Reserva do Pego do Altar, no rio Sado, em 2017
Reserva do Pego do Altar, no rio Sado, em 2017 Direitos de autor AP Photo/Armando França/Arquivo

Seca irreversível em Portugal pode tornar a água mais cara se nada for feito

De  Francisco Marques
Partilhe esta notícia
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Estudo apresentado pela Agência Portuguesa do Ambiente avalia recursos hídricos presentes e futuros, traçando um cenário drástico se nada for feito. Falámos com o autor do estudo

PUBLICIDADE

Portugal tem de melhorar a eficiência do uso de água para se conseguir adaptar às mudanças irreversíveis provocadas pelo aquecimento global.

Um estudo da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) mostra um país já em situação de stress hídrico, numa altura em que se mergulha a fundo na fase de transição energética na tentativa de alterar comportamentos e modelos de negócio para realidades mais sustentáveis, na tentativa de abrandar as mudanças que ameaçam a subsistência do planeta que conhecemos.

O aumento da temperatura média é real, já se faz sentir, por exemplo, no degelo dos polos e de glaciares, e em fenómenos climáticos como os incêndios florestais de Pedrógão Grande, em 2017, ou na série de tornados fora da época da última sexta-feira na região centro-oeste dos Estados Unidos.

Em conversa com a Euronews, Rodrigo Proença de Oliveira, o autor do estudo encomendado pela APA a pedido do ministro do Ambiente, antecipa a urgência de gerir o impacto de um irreversível agravamento da seca no país e o consequente aumento do valor da água em algumas zonas mais afetadas de Portugal.

"É possível utilizar algo que está na lei portuguesa e que nunca foi utilizado: afetar a taxa de recursos hídricos a um factor de escassez, que neste momento é de 1 para todo o país, mas que pode ser distinto de uma zona do país para outra", defendeu o engenheiro civil doutorado em Ambiente e professor do Instituto Superior Técnico.

Preço nas mãos da política

Rodrigo Proença de Oliveira lembra-nos que "a taxa de recursos de hídricos é tipicamente paga pelas empresas que captam a água e depois a vendem aos consumidores finais", considerando que nesse eventual aumento do valor da água "pode não haver uma transmissão direta para o valor no consumidor final".

"Qualquer decisão nesse sentido tem de ser bem pensada, tem de haver solidariedade nacional, tem de haver uma perceção da capacidade de pagar dos vários setores utilizadores de água, mas isso já é mais uma decisão política", reconheceu o investigador, sem querer entrar no campo governativo numa altura em que Portugal se prepara para eleições e o Ministério do Ambiente pode ser em fevereiro diferente do atual.

O estudo apresentado, mas que ainda carece de uma publicação final, vai surgiu em forma de uma plataforma de dados aberta e em evolução constante, mediante novos contributos, para se conseguir uma perceção cada vez mais real das reservas de água atuais e futuras no país.

Seca espanhola ajudou

O estudo focou-se nas bacias hidrográficas portuguesas, aproveitou os dados públicos existentes em Espanha, onde este tipo de levantamentos se fazem há mais tempo, e cruzou-se a informação disponível para elaborar diversos cenários possíveis para diversos momentos futuros.

Há cenários mais otimistas e outros mais pessimistas. Para se garantir o melhor dos cenários é necessário agir de pronto e garantir uma mais eficiente gestão dos recursos hídricos disponíveis atendendo à previsão, por exemplo, de uma redução de precipitação nas próximas décadas.

AP Photo/Armando França
Seca afetou gravemente o Pego do Altar, no Rio SadoAP Photo/Armando França

Para se concretizar o melhor cenário, Rodrigo Proença de Oliveira deixa-nos algumas recomendações. "A primeira, segunda e terceiras opções é uma maior eficiência", salienta, referindo-se à redução do desperdício, à reutilização e, por fim, sugere apostas para a captura como a "dessalinização e a construção de uma ou outra barragem". "Mas é preciso analisar caso a caso", acrescenta.

Apesar de este ser um estudo focado nos recursos hídricos portugueses e com dados também da situação espanhola, a seca já não é um exclusivo do sul da Europa.

Durante algum tempo os parceiros europeus do Norte minimizaram a discussão da seca porque lhes era algo distante, preferiram falar das cheias, mas o aquecimento não perdoa e é global.

Em 2018 e 2019, a Alemanha, por exemplo, sentiu já os efeitos da seca em algumas zonas, até mesmo perto de Berlim. Não foi o único país do centro e do norte da União Europeia onde a água começou a faltar.

Essas manifestações de seca, de redução da precipitação, de verões mais quentes, de invernos mais rigorosos, já provocou também a alteração da opinião entre os líderes europeus.

"Agora, o que acontece é que o norte da Europa está a ter secas. Neste momento, a nível dos diretores da água e dos ministros do Ambiente, já há um consenso de que a seca é um problema que está a afetar toda a Europa e estamos a estudar em que medida é que as iniciativas a nível europeu podem contribuir para uma gestão melhor da água", contou-nos Rodrigo Proença de Oliveira.

Os investigadores dos impactos do aquecimento global estabeleceram uma ligação paradoxal entre a seca e as cada vez mais frequentes inundações. A lógica é fácil de entender. A falta de precipitação agrava de tal maneira a aridez que os solos, também a perderem cada vez mais vegetação, deixam de ter capacidade de absorver a água.

Quando as chuvas se tornam mais espaçadas, e em simultâneo mais intensas quando surgem, a água escorre em grandes quantidades em vez de ser assimilada pelos solos e pela vegetação, provocando também deslizamentos das terras, que deixam de estar tão resistentes pela falta das raízes da referida vegetação.

PUBLICIDADE
AP Photo/Armando França
Barragens têm sofrido reduções acentuadas de água, com impacto na agriculturaAP Photo/Armando França

De acordo com o estudo de Rodrigo Proença de Oliveira para a APA, nas últimas duas décadas Portugal perdeu cerca de 20% dos recursos hídricos e inevitavelmente vai continuar a secar, sendo por isso urgente encontrar formas de conseguirmos reter o máximo de água possível e gerir bem o uso e a reciclagem dessa água.

No pior cenário traçado, no final deste século, no ano de 2100, o Alentejo e o Algarve vão sofrer uma redução de 49% no volume de água dos rios e de 29% de precipitação.

A famosa previsão do nascimento de um deserto a sul do Tejo pode de facto concretizar-se, se nada for feito. Já!

Editor de vídeo • Francisco Marques

Partilhe esta notícia

Notícias relacionadas