O primeiro aniversário da queda do regime de Bashar al-Assad constitui uma oportunidade para traçar as transformações que Hama sofreu ao longo das décadas, desde os acontecimentos de 1982, passando por 2011, até à sua realidade atual.
A cidade síria de Hama foi palco de grandes concentrações na sexta-feira, por ocasião do primeiro aniversário da queda do regime de Bashar al-Assad. De acordo com o jornal local al-Fidaa, o número de participantes na Praça al-Assi foi estimado em cerca de um milhão de pessoas de várias cidades e vilas da província, para além de delegações de outras províncias.
Bandeiras e estandartes foram erguidos nos edifícios e nas ruas, e a multidão carregou uma bandeira síria de 500 metros de comprimento e 4 metros de largura, que se estendia de Nazlat al-Alamein ao Parque Umm al-Hassan. Os participantes entoaram slogans apelando à responsabilização dos responsáveis pelas violações cometidas durante os anos de conflito, sublinhando que o aniversário marca uma nova fase para a cidade, um ano após a fuga de al-Assad.
Controlo militar
Há apenas um ano, Hama era o centro do reagrupamento das forças de Assad após a sua retirada de Alepo no final de novembro de 2024.
Grandes forças militares foram mobilizadas em vários eixos da cidade para tentar travar o avanço das fações aliadas ao Hay'at Tahrir al-Sham, que tinha alargado o seu controlo à zona rural do sul de Idlib e penetrado nas fronteiras administrativas de Hama, especialmente a norte e a oeste.
No entanto, o colapso das linhas do antigo regime foi mais rápido do que se esperava, uma vez que as fações da "Dissuasão da Agressão" anunciaram, em 5 de dezembro de 2024, que tinham entrado nos bairros da cidade, e o exército sírio admitiu então que tinha perdido o controlo da quarta maior cidade do país pela primeira vez desde 2011.
Muitos consideraram este acontecimento como o encerramento de uma longa página de sofrimento e a restauração de uma cidade cujo nome tinha sido associado durante décadas a um grande acontecimento sangrento.
Hama 1982: contexto histórico da trajetória da cidade
Hama está associada na memória síria aos acontecimentos de fevereiro de 1982, quando a cidade assistiu a uma operação militar de grande envergadura levada a cabo pelas forças militares do exército sírio e pelas então chamadas "Companhias de Defesa" de Rifaat al-Assad contra os grupos armados da Irmandade Muçulmana que então actuavam na cidade.
O cerco e as operações militares duraram cerca de 27 dias e os bombardeamentos e confrontos causaram um elevado número de mortes, que, segundo várias estimativas, variaram entre 20 e 40.000 pessoas, tendo as organizações de defesa dos direitos humanos documentado os nomes de cerca de 10.000. Os acontecimentos provocaram também a destruição generalizada dos bairros da cidade.
Muitos dos pormenores desse período ainda não estão totalmente documentados, devido às restrições impostas na altura à entrada dos meios de comunicação social e das organizações de direitos humanos na cidade.
Hama e os protestos sírios de 2011: Uma presença popular
Com o início dos protestos sírios em março de 2011, Hama assistiu a grandes manifestações em que participaram dezenas de milhares de pessoas. Apesar de o regime de Bashar al-Assad ter mantido o controlo administrativo e militar sobre a cidade nos anos seguintes, várias zonas foram palco de detenções e de incidentes de violência documentados. Devido às restrições de segurança no interior da cidade, vários residentes de Hama juntaram-se a facções da oposição fora da cidade e participaram mais tarde nas batalhas que se estenderam às zonas rurais de Idlib e Hama até à chamada Operação Dissuasão da Agressão, que derrubou o regime de Assad em 2024.
O primeiro aniversário da queda do regime de Bashar al-Assad constitui uma oportunidade para traçar as transformações que Hama sofreu ao longo das décadas, desde os acontecimentos de 1982, passando por 2011, até à sua realidade atual.
As celebrações de hoje são vistas como uma ocasião que reflecte as dimensões políticas e históricas de uma cidade que foi uma presença fulcral em muitas fases da história moderna da Síria.