Quando o tempo passa a clima

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Nós acompanhamos constantemente o tempo à medida que este aquece ou arrefece, se torna mais húmido ou seco. E a longo prazo – ou seja, ao longo de décadas ou séculos – quando é que o tempo passa a clima?

“Não é possível afirmar que uma estação ou um mês invulgar se pode atribuir diretamente às mudanças climáticas; não é possível porque na atmosfera reina o caos” afirma Adam Scaife, Chefe do Departamento de Previsão do Clima, Gabinete de Meteorologia, Reino Unido.

A única maneira de fazer sentido do caos atmosférico é olhar para as grandes tendências. Hoje em dia fazêmo-lo a partir do espaço o que é uma grande vantagem. Mas para o tempo se tornar clima, a história desempenha aqui um papel fundamental.

A fim de compreender melhor este conceito complexo a euronews foi visitar o Eumetsat na Alemanha. É aqui que tem início o processo de previsão do tempo. O mundo das observações meteorológicas é dominado por um exército de satélites e o Eumetsat coordena tudo isto. É este organismo que detém e gere a frota europeia destas máquinas de alta precisão. Isto significa que gere duas classes de satélites com órbitas muito diferentes.

Stefane Carlier, Gestor de projeto MSG na Agência Espacial Europeia, adianta “a primeira órbita é geoestacionária, fica a 36 mil quilómetros da Terra. Observamos sempre a mesma área do planeta; a taxa de actualização é muito elevada e conseguimos dados em tempo real porque o satélite está sempre alinhado com a base na Terra. No entanto, falta a visibilidade nos pólos. Para tal utilizamos os satélites polares. Eles deslocam-se entre os pólos e ao fazê-lo acompanham ainda o movimento do planeta. Assim acabamos por ver o planeta completo.”

A Agência Espacial Europeia desenvolveu os satélites utilizados pelo Eumetsat. Estes satélites tornaram-se incrivelmente potentes – os satélites polares MetOp proporcionam medidas de temperatura e humidade de alta definição enquanto os satélites Meteosat oferecem uma dúzia de imagens diferenciadas da Terra quase em tempo real.

Será que por utilizarmos satélites sabemos hoje em dia mais sobre o tempo do que no passado? E quanto ao clima? Como se define e compreende esse conceito?

Johannes Schmetz, cientista chefe do Eumetsat explica que o clima de referência é “a média de todos os parâmetros, as medidas geofísicas, como a temperatura, a humidade, ao longo de 30 anos. Os satélites não cobrem o período climático correspondente aos últimos dois séculos. Os únicos registos credíveis de temperatura da atmosfera remontam apenas a 1979.”

É por isso que os dados de satélite dos últimos 30 anos são um bem precioso para os meteorologistas. Enquanto estes trabalham com os dados fornecidos pelos satélites Eumetsat e conseguem prever o que vai acontecer na atmosfera nas próximas horas, os climatologistas cobrem um período mais alargado debruçando-se sobre os últimos meses ou anos analisando o que aconteceu.

De acordo com Adam Scaife, Chefe do Departamento de Previsão do Clima do Gabinete de Meteorologia do Reino Unido, “os dados históricos têm duas utilizações principais. A primeira é que ao olharmos para os dados históricos podemos compreender os altos e baixos e a variabilidade; podemos então testar os nossos modelos de computador para ver se conseguem reproduzir os mesmos altos e baixos; isto é, se foram bem codificados, se contêm a ciência e a física corretas. A segunda utilização dos dados históricos é para testar as previsões. Assim, começamos antes do inverno apenas com aquilo que saberíamos na altura e tentamos prever como vai ser o próximo inverno. Fazemos isso todos os anos e depois verificamos se os resultados se coadunam com os dados históricos.”

É por isso que é preciso recuar no tempo e procurar registos meterológicos que se estendam por vários séculos. Só assim é possível identificar tendências de longo prazo assim como as variações naturais do clima.

Um dos locais de eleição para fazer pesquisa é a Biblioteca Britânica. É aqui que se encontra um enorme espólio de observações meteorológicas que está agora a ser estudado pelo climatologista Philip Brohan. “Aquilo que nos interessa é tentar descobrir como o tempo varia a longo prazo. Sabemos muito sobre o tempo presente, graças aos satélites e outros dados que são tratados pelo Gabinete de Meteorologia. Mas se há uma grande tempestade as pessoas perguntam, “É isto que acontece de tempos a tempos, é isto que resulta das mudanças climáticas?” É muito útil ser capaz de comparar o tempo, em particular as tempestades, as secas ou as inundações com os registos históricos”, defende Philip Brohan.

Alguns desses registos históricos começaram no alto mar. A Biblioteca Britânica tem os diários de bordo dos barcos da Companhia Britânica das Índias Orientais que fazia comércio com a Índia e China nos séculos 18 e 19. Esta instituição tem cerca de 9 mil diários de bordo desta companhia que datam desde 1605. Para a Companhia Britânica das Índias Orientais estes dados são muito úteis para a história do clima desde 1789 porque foi a partir daqui que os oficiais passaram a manter um registo objetivo e preciso do tempo. Os dados meteorológicos históricos são um recurso rico porque as informações são directamente anotadas num dado local a dada hora – mas será que são úteis na idade dos satélites?

Para o cientista Johannes Schmetz, “os satélites medem de forma muito diferente. Nós medimos os campos de radiação no estrato superior da atmosfera. Estes campos de radiação contêm informação sobre os parâmetros geofísicos que nos interessam, tais como os perfis de temperatura, os perfis de humidade, concentração de ozono na atmosfera ou, outro exemplo, seria a velocidade do vento na superfície do mar. O princípio de medida é muito diferente; os satélites medem algo e os parâmetros geofísicos que nos interessam são inferidos a partir daí.”

O que liga os dados históricos aos de satélite é que as leis fundamentais da física que governam o clima não mudaram. Isso significa que ambas as fontes de informação ajudam os cientistas a refinar os modelos climáticos. E ambos contribuem para analisar a questão subtil de quando é que tempo instável passa a ser mudança climática.

“Um evento individual não constitui prova de mudança. Uma prova de mudança é um evento estatístico relevante de longo prazo. Isso quer dizer que uma ocorrência não tem significado estatístico. Muitos destes acontecimentos têm significado. Por exemplo, se todos os verões forem mais quentes então passa a existir um registo estatístico e provado matematicamente que o clima está a mudar,” adianta Johannes Schmetz, cientista chefe do Eumetsat.

Combinar estes simples registos com os dados de alta precisão e densidade provenientes de satélites permite-nos estabelecer a fronteira entre tempo e clima assim como identificar as variações naturais no nosso tempo e como os gases que provocam o efeito de estufa estão a modificar a atmosfera.

Bonus interview: Adam Scaife

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