António Guterres: previsões apontam "para um aumento das emissões em 2030, o que é um suicídio"

António Guterres: previsões apontam "para um aumento das emissões em 2030, o que é um suicídio"
Direitos de autor euronews
De  Sérgio Ferreira de Almeidaeuronews
Partilhe esta notíciaComentários
Partilhe esta notíciaClose Button
Copiar/colar o link embed do vídeo:Copy to clipboardCopied

Em entrevista à euronews, o secretário-geral da ONU António Guterres exortou os líderes mundiais a combater a crise climática com medidas drásticas e sublinha que os líderes económicos "têm uma enorme responsabilidade".

Numa altura em que a luta contra as alterações climáticas perde primazia devido à guerra na Ucrânia, as Nações Unidas organizam, em Lisboa, a Conferência dos Oceanos. A euronews falou com o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: "Como podemos voltar a colocar a luta contra as alterações climáticas no topo da agenda internacional?"

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “Fazendo tudo o que é possível para que isso aconteça, levantando a questão, tanto quanto possível, em todas as frentes. A guerra na Ucrânia demonstra que teria sido importante se, nas últimas décadas tivéssemos investido de forma massiva em energias renováveis. Se isso tivesse acontecido, não estaríamos hoje à mercê da indústria dos combustíveis fósseis e de preços extremamente elevados, o que prejudica a qualidade de vida das pessoas e agrava a situação de muitos países em desenvolvimento. Se a guerra na Ucrânia demonstra algo, demonstra a necessidade de acelerar a transição ecológica, o que significa que temos de combater as alterações climáticas de forma muito mais eficaz".

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: “Mas estamos a ver líderes mundiais a reinvestir na energia fóssil. Como é possível convencê-los? “

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “Isso é um suicídio e espero que as pessoas compreendam que o suicídio não é propriamente a melhor maneira de enfrentar o futuro”.

A minha geração é responsável pelo facto de estarmos em guerra com a natureza e pela situação das alterações climáticas não estar sob controlo.
António Guterres, Secretário-Geral da ONU

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: “Ao mesmo tempo, é difícil convencer as pessoas que têm problemas a nível alimentar e energético de que é preciso de dar prioridade às alterações climáticas e à luta contra as alterações climáticas. Como fazê-lo? “

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “Antes de mais, é preciso tentar resolver o problema, nomeadamente, o problema da segurança alimentar. É por isso que estamos muito empenhados em tentar criar condições para que tanto os produtos alimentares ucranianos como os produtos alimentares e fertilizantes russos possam chegar aos mercados globais, precisamente para melhorar a situação e permitir que os preços baixem. E creio que existem também outras iniciativas em relação aos preços da energia. Mas, obviamente, nesta situação, em que o preço dos combustíveis fósseis está tão elevado, há uma boa razão para utilizar o menos possível esses combustíveis. É do interesse de toda a gente continuar, de forma determinada, o combate contra as alterações climáticas, porque é a única forma de evitar, no futuro, esta dependência dramática face à instabilidade do mercado dos combustíveis fósseis”.

É preciso não esquecer que a indústria dos combustíveis fósseis gastou milhares e milhares de milhões durante décadas com pseudociência, campanhas de comunicação e todo o tipo de pressões para tentar convencer o mundo de que as alterações climáticas não eram assim tão graves.
António Guterres, Secretário-Geral da ONU

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: “Vemos que os mares e os oceanos estão a ser usados como uma arma. O acesso ao mar, nomeadamente, ao Mar Negro está a ser usado como uma arma. Vimos aqui alguns jovens com mensagens sobre as minas no oceano. Como podemos combater esse fenómeno?”

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “Em primeiro lugar, a questão do acesso ao mar a partir dos portos ucranianos. É exactamente esse o objetivo do plano da ONU apresentado aos russos e aos ucranianos, com o apoio da Turquia. Esperamos que seja possível realizar, em breve, uma reunião dos quatro, em Istambul, para chegar a um acordo, com base nas diferentes consultas que foram feitas, nomeadamente a nível bilateral pelos militares desses três países. Esperamos que seja possível chegar a um acordo que permita a exportação dos cereais ucranianos. E que permita, ao mesmo tempo, que os países, a nível internacional, facilitem as exportações de alimentos e fertilizantes russos, porque, na verdade, não foram aplicadas sanções a alimentos e fertilizantes, mas, existem complexidades ao nível da expedição, dos seguros, dos pagamentos que têm de ser abordadas. Por isso, temos estado em contacto estreito com a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia para chegar a um conjunto de acordos para que os produtos alimentares e fertilizantes ucranianos e russos cheguem aos mercados globais”.

As previsões (...) continuam a apontar para um aumento das emissões em 2030, o que é um suicido, é totalmente inaceitável.
António Guterres, Secretário-Geral da ONU

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: “A Rússia é um ator importante na luta contra a crise climática. É possível fazê-los voltar ao palco das negociações para ajudar o mundo a combater as alterações climáticas?”

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “A Rússia está presente na Conferência dos Oceanos. Creio que a luta contra as alterações climáticas é vital para toda a humanidade. Por isso, todos os países devem assumi-la como uma prioridade”.

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: “Aqui neste evento, pediu desculpa aos jovens porque a sua geração contribuiu muito para a situação atual”.

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: “A minha geração é responsável pelo facto de estarmos em guerra com a natureza, e pela situação das alterações climáticas não estar sob controlo. Deveríamos estar a reduzir drasticamente as emissões nestas décadas. E as previsões, com base nos compromissos assumidos pelos Estados membros em todo o mundo, continuam a apontar para um aumento das emissões em 2030, o que é um suicido, é totalmente inaceitável. E em relação aos oceanos, estamos a perder a batalha da preservação dos nossos oceanos, em relação ao aquecimento e à acidez causada pelas alterações climáticas, a perda de corais, a perda de biodiversidade, a pesca excessiva, a poluição plástica, outras formas poluição tóxica que faz com que várias zonas costeiras fiquem totalmente sem vida. Estamos a perder a batalha da preservação dos oceanos e isso tem de ser invertido. A minha geração não foi capaz, ou não quis fazê-lo, de tomar consciência, no momento em que era preciso fazê-lo, de que a situação estava a ficar fora de controlo”.

Sérgio Ferreira de Almeida, euronews: "Está optimista em relação ao futuro próximo? Os líderes mundiais vão comprender que é urgente agir?"

António Guterres, Secretário-Geral da ONU: "Não se trata de uma questão de otimismo ou pessimismo. Estou determinado a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para influenciar os líderes mundiais da política e também do setor económico. É preciso não esquecer que a indústria dos combustíveis fósseis gastou milhares e milhares de milhões durante décadas com pseudociência, campanhas de comunicação e todo o tipo de pressões para tentar convencer o mundo de que as alterações climáticas não eram assim tão graves e que os combustíveis fósseis não estavam a criar os problemas que efetivamente estão a criar. Algo similar ao que a indústria do tabaco fez há algumas décadas. Por isso, os líderes económicos também têm uma enorme responsabilidade. E todos eles líderes políticos, líderes económicos têm de compreender que estamos numa situação de emergência, e que a emergência requer medidas drásticas".

Partilhe esta notíciaComentários

Notícias relacionadas

Conferência dos Oceanos sublinha a gestão dos peixes na adaptação da pesca ao consumo

Varsóvia e Kiev dão "passo em frente" mas não chegam a acordo sobre exportação de cereais ucranianos

Comandante polaco do Eurocorps demitido por suspeita de colaboração com a Rússia