficialmente para a economia do país. #Unreported Europe

O bairro da luz vermelha, também conhecido como "red light district", de Amesterdão,  está parado. O confinamento a que o coronavírus obrigou está a afetar duramente os trabalhadores do sexo. Aos profissionais do setor, dizem, restam duas opções: prostituição ilegal, ou desemprego. 

A vida num impasse

Nas ruas de Amesterdão, a vida recomeça lentamente, acompanhando as primeiras semanas estivais. Ou quase. Os espaços noturnos mais famosos da cidade estão desertos; apenas alguns néons ainda brilham sobre as ruas estreitas sem ninguém.

A prostituição nos Países Baixos está suspensa, desde o confinamento imposto pandemia de covid-19. 

Sob a ameaça de pesadas multas e de um registo criminal, os profissionais do setor dizem que a proibição pôs as suas vidas em risco.

O governo não vê algo que ao manter as montras fechadas, vai empurrar muito mais raparigas para o trabalho ilegal. Se mantiverem as montras fechadas, provavelmente também eu vou ter de encontrar uma forma ilegal de trabalhar. Eu não quero, mas estão a obrigar-me a fazê-lo
Stella
Trabalhadora do sexo

Stella trabalha num dos mundialmente famosos bordéis com montra de Amesterdão.

Enquanto profissional do sexo, faz parte de uma minoria registada como trabalhadora independente na Câmara de Comércio holandesa. Durante os meses de confinamento, recebe um subsídio mensal de cerca de 1000 euros.

O montante não é suficiente para cobrir as despesas, sendo frequente os hóspedes aplicarem taxas mais elevadas aos trabalhadores do sexo.

"A minha renda é de 1500 euros, por um estúdio! Agora, devido a esta situação, vivo com outra pessoa na minha casa só para partilhar a renda, só para poder sobreviver, sem fazer nada de mal.

O governo não vê algo que ao manter as montras fechadas, vai empurrar muito mais raparigas para o trabalho ilegal. Se mantiverem as montras fechadas, provavelmente também eu vou ter de encontrar uma forma ilegal de trabalhar. Eu não quero, mas estão a obrigar-me a fazê-lo", lamenta.

Um setor em protesto

Intrigado pela presença de Stella durante o confinamento, um homem habituado aos serviços dos bordéis com montra aproxima-se dela, para saber se está a trabalhar apesar do confinamento.

Confessa que recentemente tentou contornar as regras, com uma prostituta a trabalhar de forma ilegal num hotel.

"Quando cheguei ao quarto, ela pegou no dinheiro, depois disse que precisava de sair do quarto para atender uma chamada e simplesmente fugiu a correr.

Se for alguém nas montras, sabe que tem o botão de alarme que pode carregar se houver algum problema. Portanto, sabe que é tudo legítimo e seguro. E há certas regras de higiene que têm de cumprir. São expulsos dos quartos se não usarem preservativos, nem mantiverem tudo seguro e higiénico''.

O confinamento, atualmente, é uma desculpa do governo para nos manter fechados durante muito tempo. Porque agora eles querem ver-se livres da prostituição! Querem ver-se livres de nós, acham que vamos falir e que depois é mais fácil afastar-nos
Jan Boers
Proprietário de bordel e alojamento para arrendar

Legal nos Países Baixos, a indústria do trabalho sexual é uma das mais organizadas e regulamentadas na Europa.

A atividade contribui oficialmente para o PIB do país e é altamente tributada.

No entanto, os critérios para que os trabalhadores do sexo e os operadores de bordéis obtenham apoios estatais durante o confinamento revelaram-se restritivos.

Os operadores de bordéis no “red light district” cobriram as montras com cartazes de protesto.

Jan Boers vive do negócio há meio século e está orgulhoso dos quartos que arrenda aos trabalhadores do sexo. É também o senhorio de outras casas para alojamento.

Contudo, a maioria dos profissionais é da Europa de Leste, e já deixou o país, deixando Jan sem fonte de rendimentos.

Hoje, mostra-se muito crítico em relação à atuação do governo.

"Se houver um novo surto, há a possibilidade de ficarmos mais tempo fechados.

O confinamento, atualmente, é uma desculpa do governo para nos manter fechados durante muito tempo. Porque agora eles querem ver-se livres da prostituição! Querem ver-se livres de nós, acham que vamos falir e que depois é mais fácil afastar-nos”, critica.

Descriminação e pobreza

O confinamento mergulhou muitos trabalhadores do sexo na pobreza. A maioria não tem direito a apoio estatal e quem tem, já não consegue fazer face às despesas.

A Scarlett Cord é uma das instituições de solidariedade que agora lhes entrega todas as semanas bens de primeira necessidade e vales de alimentação.

Agora há mulheres que vêm aqui durante uma semana, duas semanas, e partem. Nós aqui pagamos muitos impostos! E outras vêm para ganhar dinheiro fácil! Nós exigimos que nos deixem trabalhar, agora!
Samantha
Trabalhadora do sexo

Samantha trabalha no “red light district” há 20 anos. Não entende por que todas as profissões de contacto, como cabeleireiros ou casas de massagens, são permitidas e a sua não. 

"Sei que Amesterdão é um lugar muito agradável, mas as pessoas, os turistas, vêm sempre para nos ver. É preciso admiti-lo.

Não nos parece justo que todos já estejam a trabalhar e a ganhar o seu ordenado, e nós não.

E acabei de descobrir, por amigos que trabalham em hotéis, que agora há mulheres que vêm aqui durante uma semana, duas semanas, e partem. Nós aqui pagamos muitos impostos! E outras vêm para ganhar dinheiro fácil! Nós exigimos que nos deixem trabalhar agora!”

Numa das animadas praças do mercado de Amesterdão, Irina trabalha, uma vez por semana, ao balcão de uma padaria, muito conhecida entre os clientes.

Mas só os colegas sabem o que faz na vida, fora dali.

Pela primeira vez, concordou em deixar o público em geral saber como ganha a vida, revelando o lado mais privado da sua vida, enquanto trabalhadora do sexo, ao deixar-se filmar durante uma conversa por videochamada com um cliente. Fá-lo como forma de combater a estigmatização.

Durante todo o confinamento, manteve-se em contacto com clientes regulares, em sessões de sexo seguro online, mas também, de reconforto.

Num diálogo que deixa transparecer proximidade, vai perguntando como têm sido os dias de confinamento. Do outro lado, o contacto é apreciado.

Fico contente por poder conversar contigo, de vez em quando, porque és a única pessoa que tenho e a única a quem posso ligar"
Anónimo
Cliente de serviços sexuais

Irina defende que a proibição do trabalho sexual não faz sentido e é insustentável.

"Estamos a prestar um serviço que uma grande parte da população masculina dos Países Baixos consome. E como já viram com um dos meus clientes, ele precisa realmente disto e valoriza o contacto que temos. E não se trata apenas de sexo, trata-se de muito mais... Portanto, sim, somos uma parte importante da sociedade! Levem-nos a sério! Façam alguma coisa, ajudem-nos!"

O apelo de Irina acabou por ser ouvido. Pouco antes de esta reportagem ser publicada, o governo holandês decidiu levantar a proibição do trabalho sexual a partir do dia 1 de Julho.

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