Recordações e esperanças das ex-juízas, jornalistas e ativistas do Afeganistão

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De  Julian GOMEZ
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"Passei um dia inteiro a ouvir as histórias de mulheres que fugiram do regime Talibã", conta o repórter da euronews Julián López.

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Nunca estive no Afeganistão. Não falo Dari nem Pastum, as duas línguas oficiais do país. Sou um homem, jornalista. Tinha lido um artigo sobre o facto de a capital da Grécia se ter transformado num centro nevrálgico para as mulheres afegãs e as suas famílias forçadas a deixar o Afeganistão depois de os Talibãs terem subitamente tomado o poder em Agosto de 2021.

Tinha lido que a maioria dessas mulheres eram juízas, advogadas, jornalistas ou ativistas de direitos civis. Tinham deixado o Afeganistão, por avião, graças a diferentes programas de ajuda internacional e foram realojadas em Atenas de forma temporária.

Eu, e a nossa produtora no terreno, Eleni Korovila, contactámos a asociação Melissa, em Atenas, que ajuda mulheres afegãs e as respetivas famílias. Graças à associação, essas mulheres recebem aconselhamento jurídico, educação, apoio psicológico e mantêm contactos sociais.

Na sede da associação, falei com várias mulheres ansiosas por partilhar comigo as suas histórias de perda: perda de familiares e amigos. Perda de empregos, salários, independência e auto-estima. Todas elas foram forçadas a esconder-se.Todas elas ainda estão em estado de choque.

Passei um dia inteiro a ouvir as histórias destas mulheres que fugiram do regime Talibã.

Hasina, antiga juíza, conta-me que os talibãs libertaram os criminosos que ela tinha condenado à prisão e que queriam vingar-se dela. "Eu não podia sair de casa. Eles podiam matar-me, matar os meus filhos ou raptá-los", afirmou a antiga juíza.

Homa Ahmadi, antiga deputada do parlamento afegão, que esteve escondida durante cinco semanas, afirma que nenhum país deve reconhecer o regime talibã até que eles"formem um governo inclusivo, garantam os direitos das crianças, a liberdade e o direito das mulheres de trabalharem", afirmou a antiga parlamentar afegã.

Nilofar, 26 anos, fugiu do Afeganistão com os dois filhos, o mais novo tem apenas 8 meses de idade. Tirou um curso de Direito e Ciências Políticas. Trabalhou como jornalista. "Primeiro tivemos de lutar com os nossos pais e irmãos na sociedade tradicional afegã pelos direitos de tomar decisões sobre os nossos próprios vestidos, véus e lenços. Nos últimos 20 anos tivemos sucesso. Depois, com a chegada dos talibãs ao poder, perdemos tudo. Tinha sonhos, para mim, para os meus filhos e para o povo... tudo isso desapareceu numa só noite", contou a refugiada afegã.

Mulheres afegãs determinadas em continuar o combate

Fariba, nome fictício, era juíza, mas evita falar do passado por ser demasiado doloroso. Ela prefere mostrar-me um dos poucos pertences que trouxe para o exílio: um vestido tradicional. "Este vestido mostra a identidade de todas as mulheres afegãs. Cada país tem os seus próprios símbolos. No Afeganistão, depois da língua e da bandeira, a única coisa que representa todas as mulheres afegãs é este vestido", afirmou Fariba, timidamente.

Para a maioria das mulheres que se encontram em Atenas, a Grécia será apenas um país de passagem. Algumas já receberam ofertas de asilo no Canadá ou de Espanha. Outras gostariam de ir para a Alemanha.

"A nossa ideia era oferecer-lhes um espaço seguro para reatar o fio do trabalho que fizeram durante tanto tempo no Afeganistão, e começar de novo a pensar no que podem fazer e pensar em formas de evitar a fragmentação da diáspora", disse a diretora e co-fundadora da Rede Melissa, Nadina Christopoulou.

"Estamos a falar de mulheres políticas, jornalistas, juízes. Muitas pessoas podem considerá-las como fazendo parte de uma elite, como uma minoria em relação às mulheres que vivem no Afeganistão. Mas, eu não as vejo como uma elite. Selecionámos estas mulheres devido ao papel que desempenharam em termos sociais e políticos, devido ao seu ativismo que acabou por criar situações de alto risco para elas. Agora, elas estão a tentar encontrar formas de ajudar e apoiar os outros e de permanecerem ativas", contou a responsável.

“Elas falaram no Fórum da Democracia de Atenas sobre as emoções fortes que sentiam, quando falavam do colapso da democracia no Afeganistão, para a qual trabalharam arduamente... a emoção de falarem no país que deu origem à ideia de democracia", sublinhou Nadina Christopoulou.

Cerca de 100 mulheres fizeram um pedido de asilo para ficar na Grécia. As candidaturas estão a ser analisadas. Mas não posso deixar de pensar nas centenas de requerentes de asilo afegãs espalhadas por campos em todo o país e que não terão as mesmas oportunidades.

Nos últimos meses, a Grécia reforçou a segurança e a vigilância das fronteiras marítimas e terrestres com a Turquia, principal via de entrada para a maioria dos migrantes afegãos. Uma abordagem assumida abertamente pelo governo grego. "Nos últimos dois anos, dois anos e meio, a Grécia tem seguido uma política de migração rigorosa mas, do nosso ponto de vista, justa. Neste sentido, podemos ter endurecido as regras, no quadro das diretivas e regulamentos da UE, mas isso não significa que o nosso país, a Grécia, tenha esquecido a sua abordagem humanitária", afirmou à euronews Patroklos Georgiadis, Secretário-Geral da Política de Migração.

Todas as mulheres afegãs que conheci em Atenas dizem que é altura de seguir em frente. Khatera Saeedi é ativista e jornalista. No Afeganistão, trabalhou para uma organização internacional. Fugiu com os dois filhos e com a sua mãe, ativista dos direitos humanos perseguida pelos Talibãs. Khatera tem planos para o futuro. Vou para o Canadá. Vou reforçar a minha educação, experiência e conhecimentos e voltarei ao Afeganistão mais forte do que antes para trabalhar muito em prol das pessoas”, disse a jornalista afegã.

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