Ilham Kadri, assumiu a direção exectuiva da multinacional química Solvay, em 2019. Diz não ter medo das metas de neutralidade carbónica determinadas pelo Acordo de Paris e querer colocar a empresa não só no caminho da sustentabilidade, como no da inclusão.
A ascensão de Ilham Kadri até ao topo estava longe de ser inevitável, mas, hoje em dia, a empresária é uma das líderes mais poderosas do mundo dos negócios, de acordo com a revista Fortune.
Diretora executiva da multinacional química Solvay desde 2019, dá cartas num mundo dominado por homens e tem como missão colocar a companhia que dirige no caminho da sustentabilidade ambiental, assegurando, ao mesmo tempo, a financeira.
A sua história é uma história de sucesso inscrita nas tendências e nos ideais da atualidade: diversidade, inclusão e ambiente.
Isabelle Kumar, Euronews: Sei que um mantra importante para si é o dos 3 Ps : Pessoas, Lucro [_Profit_], Planeta. Se tiver de escolher um, qual é o mais importante?
Ilham Kadri: Pessoas. As pessoas precisam de uma casa chamada o planeta. Não há pessoas, não há famílias, não há sociedade sem o ambiente. Portanto, o planeta é a nossa casa, mas o mais importante são as pessoas e a humanidade.
I.K.: Uma coisa que penso ser realmente interessante em si é ser hoje uma mulher de negócios com muito sucesso, e ter trabalhado muito por isso, mas não ser esse o destino mais previsível. Cresceu em Casablanca, foi educada pela sua avó, que lhe incutiu alguns valores muito fortes. Que valores foram esses que definem quem é hoje?
I.K.: A minha avó foi o meu primeiro modelo a seguir. Ela era uma mulher analfabeta, mas ensinou-me o amor pelos livros e a respeitar as pessoas que põem os seus pensamentos e sabedoria por escrito. Sendo uma senhora nascida em África, ela adorava ouvir a sabedoria, e eu recebi-a dela.
Ela ensinou-me muitas coisas. Ensinou-me a encontrar a minha terceira saída, porque às raparigas em Marrocos era dito que tinham duas saídas nas suas vidas: uma da casa do pai para a casa do marido e a segunda para o túmulo. E ela costumava rir-se disso e dizer: "isto não é sexy, por isso encontra a tua terceira saída". A minha foi a educação.
I.K.: Muitas pessoas podem não saber o que é a Solvay, mas diz que está em todo o lado nas nossas vidas. Pode explicar brevemente o que é a Solvay?
I.K.: A Solvay é uma empresa com 159 anos de existência. Já existe há muitos, muitos anos. Encontra-a debaixo do capot do seu carro, por exemplo, em baterias para veículos elétricos. Não há nenhum carro eléctrico sem a Solvay no seu interior. Encontra-nos em soluções farmacêuticas. Nós purificamos água, água cinzenta. Estamos na higiene e limpeza, como, por exemplo, nos géis que usamos hoje em dia para combater a covid-19. Estamos no carbonato de sódio, o nosso negócio muito tradicional, em vidro, vidro duplo, em automóveis, na construção civil.
A Solvay é invisível, mas permite que outras indústrias existam. Por isso dizemos que a indústria química é a mãe das indústrias.
I.K.: O que é incrível na sua história é que conseguiu realmente quebrar duas barreiras, sendo uma obviamente o facto de ser uma mulher e a outra, de origem africana. Como é que isso mudou quem é enquanto líder empresarial?
I.K.: De certa forma, Isabelle, não tinha como objetivo quebrar nenhuma barreira, mas apenas viver a minha vida, viver os meus sonhos e seguir a minha paixão. Soube muito cedo que era apaixonada pela ciência e pela tecnologia. Eu sabia. Eu queria seguir física, química e matemática. Formei-me em engenharia. Fiz uma tese de doutoramento. Depois passei a estar apaixonada ou interessada pela sustentabilidade.
A razão para isso é a sustentabilidade ter começado em casa, em Marrocos, em Casablanca, porque vivíamos num ambiente muito frugal e a conservação dos alimentos e da água significava muito nessa altura.
I.K.: Mas não há muitas mulheres na indústria neste momento, se olharmos para a indústria química.
I.K.: Isso é verdade.
I.K.: O que é que conseguiu até agora para tentar mudar esse paradigma?
I.K.: Tem razão, nós perdemo-las. Perdemo-las especificamente em carreiras científicas, tecnológicas, de engenharia e de matemática. Perdemo-los por muitas razões, boas ou más. Perdemo-las talvez porque na escola haja uma inclinação para seguirem mais um percurso biológico ou funcional, do que carreiras científicas e empresariais. Perdemo-las durante períodos importantes da vida familiar, como a maternidade. Já passei por isso, de uma forma muito difícil. É duro. E perdemo-las, porque não lhes construímos um caminho. Não as preparamos. Eu fui preparada como uma atleta para este cargo.
I.K.: Como?
I.K.: Através de planos de desenvolvimento. As empresas têm acreditado em mim.Tive mentores e patrocinadores. A diferença é que os mentores falam connosco, ajudam-nos ao longo de toda o percurso. O patrocinador fala de nós quando não estamos na sala, quando os trabalhos mais importantes estão a ser discutidos.
Talvez as mulheres e as raparigas precisem de cuidar mais de ambos, trabalha tanto a mentoria, como os patrocínios. Por isso, penso que tudo isto é importante e depois, obviamente, persistência, resistência e trabalho árduo.
I.K.: Quando falamos de inclusão, referimo-nos à paridade de género, mas também à inclusão da deficiência, a incluir pessoas de diferentes etnias, falamos também sobre direitos LGBT. Então, como é que, enquanto pessoa, pode mudar um ecossistema de uma empresa que contrata dezenas de milhares de pessoas?
I.K.: A diversidade na Solvay é diversidade de género, claro, mas também diversidade de raça, etnia, religião, cor da pele, experiências, pensamentos, deficiência. Tudo isso é importante. Quando se tem diversidade, é preciso haver inclusão. A propósito, colocamos o "I" antes do "D" na Solvay. Porque muitas vezes na minha carreira, já vi a diversidade perder-se porque não a ouvem. Esse tema diz-me muito, porque sou um produto puro de inclusão e diversidade.
Foi-me dada uma oportunidade, mas não fiquei à espera dessa oportunidade, provoquei-a e quando surgiu à minha frente, quando ela chegou, agarrei-a. E a propósito, Isabelle, não o fazemos por caridade, isto tem um impacto profundo. Torna as empresas mais fortes, mais lucrativas. Os nossos empregados, os millennials, os futuros líderes, pedem-nos esses ambientes.
I.K.: A sustentabilidade é um dos atuais pontos de viragem e pode também ser lucrativa, não é? Mas quando é que será lucrativa? E estará a Solvay pronta para ir tão longe ao ponto de se tornar numa empresa de emissões zero?
I.K,: Claro que tem de ser rentável, porque se não for rentável, não é sustentável, não é? Mas a beleza disto é que a ciência e a tecnologia são a resposta e são elas que vão criar novas soluções. Estamos a seguir esse caminho. Aderimos ao acordo de Paris, que é um grande acordo, porque estamos a abandonar o carvão e esta empresa começou há 159 anos com o negócio do carbonato de sódio, utilizando o carvão como energia primária.
Não sabemos como vamos abandonar todo o carvão enquanto fonte energética do setor industrial, em todo o mundo, até 2030. Mas comprometemo-nos a fazê-lo.
Por isso, não devemos ter medo. Acho que as empresas que não aproveitarem este relançamento ecológico e não levarem a sério este caminho para a sustentabilidade vão falhar e desaparecer. Vão ter o seu momento Kodak.
I.K.: Mas em termos de clima, em termos de ambiente, quando olhamos para estas enormes fábricas da indústria química, elas de facto não parecem lugares particularmente verdes. Quão poluente é hoje a Solvay?
I.K.: Faz parte da viagem da indústria química. É claro que a indústria química é um dos emissores de CO2. Precisamos de ter em vista a neutralidade de carbono, mas não o podemos fazer sozinhos. É necessária uma parceria. É necessária uma parceria público-privada.
Nós, como empresa, vamos ser disruptores no redesenho dos nossos produtos desde o princípio para nos tornarmos circulares. O grande exemplo que estamos a trabalhar em colaboração com a Veolia é a reciclagem de baterias. As baterias dos carros, no fim da sua vida útil, são deitadas fora. E uma bateria é o quê? É um cátodo e um ânodo. Está cheia de metais preciosos, lítio, cobalto. Se conseguirmos extrair esses materiais, lá está, se utilizarmos os resíduos, os resíduos deixam de ser resíduos!
I.K.: A covid-19 trouxe mais miséria à vida de milhões de pessoas em todo o mundo, mas, curiosamente, também tenho ouvido dizer cada vez mais que se tem tornado num acelerador de mudança nas grandes empresas. Será isto algo que também tem visto a nível da administração?
I.K.: É a primeira vez que corremos vários riscos de forma independente, mas que nos atingem. Primeiro a segurança e a segurança das nossas pessoas. Em março, eu era a chefe de máscara em vez de diretora executiva. Estávamos todos a ter muitas dificuldades em encontrar máscaras suficientes para proteger os nossos empregados. Tivemos de proteger a nossa liquidez e finanças, porque sem liquidez não se sobrevive. Tivemos de tomar conta da nossa cadeia de valor e dos nossos clientes para não perturbar as cadeias de abastecimento, porque as fronteiras estavam a fechar como vimos na Europa.
Disse às nossas equipas que tínhamos dois caminhos, um era queixarmo-nos e desculparmo-nos, porque a conjuntura era realmente má, também por estarmos expostos ao transporte. O segundo caminho era acelerar a reforma e emergirmos mais fortes. Os empregados da Solvay tomaram o segundo caminho. É espantoso, estou tão orgulhosa deles, porque, após nove meses de crise, somos uma empresa melhor, acredito mesmo nisso.
I**.K.: Este tem sido um período realmente difícil. Como diretora da Solvay, também está envolvida em reestruturações, perda de postos de trabalho. Como dorme à noite sabendo que a vida das pessoas está a ser destruída à medida que o mundo avança?**
I.K.: É difícil e doloroso. Nenhum diretor executivo trabalha para reestruturar. Nós gostamos de crescer. Gostamos de criar empregos. Aprendi a ousar e a cuidar. Atrever-me a tomar decisões difíceis, esse é o meu papel com o meu gabinete executivo, assegurar que a empresa sobrevive à crise e a reestruturação infelizmente pode fazer parte desses momentos difíceis. Se eu não o fizer, vamos falhar e mais empregos vão desaparecer. Mas é preciso fazê-lo com cuidado e respeito.
Lançámos o fundo de solidariedade Solvay. A minha equipa e eu, reduzimos os nossos salários em 15%, no mesmo ano do conselho de administração, e apelámos aos investidores para doarem parte dos seus dividendos a esta fundação para apoiar os nossos empregados, as suas famílias e as comunidades necessitadas por causa da covid-19. E já agora, em seis semanas, angariámos 12 milhões de euros.
I.K.: Ao analisar o seu percurso profissional, os mentores têm sido muito importantes. Ainda procura mentores, mas entre os membros mais novos, os jovens. Porquê? O que é que lhe ensinam?
I.K.: Eles ensinam-me muito. Ensinam-me a desaprender e reaprender. Estão a passar-me o seu conhecimento, porque, no fim de contas, o papel de um CEO, de um líder, é deixar um legado e passar o testemunho que me foi dado, com a empresa em melhor forma do que aquela que herdei, a eles, a estes jovens.
Eles têm os desafios de proteger o planeta. Eu cresci com sustentabilidade em casa. Essa é a minha história pessoal. Mas eu não cresci a pensar que precisava de salvar o planeta. Eles, sim. Tenho muita empatia e respeito pela geração futura que nos vai substituir. Por isso, preciso de os ouvir e é o que eu faço. E eles são muito generosos com a sua sabedoria.
I.K.: Então diga-nos, de tudo o que aprendeu através do seu percurso profissional que a levou por todo o mundo a trabalhar para múltiplas empresas, o que é que a torna numa boa líder?
I.K.: Para a liderança é preciso ter inteligência emocional, é preciso ter empatia. É preciso ousar mostrar vulnerabilidade, a vulnerabilidade é uma força e não uma fraqueza. E eu acredito verdadeiramente que os líderes que não têm esses atributos vão falhar e desaparecer.
I.K.: Qual é a sua vulnerabilidade?
I.K.: Pessoas. Eu amo-as. Gosto de estar ao serviço da humanidade. Mas sei como ousar e cuidar.
I.K.: Recebeu obviamente alguns bons conselhos ao longo do caminho. Qual é o melhor conselho que pode dar?
I.K.: Tenham um sonho e vivam os vossos sonhos, vão atrás deles. E sonhem em grande, mais alto do que aquilo que acreditan poder alcançar, sonhem alto e vão atrás dos sonhos.