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Como combater a guerra comercial de Trump? Anti-coerção, antitrust e tarifas específicas em vista

A UE está a afinar a sua estratégia e a rever as suas armas comerciais para responder às ameaças de tarifas de Trump.
A UE está a afinar a sua estratégia e a rever as suas armas comerciais para responder às ameaças de tarifas de Trump. Direitos de autor  AP
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De Peggy Corlin
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Na semana passada, o presidente Trump ameaçou impor direitos aduaneiros ao Canadá, à China e ao México. A UE está a aguardar a sua vez e a ponderar a sua eventual resposta.

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A União Europeia (UE) pode recorrer a medidas anti-coercivas, anti-trust e tarifas específicas para responder a uma série de tarifas da Casa Branca de Trump, mas os orçamentos de defesa também podem entrar em jogo, sugerem os especialistas ouvidos pela Euronews.

Depois de ter atingido o México, o Canadá e a China, a UE parece estar agora na mira de Donald Trump, que descreveu o bloco e o seu excedente comercial como "uma atrocidade".

Embora repetindo que o comércio entre os EUA e a UE beneficia ambos os blocos, com um excedente de bens de 155,8 mil milhões para os europeus e um excedente de serviços de 104 mil milhões para os americanos, a UE está a afinar a sua estratégia e a rever as suas armas comerciais.

Perante tarifas específicas, a resposta pode muito bem ser tarifas específicas. "Poderiam ser aplicados direitos aduaneiros muito específicos a bens de consumo quotidianos, como Harley Davidsons e calças de ganga, como a UE fez em 2018", disse Elvire Fabry, especialista do Instituto Delors. "Não visaríamos os produtos farmacêuticos ou os componentes que não podem ser obtidos noutro local".

Em 2018, durante o seu primeiro mandato, Donald Trump já tinha liderado o ataque contra os europeus com tarifas sobre o aço europeu (25%) e o alumínio (10%). A Europa retaliou taxando o Bourbon, as Harley-Davidsons e uma série de outros produtos, visando os Estados onde Trump teve mais eleitores nas eleições presidenciais. As tarifas foram abolidas durante a administração Biden, mas apenas até março deste ano.

Março será decisivo para as conversações comerciais entre a UE e os EUA. Não só a trégua sobre o litígio comercial do aço e do alumínio está a chegar ao fim, mas até 25 de março a Comissão deve decidir se a Alphabet (que detém a Google), a Apple e a Meta cumprem a Lei dos Mercados Digitais (DMA), o regulamento digital de referência que é a bête noire dos gigantes da tecnologia que parecem agora ter apoiado totalmente o presidente republicano.

Instrumento anti-coerção em preparação?

"Para além das questões relacionadas com o défice comercial, há o incómodo de Trump com a regulamentação europeia. O seu ataque pode ser mais estrutural. Nesse caso, estaríamos a entrar no domínio da coerção económica", afirmou Elvire Fabry.

Desde 2023, os europeus dispõem de um arsenal anti-coerção para proteger a UE da coação de países terceiros. Se o diálogo com a administração Trump falhar, o regulamento inclui restrições ao direito de participar em concursos públicos, restrições às licenças ou, por exemplo, restrições ao comércio de serviços e aos aspetos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio. O Financial Times noticiou que a Comissão está de facto a preparar esta resposta, citando funcionários com conhecimento dos planos, que apontaram o ACI como a resposta mais dura disponível sem violar o direito internacional.

"A UE poderia visar a concessão de licenças no sector dos serviços digitais", afirmou Fabry, acrescentando: "Seria aconselhável visar a dependência digital dos EUA em relação ao mercado europeu. O acesso aos dados é essencial para os americanos. Isto é ouro negro".

Apontar para os direitos de propriedade intelectual aumentaria a fasquia em qualquer disputa comercial, mas nem todos os comentadores concordam que isso funcionaria. "Esta é uma opção nuclear em comparação com as tarifas, que são uma espécie de opção de guerra convencional", afirmou Fredrik Erixon, diretor do Centro Europeu de Economia Política Internacional (ECIPE): "Esse instrumento tem de ser proporcional às ações contra as quais se está a retaliar, porque se se invalidar, por exemplo, uma patente ou uma marca registada, isso é o mesmo que retirar direitos de propriedade".

Além disso, o especialista explicou que os direitos de propriedade intelectual não fazem tradicionalmente parte das competências da UE e são regidos por regras internacionais: "Os Estados-membros têm obrigações ao abrigo da Convenção sobre a Patente Europeia que vão para além do que a UE pode fazer".

Quaisquer que sejam as armas de Donald Trump, o destino das grandes empresas de tecnologia dos EUA pode estar em jogo. Poderá o antitrust tornar-se uma arma comercial? A China abriu um inquérito antitrust contra a Google depois de os EUA terem imposto direitos aduaneiros de 10% sobre as suas importações. A Comissão Europeia afirma, no entanto, que o antitrust não será utilizado numa guerra comercial com os EUA.

"Quando se trata de aplicar a legislação antitrust da UE em matéria de concorrência, esta é agnóstica em relação ao país de estabelecimento da empresa envolvida", afirmou a porta-voz da Comissão, Lea Zuber, na terça-feira.

De acordo com Erixon, é mais provável que essas investigações da concorrência desencadeiem uma reação dos EUA do que a reativação das tarifas de retaliação sobre o aço e o alumínio, afirmando que as investigações antitrust da UE sobre as grandes tecnologias já fazem parte do nexo diplomático comercial entre a UE e os EUA. "A administração Biden já estava frustrada com o que considerava ser protecionismo digital na Europa e começou a elaborar algumas sanções comerciais contra as ações europeias", afirmou.

Com a Europa a planear a expansão das despesas militares, as armas poderão também entrar em jogo em qualquer disputa comercial: "Há muito mais comércio a acontecer agora", prevê Erixon. "Os países da NATO apontam para um objetivo de despesa de 3%, o que seria fortemente do interesse dos EUA." A abertura dos contratos públicos no sector da defesa à colaboração com os fornecedores americanos "seria uma ferramenta poderosa", segundo Erixon.

O diretor do Centro Europeu de Economia Política Internacional considera ainda que a redução para zero dos direitos aduaneiros sobre os veículos automóveis poderia também servir para convencer os americanos. A UE já tem acordos deste género com o Japão, a Coreia do Sul e a Turquia. "Esta opção não conduzirá a um aumento das exportações de automóveis da América para a Europa. Mas, mesmo assim, está-se a dar aos americanos uma oportunidade de maior acesso ao mercado", afirmou.

O fim da democracia liberal não é negociável

Aconteça o que acontecer, uma potencial guerra comercial irá testar mais uma vez a unidade dos europeus. Mas estes terão de reagir rapidamente às ações de Donald Trump. Serão os 27 Estados-membros capazes de reagir rapidamente? Nem toda a gente tem a certeza.

"Nem todos os países vão receber o mesmo acordo, será muito difícil manter a unidade", afirma Fabian Zuleeg, diretor executivo e economista-chefe do Centro de Política Europeia: "Os países que Trump considera mais amigáveis com os EUA terão uma saída". O especialista prevê que países como a Hungria, que o presidente dos EUA vê como amigos, poderão receber promessas de investimentos e melhores relações económicas.

Por outro lado, os acordos concluídos pelo Canadá e pelo México nos dias que se seguiram ao anúncio das sanções comerciais dos Estados Unidos mostram que não se trata apenas de comércio. Os mexicanos e os canadianos chegaram a acordos sobre migração e controlos fronteiriços.

"Dispomos atualmente de uma série de diferentes instrumentos de defesa comercial que serão utilizados. Mas a situação pode exigir uma resposta política muito mais alargada por parte dos europeus, que aborde também todas as outras questões que estão em cima da mesa, incluindo, por exemplo, a Gronelândia", afirmou Zuleeg.

Para os europeus, as questões de segurança também estão em jogo. "A discussão será também em torno da segurança europeia, da Ucrânia e de todas as outras questões que assustam a Europa", acrescentou o especialista.

No entanto, se as negociações se resumirem ao resultado final, a avaliação de Zuleeg parece sombria.

"Penso que o que Trump quer é a destruição da UE e o fim da democracia liberal. Mas agora essas não são concessões que possamos fazer", disse.

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