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Motor de desenvolvimento ou de danos irreparáveis? Parque solar planeado para Portugal abre polémica

Vista da central solar de Serpa, no sul de Portugal, quarta-feira, 28 de março de 2007.
Vista da central solar de Serpa, no sul de Portugal, quarta-feira, 28 de março de 2007. Direitos de autor  ANTONIO CARRAPATO/AP2007
Direitos de autor ANTONIO CARRAPATO/AP2007
De Ema Gil Pires
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A empresa por detrás do projeto promete "conciliar a produção de energia renovável com a valorização ambiental do território". Ainda assim, as associações ambientalistas e os municípios têm-se insurgido contra a implantação do Parque Solar Fotovoltaico Sophia. Quais os motivos?

Um novo projeto solar, que será sediado no distrito português de Castelo Branco, está a ser amplamente contestado tanto pelas associações ambientalistas como pelos próprios municípios. Chama-se Parque Solar Fotovoltaico Sophia e, segundo anunciado no site da empresa por detrás da iniciativa, a Lightsource bp, o seu objetivo passa por "conciliar a produção de energia renovável com a valorização ambiental do território e benefícios duradouros para as comunidades locais".

Tratar-se-á de um parque solar que deverá ser um dos maiores do país, com um total de 867 MWp de potência e que envolverá, de acordo com a Lightsource bp, um investimento de cerca de 590 milhões de euros. A empresa estima que o mesmo será capaz, no futuro, de "abastecer mais de 370 mil habitações e evitar a emissão de cerca de 24,5 mil toneladas de CO₂ por ano", com vista a contribuir "para as metas do Plano Nacional Energia e Clima 2030".

O projeto, que abrangerá os municípios do Fundão, Penamacor e Idanha-a-Nova, esteve em fase de consulta pública até ao passado dia 20 de novembro, durante mais de um mês, tendo angariado mais de 10 mil contribuições. Foi a consulta pública mais participada de sempre, com críticas a surgirem de várias partes, apesar de a empresa assumir, publicamente, que o projeto "integra um conjunto robusto de medidas de proteção ambiental e valorização da paisagem".

O que está, então, previsto no projeto, que impactos se espera que o parque solar tenha na região e de que modo a Lightsource bp está a encarar toda a polémica?

O que motivou a escolha do local e quando se prevê que esteja operacional

"A escolha do local de implantação de qualquer projeto de energia renovável, seja ele solar ou eólico, é a proximidade ao ponto de ligação à rede elétrica." A explicação é dada, em esclarecimento enviado à Euronews, pela própria Lightsource bp. "No caso do parque solar Sophia o ponto de ligação é a Subestação da REN do Fundão, vinculado através de um Acordo de Título de Reserva de Capacidade (TRC)", tendo a área selecionada para a sua implantação resultado de uma "análise técnica ambiental que confirmou esta opção como a de menor impacte num raio de 30 km ao redor da Subestação do Fundão".

A empresa refere ainda que, para elaborar o "Estudo Prévio que esteve em consulta pública", foi realizado "um trabalho exaustivo de recolha de informações ambientais refletindo um projeto em desenvolvimento há seis anos".

Neste momento, elabora a Lightsource bp, "o projeto Sophia está numa fase inicial de licenciamento, com entrada em operação prevista para 2030".

O que diz o Estudo de Impacte Ambiental

O documento, datado de setembro de 2025, detalha, entre tantos outros pontos, que esta central solar será "constituída por 1.365.588 módulos fotovoltaicos, que ocuparão uma área total, dividida em setores, de cerca de 390 hectares".

No Estudo de Impacte Ambiental, destaca-se ainda que o "modelo selecionado", neste caso, para a conversão da energia solar em elétrica, tem como "vantagens" uma elevada "eficiência", "fiabilidade" e "rendimento energético".

Além do mais, a análise realizada indica que a proposta "não abrange áreas da Rede Nacional de Áreas Protegidas ou Sítios da Rede Natura 2000", destinadas a garantir a proteção de zonas naturais reconhecidas e a conservação da biodiversidade, respetivamente. Ainda que "a área de implantação" da central se sobreponha "ao Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO, reconhecido pelo Programa Internacional de Geociências e Geoparques da UNESCO".

Outra das principais conclusões prende-se com o facto de a fase de construção do parque solar constituir "o período mais crítico ao nível dos impactes negativos, nomeadamente sobre os descritores usos do solo, flora, vegetação, habitats, fauna e paisagem". Alerta-se, inclusive, que os maiores riscos estão associados "à desmatação, abertura de caminhos e à construção da subestação" da própria central.

Afirma-se, no entanto, que nessa mesma fase de construção, "as comunidades vegetais afetadas pela implementação dos projetos apresentam predominantemente reduzido valor conservacionista e/ou ecológico". Ainda que se reconheça que será necessário "abater ou afetar indivíduos de azinheiras ou de sobreiros isolados" - 1.120 e 421 de cada, respetivamente.

Já relativamente à fauna, "durante a fase de construção prevê-se a ocorrência de diversas ações que poderão conduzir a efeitos negativos para os diferentes grupos faunísticos".

Entre outros tantos pontos dignos de consideração nesta análise, recorda-se que a implantação da central "dará origem a impactes paisagísticos" num local que fica nas proximidades de "três aldeias históricas, nomeadamente, Castelo Novo, Idanha-A-Velha e Monsanto".

Salienta-se ainda, ao "nível do património", que a fase de construção "comporta um conjunto de intervenções e obras potencialmente geradoras de impactes genericamente negativos, definitivos e irreversíveis". Mas também a existência de "um impacte económico extremamente importante e significativo" por via do "arrendamento das terras" por um período de "40 anos", mas igualmente de "um investimento de cerca de 590 milhões de euros, fundamentalmente, através da captação de capitais externos".

Conclui-se também que "a conceção do projeto garantiu a não colocação de painéis fotovoltaicos em solos agrícolas integrados na RAN [Reserva Agrícola Nacional]", que, fruto das suas características, apresentam maior aptidão para a atividade agrícola. E que "para além de reuniões mantidas com os municípios e com a [rede] Aldeias Históricas, foram também tidas reuniões setoriais e de trabalho com a APA [Agência Portuguesa do Ambiente] e ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], em fase precoce de desenvolvimento, para apresentação e discussão do projeto".

Que consequências se estimam ao nível dos territórios?

A Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, que engloba, entre outros, os três municípios onde a central se localizará, manifesta, em comunicado, uma "posição desfavorável" face à concretização do mesmo, por ter "enormes impactos na comunidade e no território da Beira Baixa". O qual, recorda-se, é também "reconhecido por acolher Aldeias Históricas, Aldeias do Xisto e um vasto património histórico, material e imaterial".

Entre as principais críticas ao projeto, cita-se, por essa via: a "significativa e contínua extensão da área que se prevê artificializar", que resultaria numa "incontestável degradação da paisagem"; os "impactos não negligenciáveis sobre os espaços de conservação e de produção abrangidos, os habitats e espécies de fauna e flora protegidas"; e as "consequências nefastas, dada a escala da instalação, sobre outros usos do território, comprometendo o desenvolvimento associado ao turismo e aos modos de produção tradicional e biológico".

Em declarações à Euronews, João Lobo, autarca de Proença-a-Nova que é, também, presidente da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, detalha aquelas que são as preocupações dos vários municípios que se inserem nesta comunidade face àquele que será o “impacto visual” que este projeto terá “ao nível da paisagem”.

“Estamos todos focados naquilo que tem a ver com a transição energética e com a condição de, também, termos parques solares", começa por explicar. Mas assinala, no entanto, que estes parques solares devem ser "avaliados" de modo a garantir a sua instalação em "localizações que não afetem o que nós temos como um valor maior, relativamente à paisagem [...], à biodiversidade, à geodiversidade, aos espaços florestais e mesmo à parte agrícola", e critica também a "dimensão" prevista para o parque solar.

O presidente da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa estima que os impactos poderão ter consequências ao nível da atratibilidade da região para quem a visita e, logicamente, ao nível do turismo. "Seria um revés relativamente àquilo que são anos passados por estes territórios a traduzir a importância e a valorização desses mesmos espaços [...], se, hipoteticamente, este parque fosse avante conforme está dimensionado", defende.

Para o autarca de Proença-a-Nova, os danos serão mesmo irreparáveis: "Quando nós temos uma área a ser abrangida pela central [solar], esta depois não pode ser usufruída e, além disso, aquela área não vai ser substituída por outra. [...] Situação diversa é, como está em causa, uma população arbórea de uma certa espécie ser possível de realocar, replantar, introduzir noutro espaço", salienta.

João Lobo concluiu dizendo que "há espaço, com certeza, para as centrais fotovoltaicas", e que os municípios compreendem, "do ponto de vista das empresas", a aposta em projetos desta envergadura "para o processo ser vantajoso economicamente", mas alerta que é necessário "ter bom senso". E conclui: "De aliar aquilo que é esta transição energética, a construção de parques solares [...], mas não à custa de retirarmos aquilo que é a monumentalidade da natureza e da paisagem, que é um bem público de que todos usufruimos".

O projeto Sophia será também um motor de desenvolvimento local, uma vez que o valor acrescentado será partilhado com a comunidade.
Lightsource bp

Sobre estas preocupações veiculadas pelas populações, aqui pela voz dos municípios, a empresa deixa a garantia de que pretende "assegurar" que os "benefícios" derivados da iniciativa "se concretizam no terreno e que o projeto deixe um legado positivo no território". E acrescenta: "O projeto Sophia será também um motor de desenvolvimento local, uma vez que o valor acrescentado será partilhado com a comunidade."

E apesar do Estudo de Impacte Ambiental anteriormente citado referir que foram mantidas reuniões com os municípios "em fase precoce de desenvolvimento, para apresentação e discussão do projeto", o autarca João Lobo referiu ainda que a Lightsource bp não se empenhou o suficiente nessa tarefa.

"Este processo iniciou-se mal do ponto de vista daquilo que era o contacto com as entidades, com a população, daquilo que era promover as suas preocupações primeiras e, depois, tentar daí realizar, de facto, a operação", elabora o presidente da Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa, acusando a empresa de falta de "assertividade" a esse nível no momento da "estruturação" da iniciativa.

Ainda assim, faz questão de lembrar que "qualquer autarca está sempre disponível a que haja investimento no seu território", manifestando total abertura para "ouvir" todos os que queiram desenvolver iniciativas que possam beneficiar as comunidades locais.

As acusações, no entanto, são rebatidas pela Lightsource bp. "O projeto está a ser desenvolvido com pleno respeito pelas comunidades e instituições locais. Ao longo dos anos, foram mantidos contactos com as Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia da área abrangida pelo projeto", garante a empresa à Euronews.

A entidade sustenta ainda que a "equipa do projeto contactou já cerca de 30 entidades públicas e privadas, incluindo autarquias e autoridades setoriais, para garantir que o projeto Sophia evolui de forma transparente, rigorosa e alinhada com as comunidades".

E a nível ambiental?

Já no que diz respeito aos impactos estimados sobre os ecossistemas, a Lightsource bp assegura, em esclarecimento enviado à Euronews, que o "projeto integra um conjunto robusto de medidas de proteção ambiental e valorização da paisagem". Dos quais destacou, nomeadamente, "a preservação a 100% de todos os sobreiros e azinheiras em povoamento ou núcleos de alto valor ecológico, a preservação a 100% de todos os solos de Reserva Agrícola Nacional, dispositivos de proteção da avifauna e proteção e gestão de habitats ribeirinhos".

A empresa compromete-se ainda, e tal como é referido no próprio Estudo de Impacte Ambiental, com a "conversão de 135 hectares de eucaliptos em povoamentos de sobreiros e azinheiras". Detalhando, a este nível, que prevê avançar "com a plantação de cerca de 27 mil destas árvores autóctones", mas também com a "reabilitação ecológica de áreas degradadas".

A Lightsource bp justifica igualmente que a "intervenção garantirá também um aumento da resiliência do território a fogos rurais e a melhoria da conectividade ecológica entre habitats naturais". Isto porque o projeto, segundo a empresa, integra ainda um "Plano de Estrutura Verde de 228 hectares", igualmente citado no Estudo de Impacte Ambiental, que "reforça a capacidade do território para reter carbono" ao, nomeadamente, converter o "eucaliptal em montado de sobro e azinho".

Mas apesar destas garantias, Ricardo Filipe, membro da associação Zero e responsável pelo acompanhamento da temática das energias renováveis, denuncia em declarações à Euronews o abate previsto de "florestas que não estão no estado de maturação ao nível de um habitat prioritário", mas que "estão a caminhar" nesse sentido.

A título de exemplo, critica o Estudo de Impacte Ambiental realizado recentemente por manifestar, na ótica da Zero, "uma desvalorização muito grande em relação ao arvoredo que não é [classificado como] protegido", fazendo referência ao abate de "20 hectares de carvalho-negral". "Como [estes exemplares] não são protegidos", argumenta-se, na análise, que "o impacto [do abate] é pouco significativo", lamenta.

Já no que toca ao "abate de árvores protegidas", Ricardo Filipe denuncia que afetará "cerca de 1.500 sobreiros e azinheiras" que não estão, no entanto, "em áreas classificadas", tal como citado no Estudo de Impacte Ambiental. E denuncia também, neste âmbito, a "ocupação" de zonas "de Reserva Ecológica Nacional (REN)", que visa a proteção dos recursos naturais, como a água e o solo, num total de "cerca de 30 hectares".

O especialista da Zero consultado pela Euronews prevê que existirão também consequências ao nível dos solos, pois, segundo os seus cálculos, "1.060 hectares" serão dedicados à "colocação dos painéis solares, incluindo os corredores" entre estes, os quais serão "desmatados e o solo vai ser decapado". Ou seja, "a parte de cima do solo", que corresponde a "no mínimo, uma camada de 10 centímetros", será "removida".

E detalha o que está em causa: "Na prática, significa que vamos ter 1.060 hectares com terra 'despida', e expor esta quantidade de hectares à erosão, aos fenómenos climáticos, na nossa ótica, tem um impacto brutal, também muito pela dimensão dos 1.060 hectares", resume.

Está a ser realizado um trabalho mal feito, porque está a dar-se muito peso às megacentrais [em Portugal].
Ricardo Filipe
Associação Zero

Aliás, Ricardo Filipe destaca também que, na perspetiva da associação que representa, "a própria dimensão" da central solar em causa, que abrangerá um total de "cerca de 1.700 hectares de área vedada", é, por si só, um problema**.** "Está a ser realizado um trabalho mal feito, porque está a dar-se muito peso às megacentrais" em Portugal, a "projetos com mais de mil hectares", refere. E, numa altura em que "as centrais estão a surgir 'como cogumelos'", o ambientalista critica a forma como toda esta aposta tem vindo a ser pensada a nível nacional.

Defende, assim, que "tem de haver um estudo a nível nacional [...], para ver quais são as áreas com potencial energético, e [de modo a] cruzar essa informação com os valores ecológicos e, também, sociais". Tudo com vista a "detetar quais são as áreas mais propícias às energias renováveis, mas que não impliquem tantos conflitos sociais e ambientais".

Comentários que surgem já depois de várias associações ambientalistas terem vindo a divulgar comunicados de imprensa, ao longo dos últimos dias, anunciando o seu parecer desfavorável ao modo como o projeto fotovoltaico Sophia está a ser pensado. É o caso, por exemplo, da associação Zero, mas também da QUERCUS, da FAPAS (Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade)e do Rewilding Portugal, entre outras, que, para além de alertarem para os impactos ambientais inerentes à proposta, destacaram as consequências que dela poderão advir a nível social.

Na nota divulgada pela associação Zero, por exemplo, critica-se o desenvolvimento de projetos, como se considera ser este o caso, "que são a antítese do ordenamento do território" e onde prevalece "a inexistência de partilha de benefícios com as populações locais e a desvalorização dos efeitos socioeconómicos e paisagísticos". Algo que, na ótica da entidade, "pode minar seriamente os objetivos de neutralidade climática estabelecidos para as próximas décadas". De declaração acrescenta que a "enorme contestação que se está a gerar à volta deste megaprojeto" pode "criar um ambiente social desfavorável à aceitação das energias renováveis em Portugal".

Lightsource bp garante abertura para "melhorar o projeto"

Face a toda a discussão pública que tem surgido em torno da central solar fotovoltaica Sophia, a Lightsource bp assegura que, "para a preparação do Projeto de Execução" propriamente dito, se propõe a "organizar sessões informativas e participativas na área abrangida, com o objetivo de melhorar o projeto", numa postura de "contacto permanente com as autoridades e comunidades locais".

A entidade recordar, aliás, que o "projeto e a sua Avaliação de Impacte Ambiental estão ainda numa fase inicial de desenvolvimento", o que permitirá "que o projeto seja detalhado e ajustado de acordo com as recomendações das entidades e contributos da consulta pública". Esta última, detalha ainda, "representa" apenas "o primeiro passo de um processo ambiental longo e rigoroso" que não está terminado.

Aliás, esclarece a Lightsource bp, a proposta "será novamente submetida a consulta pública", pelo que este é um processo ainda em curso - e existindo, portanto, várias oportunidades para que o projeto sofra alguns ajustes.

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