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2026: garrafas e latas passam a "valer" 10 cêntimos com novo sistema de reciclagem

Reciclagem de garrafas e latas
Reciclagem de garrafas e latas Direitos de autor  Richard Vogel/Copyright 2022 The AP. All rights reserved.
Direitos de autor Richard Vogel/Copyright 2022 The AP. All rights reserved.
De Inês dos Santos Cardoso
Publicado a Últimas notícias
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Portugal tem de recolher 90% das garrafas e latas abrangidas pelo SDR até 2029. Este sistema já funciona em vários países europeus, incluindo a Noruega, a Alemanha, a Finlândia, a Dinamarca e a Estónia.

Portugal prepara-se para introduzir uma taxa de depósito de cerca de 10 cêntimos por garrafa e por lata. Esta medida, coordenada pelo Ministério do Ambiente, promete transformar hábitos, contribuir para a economia circular e aproximar o país das práticas ambientais europeias.

A partir de 10 de abril de 2026, garrafas e latas de até três litros vão ser vendidas com um custo adicional de cerca de 10 cêntimos, que será devolvido, após uso, quando estas forem depositadas num ponto de recolha. Este valor será identificado na fatura como um valor separado do preço do produto.

O novo Sistema de Depósito e Retorno (SDR) de garrafas e latas surge depois de Portugal ter apresentado, em 2024, uma taxa de utilização de materiais reciclados de 3%, a terceira mais baixaentre os Estados-membros da União Europeia (UE). Atualmente, o país recicla 37% das garrafas, um valor muito abaixo da meta europeia estabelecida para 2030, de 70%.

Portugal tem de recolher 90% das embalagens até 2029

"A DSUP (com a Diretiva dos Plásticos de Utilização Única) impõe metas específicas de recolha seletiva para garrafas de plástico para bebidas, sendo que a fim de cumprir essa meta mínima, os Estados-membros poderão estabelecer Sistemas de Depósito e Retorno, o que terá um impacto direto positivo nas taxas de recolha, na qualidade do material recolhido e na qualidade dos materiais reciclados, gerando oportunidades para o setor da reciclagem e o mercado de materiais reciclados", disse o diretor da Autoridade Portuguesa do Ambiente (APA), José Pimenta Machado, em entrevista à Euronews.

Neste sentido, e em conformidade com a DSUP, Portugal tem de assegurar a recolha de 90% das embalagens de bebidas abrangidas pelo Sistema de Depósito e Retorno até 2029. José Pimenta Machado destacou a importância da nova medida, salientando que os ecopontos e a recolha de lixo porta-a-porta "não permitem atingir os 90% de recolha, nem material de qualidade para incorporar".

Com esta diretiva, o país pretende reduzir a emissão de 109 mil toneladas de CO₂ por ano, criar cerca de 1500 postos de trabalho diretos e indiretos, reduzir o lixo disperso — particularmente em espaços públicos, como praias, jardins e na via pública — , criar um incentivo à reciclagem e melhorar a qualidade do material recolhido – que chega limpo e separado do restante lixo.

O Ministério do Ambiente e Energia descreve o SDR como um "instrumento decisivo para assegurar o alinhamento nacional com as obrigações comunitárias", bem como "crucial" para garantir que as metas de reciclagem sejam cumpridas, evitando que a UE seja penalizada.

Também a Sociedade Ponto Verde descreve o sistema como positivo, servindo como "complementar ao serviço que já é prestado aos cidadãos". Defende que deve haver uma comunicação clara junto dos cidadãos por funcionar "de forma totalmente distinta do atual Sistema Integrado de Gestão de Reciclagem de Embalagens (SIGRE)".

"Mantém-se também como fundamental a cooperação e o trabalho conjunto entre todos os parceiros do SIGRE e, agora, do SDR. O investimento feito pelas empresas embaladoras aos sistemas municipais e multimunicipais tem de traduzir-se numa gestão de resíduos de embalagem mais eficaz e com resultados concretos, com a prestação de um melhor serviço aos cidadãos — assente, por exemplo, em modelos de incentivo", acrescentou a SPV.

Zonas rurais e vilas pequenas serão prejudicadas?

Questionado pela Euronews sobre se zonas rurais e vilas pequenas poderão sair prejudicadas com esta medida, por normalmente serem mais isoladas, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) afirmou que, embora possam haver assimetrias territoriais que possam originar desafios operacionais, não está em causa a "capacidade de devolução por parte dos consumidores, independentemente da sua localização". Reforçou que este modelo "assegura o direito ao reembolso e prevê mecanismos que garantem que todas as embalagens abrangidas podem ser devolvidas".

Relativamente à indústria e ao comércio, estes dispõem de pouco mais de quatro meses para atualizar preços, ajustar rótulos e códigos de barras, bem como assegurar que os seus sistemas informáticos identificam corretamente as embalagens. Para serem aceites, as garrafas e latas têm de estar em bom estado, ter o símbolo oficial do SDR, e ter o código de barras legível e registado.

Os custos globais do SDR não representam despesa para o Estado, segundo o Ministério do Ambiente e Energia, dado que a implementação do sistema ficará a cargo de uma entidade gestora (uma associação sem fins lucrativos), que representa os embaladores aderentes.

Ainda de acordo com o presidente da APA, caso o novo sistema falhe ou apresente baixa adesão, haverá riscos ambientais associados, como o aumento da deposição de embalagens no meio ambiente. Isto pode levar à contaminação dos ecossistemas, danos à fauna e ao aumento de focos de lixo. O aumento das emissões de gases com efeito de estufa, a sobrecarga dos sistemas municipais de gestão de resíduos, a perda de confiança pública e atrasos na transição circular e o desvio de resíduos para o mercado informal ou ilegal são outros potenciais riscos apontados por José Pimenta Machado.

Como funciona noutros países europeus?

Este sistema já existe noutros países europeus, como na Noruega, Alemanha, Finlândia, Dinamarca e Estónia. Na Noruega, um dos exemplos mais conhecidos, o sistema funciona há cerca de 50 anos e tem vindo a apresentar resultados positivos, contribuindo de forma significativa para a elevada taxa de reciclagem no país. Já a Alemanha implementou um sistema semelhante em 2003, que inclui plástico (principalmente PET), metal e vidro, e que pode cobrar até 25 cêntimos, no caso de recipientes de uso único, incentivando a sua devolução. A Estónia destaca-se, entre os cinco países mencionados, por ser uma economia de pequena dimensão a registar taxas de retorno elevadas.

A Noruega, a Alemanha, a Finlândia, a Dinamarca e a Estónia têm em comum o facto de disporem de máquinas de retorno acessíveis à população — encontram-se distribuídas por todo o território —, sistemas de gestão centralizados, campanhas públicas fortes que incentivam a economia circular e valores ambientais enraizados.

O que pensam os portugueses sobre a nova medida?

A Euronews questionou a população sobre o que pensa desta medida, numa altura em que o custo de vida continua a aumentar e em que os salários permanecem estagnados. Rita Afonso, agile coach (profissional especializado em ajudar organizações a adotarem práticas ágeis) diz concordar com a diretiva, apesar de ser mais um custo, e refere que, tal como acontece noutros países, o valor do depósito poderia até ser "entre 20 a 25 cêntimos, dado que se trata de uma medida benéfica para o ambiente e que é possível obter o dinheiro de volta".

"Tenho família que vive na Alemanha e faz questão de reciclar sempre devido ao incentivo financeiro", acrescenta.

Maria Quintela, estudante de doutoramento em Artes, refere que a reciclagem "é uma questão de hábito" e encara o depósito de cerca de 10 cêntimos como "um incentivo". "Um custo superior a 10 cêntimos talvez seja demais, mas esse valor, pessoalmente, não me incomoda", indica. Já Daniel Neves, analista financeiro, destaca que o processo de retorno das garrafas e latas pode constituir um desafio para os idosos, "visto que naturalmente têm mais dificuldades de locomoção e que, por isso, à partida, não estarão tão predispostos a depositar as embalagens nos respetivos sítios".

A medida pode beneficiar pessoas em situação de sem-abrigo?

A ideia de que o Sistema de Depósito e Retorno de garrafas e latas pode beneficiar pessoas em situação de sem-abrigo tem vindo a ser discutida em vários países. Na Alemanha, por exemplo, é comum ver pessoas a deixarem embalagens de bebidas junto a caixotes do lixo ou a entregá-las diretamente a sem-abrigo, como uma alternativa ao dinheiro. Isto tornou-se numa forma informal de apoio social, que permite às pessoas em situação de sem-abrigo obterem algum rendimento com o depósito de garrafas e latas.

Amós Fernando, jornalista na Alemanha, explica que o sistema alemão de depósito e retorno de garrafas e latas, denominado Pfand, foi uma alternativa que o país encontrou para "gerar o hábito da reciclagem na população".

Tal como vai funcionar em Portugal, as embalagens de bebidas colocadas em pontos de recolha ou entregues em caixas de supermercado na Alemanha são reutilizáveis. "Reciclar na Alemanha tornou-se um hábito. Cerca de 97% a 98% das embalagens de bebidas são devolvidas, ou seja, são retornadas, o que significa que, em termos estatísticos, o país é dos que têm mais adesão ao processo de retorno das garrafas e latas - ao circuito de venda e revenda de garrafas e latas", afirma.

Onde poderão ser depositadas as garrafas e latas?

O consumidor poderá entregar as garrafas e latas em pontos de recolha espalhados pelo país: mais de 8.000 pontos de recolha manual, cerca de 2.500 máquinas automáticas instaladas em grandes superfícies e 50 quiosques automáticos em zonas de grande afluência. Os supermercados de maior dimensão são obrigados a aceitar todas as embalagens abrangidas pelo sistema, mesmo que não as vendam. Já as lojas com uma área entre 50 e 400 metros quadrados só aceitarão embalagens que comercializem.

Garrafas de vidro, embalagens com mais de 25% de ingredientes lácteos, bem como recipientes de outras bebidas não elegíveis, não estão abrangidos pelo novo SDR. Assim, deverão continuar a ser colocados no ecoponto amarelo.

A devolução de cerca de 10 cêntimos poderá ocorrer em dinheiro físico, vouchers para compras, crédito em cartão, doação ou, mais tarde, transferência digital, como o MB Way. As máquinas automáticas apenas emitirão um talão comprovativo do valor devolvido, que poderá ser utilizado em compras no supermercado ou trocado por dinheiro na caixa.

As embalagens recolhidas serão, posteriormente, distribuídas entre seis centros de processamento de grande capacidade e duas unidades de triagem, em Lisboa e no Porto. De seguida, as garrafas e latas seguirão para recicladores especializados, responsáveis por as transformar em matéria-prima novamente apta para uso alimentar.

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