Análise identifica 1 600 representantes dos combustíveis fósseis na cimeira do clima da ONU no Brasil, número superior ao de quase todas as delegações nacionais
Um em cada 25 participantes na COP30 é lobista de combustíveis fósseis, segundo uma nova análise da coligação Kick Big Polluters Out (KBPO).
Foram identificados mais de 1 600 lobistas dos combustíveis fósseis com acesso à cimeira do clima da ONU em Belém, superando de forma significativa quase todas as delegações nacionais nas negociações. Só o país anfitrião, o Brasil, levou mais pessoas, com uma delegação de 3 805.
A KBPO diz que isto representa um aumento de 12 por cento face às negociações do ano passado em Baku, no Azerbaijão, e é a maior concentração de lobistas dos fósseis numa COP desde que a coligação começou a analisar participantes, em 2021.
Na COP30, há menos representantes do setor fóssil do que na COP29, em Baku, no ano passado, mas a sua proporção é maior, porque o número total de participantes em Belém é inferior.
Quem é considerado lobista de combustíveis fósseis
Para a sua análise, a coligação KBPO usa a lista provisória de participantes na COP30 publicada pela UNFCCC a 10 de novembro. Recorre apenas à informação dessa lista para determinar se um delegado tem ligações que o qualifiquem como lobista dos combustíveis fósseis.
A definição abrange qualquer delegado que represente uma organização ou delegação com o objetivo de influenciar a política climática a favor da indústria dos combustíveis fósseis ou de empresas específicas do setor.
Inclui representantes financeiros de instituições que, desde a assinatura do Acordo de Paris, canalizaram financiamento significativo para empresas de combustíveis fósseis.
Lobistas dos fósseis superam delegados de países vulneráveis
A análise concluiu que os lobistas dos combustíveis fósseis são 50 vezes mais do que os delegados oficiais das Filipinas, apesar de o país ter sido atingido por tufões devastadores durante a conferência do clima.
“Dias depois de cheias e tufões de enorme intensidade nas Filipinas, e numa altura de secas, vagas de calor e deslocação de populações cada vez mais graves em todo o Sul Global, vemos as próprias empresas que alimentam esta crise a receberem palco para imporem as mesmas ‘soluções’ falsas que sustentam os seus lucros e minam qualquer esperança de enfrentar de facto a emergência climática”, disse Jax Bonbon, da Kick Big Polluters Out e da IBON International, nas Filipinas.
“A COP30 promete ser uma ‘COP da Implementação’, mas falhou, até agora, em cumprir até uma exigência básica e há muito reclamada: afastar os Grandes Poluidores de uma conferência supostamente destinada a enfrentar a crise que criaram.”
Há 40 vezes mais lobistas dos combustíveis fósseis do que participantes da Jamaica, país ainda a recuperar do furacão Melissa, que foi potenciado pelas alterações climáticas.
No conjunto, os lobistas dos fósseis receberam dois terços mais credenciais para a COP30 do que, somados, todos os delegados dos 10 países mais vulneráveis ao clima.
De onde vêm os lobistas dos fósseis
As grandes associações setoriais continuam a ser o principal veículo de influência do setor fóssil, segundo a coligação KBPO. A International Emissions Trading Association levou 60 representantes, incluindo delegados das petrolíferas ExxonMobil, BP e TotalEnergies.
Esta é a primeira destas cimeiras anuais da ONU em que se espera que todos os participantes não-governamentais divulguem publicamente quem financia a sua presença e confirmem que os seus objetivos individuais se alinham com os da UNFCCC. A nova exigência, porém, não se aplica a quem participa com credenciais governamentais.
Para a KBPO, trata-se de um “lapso preocupante”, tendo em conta que 164 lobistas dos fósseis entraram com credenciais governamentais.
Um estudo separado da Transparency International concluiu que 54 por cento dos participantes nas delegações nacionais ou não divulgaram o tipo de afiliação que têm ou escolheram uma categoria vaga, como “Convidado” ou “Outro”. Várias delegações nacionais, incluindo as da Rússia, Tanzânia, África do Sul e México, não divulgaram a afiliação de nenhum dos seus delegados com credencial de Parte, diz a organização.
“Na COP29, a nossa análise mostrou que quase um em cada seis participantes não revelou detalhes das suas afiliações, muitos deles ligados a interesses fósseis”, explica Maíra Martini, CEO da Transparency International.
“O padrão repete-se na COP30: mais de metade dos membros das delegações omite ou obscurece as suas afiliações, o que ameaça minar a confiança e desviar as decisões das necessidades das pessoas e do planeta.”
Que países da UE levaram representantes dos fósseis à COP30
Uma carta aberta da Fossil Free Politics ao comissário do Clima, Wopke Hoekstra, no início do ano, pediu à UE que protegesse as negociações climáticas da ONU da influência da indústria fóssil e que não levasse lobistas dos combustíveis fósseis à COP30.
A UE parece ter tomado nota: as únicas pessoas na sua delegação que não pertencem a instituições europeias ou aos seus consultores eram três jornalistas e cineastas.
“É um sinal forte da Comissão Europeia não levar lobistas dos combustíveis fósseis à COP pelo segundo ano consecutivo”, diz Kim Claes, responsável pela campanha Corporate Capture na Friends of the Earth Europe.
“Agora é altura de consagrar esta abordagem na política da UE e garantir que as delegações nacionais na COP sigam o exemplo.”
Na sequência do trabalho dos grupos Fossil Free Politics, Alemanha e Áustria também se comprometeram, antes da COP30, a não levar lobistas dos fósseis às negociações.
Outros Estados-membros da UE, porém, levaram 84 lobistas para a conferência do clima da ONU nas suas delegações oficiais, segundo uma análise detalhada da Fossil Free Politics em colaboração com a coligação KBPO.
A França levou 22, cinco da TotalEnergies, incluindo o CEO Patrick Pouyanné.
Em outubro deste ano, um tribunal de Paris decidiu que a TotalEnergies enganou os consumidores na sua publicidade ao dar a impressão de que faz parte da solução para as alterações climáticas, apesar de continuar a promover e a vender mais combustíveis fósseis.
Concretamente, a TotalEnergies afirmava colocar “o clima no centro da sua estratégia, com o objetivo de fornecer energia mais limpa, segura e acessível ao maior número possível de pessoas” e ter a ambição de atingir emissões líquidas nulas até 2050.
O tribunal ordenou o fim daquela publicidade ilícita e determinou que a decisão seja exibida de forma destacada no site da empresa durante 180 dias. Foi a primeira aplicação das leis francesas contra o greenwashing a uma grande empresa de combustíveis fósseis.
A Suécia teve a segunda maior delegação ligada aos fósseis, com 18, e a Itália levou 12 lobistas.
Entre outras delegações da UE, a Dinamarca levou 11 lobistas; Bélgica e Portugal levaram 8 cada. A Finlândia levou 2, e os Países Baixos e a Grécia levaram 1 cada.
Precisam as negociações climáticas da ONU de mais transparência e responsabilização
Um relatório da Transparency International, publicado no início do ano, analisou como os atores dos combustíveis fósseis influenciam o processo de negociação climática da ONU.
O trabalho baseou-se em 39 entrevistas com negociadores do clima, observadores da UNFCCC e investigadores, bem como em observação no terreno na COP29, em Baku, e nas conversações intermédias de 2025, em Bona.
Concluiu que esses interesses moldam tudo, desde as regras de base da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) até aos desfechos das COP, enfraquecendo os esforços globais para enfrentar a crise climática.
Brice Böhmer, responsável por clima e ambiente na Transparency International, diz que, se a COP30 é a “COP da verdade”, a Presidência e o Secretariado da UNFCCC devem agora “comprometer-se a rever e a reforçar as regras de divulgação por parte dos participantes antes de futuras cimeiras, garantindo integridade e responsabilização a todos os níveis”.
A par de medidas para apertar as exigências de divulgação pelos participantes, a Transparency International defende também a exclusão total de representantes da indústria fóssil das delegações nacionais.
A coligação KBPO diz que as suas conclusões recentes reforçam também a necessidade urgente de estabelecer políticas claras de conflitos de interesses e mecanismos de responsabilização na cimeira da ONU.
Lien Vandamme, responsável por direitos humanos e alterações climáticas no Center for International Environmental Law (CIEL), membro da coligação, diz que é preciso “reformar com urgência as regras das negociações climáticas”.
Vandamme acrescenta que as conversações devem “permitir votações quando o consenso é instrumentalizado, adotar regras vinculativas sobre conflitos de interesses, criar mecanismos reais de cumprimento e aplicação para que as promessas tenham consequências e proteger o espaço cívico e os direitos humanos, para que as pessoas e a ciência, e não os poluidores, possam acelerar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e mobilizar financiamento real à escala”.