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Caos nas urgências: autoridades preocupadas com pico da gripe previsto para depois das festividades

 DGS recomenda uso de máscara em espaços fechados, sobretudo, com sintomas respiratórios
DGS recomenda uso de máscara em espaços fechados, sobretudo, com sintomas respiratórios Direitos de autor  Emilio Morenatti/Copyright 2024 The AP. All rights reserved.
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De Joana Mourão Carvalho
Publicado a Últimas notícias
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A época da gripe antecipou-se este ano. Especialistas em virologia e saúde pública dizem à Euronews que nova variante, que não está coberta pela vacina deste ano, é mais transmissível. Em Portugal, o impacto já se faz sentir nas urgências, com tempos de espera muito acima do recomendado.

As últimas semanas têm sido marcadas novamente por constrangimentos nas urgências. Os tempos médios de espera mantêm-se acima do recomendado em alguns hospitais. A culpa é do vírus da gripe que este ano se antecipou três a quatro semanas e chegou com uma nova variante que está a preocupar as autoridades.

Em causa está uma alteração do vírus A (H3N2), que está a emergir como dominante nalguns países da Europa e não está contemplado nas vacinas, o que pode levar a um aumento da incidência e da pressão sobre os sistemas de saúde.

Esta variante foi recentemente identificada no hemisfério norte e, no caso da Europa, está a ser responsável por umaumento das infeções mais cedo do que nas últimas épocas virais**.**

“A gripe A é subdividida em subtipos, e o subtipo aqui é H3N2, e depois há as estirpes humanas e as estirpes animais. Dentro da estirpe humana, depois existem variantes que, todos os anos, vão mudando por um processo a que chamamos deriva antigénica, que são pequenas alterações que vão acontecendo por uma questão seletiva da imunidade da população final”, explica o virologista Pedro Simas, em declarações à Euronews.

Estas pequenas alterações fazem com que o vírus se torne ligeiramente diferente da versão anterior, permitindo-lhe evadir o sistema imunitário e as defesas criadas por infeções ou vacinas anteriores, levando a surtos anuais e à necessidade de vacinas atualizadas.

“Neste caso, o que acontece todos os anos é que as vacinas são atualizadas para refletirem as variantes circulantes das estirpes humanas e daqueles subtipos, e geralmente essa correção é feita e estas mutações têm impacto na capacidade do nosso sistema imunológico de produzir anticorpos que previnam a infeção”, acrescenta o professor e investigador da Universidade Católica Portuguesa.

A antecipação da época de gripe pode ter a ver não só com as mutações que o vírus recebeu, mas também com as condições meteorológicas, admite ainda Pedro Simas.

De resto, esta variante tem mais facilidade em disseminar-se: “Enquanto uma gripe normal tem um R de 1.2, aqui pode ter 1.4, ou seja, em cada 100 indivíduos, há mais de 140 infetados”, refere o virologista. Este é um indicador utilizado para determinar o número médio de contágios causados por cada pessoa infetada.

Apesar de uma maior disseminação, “não há indicação nenhuma, até agora, de que esta gripe seja, em termos de severidade clínica, pior do que a gripe sazonal normal, H3N2”, garante.

O perigo aqui está nas pessoas que pertencem a grupos de risco, que são exatamente os mesmos identificados durante a pandemia de Covid-19: pessoas com mais de 65 anos ou que têm doenças graves e/ou crónicas.

Os sintomas associados a esta nova variante também são “os habituais” da gripe. Febre geralmente alta (acima de 38 °C), tosse seca e persistente, dores de cabeça, musculares e nas articulações, secreções, fadiga extrema, cansaço e arrepios.

“As constipações normais são assim mais progressivas, não são febres tão altas. Já quando a pessoa tem gripe, sabe que tem gripe. Ou seja, é repentino, geralmente é debilitante e implica que a pessoa não consiga ir trabalhar e tenha que ficar na cama”, diz Pedro Simas à Euronews.

O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) apelou para que os países europeus acelerem os processos de vacinação, visto que os casos de gripe estão a aumentar de forma invulgar.

O tempo ainda é de incertezas perante o impacto que a próxima temporada da gripe pode ter na saúde pública, mas o ECDC alerta para que as autoridades se preparem para "uma temporada de gripe mais severa" na Europa, especialmente se houver baixa adesão à vacinação.

A Direção-Geral da Saúde (DGS) também já reconheceu que as próximas semanas são a altura ideal para os elegíveis se vacinarem. Apesar de se tratar de uma variante que não circulou no ano passado – e, por isso, não está coberta pela vacina –, consegue evitar, na mesma, quadros clínicos mais graves.

Em Portugal, o pico da gripe só é esperado após as festividades, o que tem preocupado as autoridades de saúde. Nesta época, é natural que as pessoas estejam juntas mais tempo e, por isso, transmitam a gripe a mais pessoas, como reconhece o virologista Pedro Simas. “As pessoas estão mais juntas, em espaços fechados, vão às compras, estão mais ativas e o tempo mais frio favorece a transmissão do vírus.”

Bernardo Gomes, médico de Saúde Pública na Unidade Local de Saúde de Entre Douro e Vouga, também sustenta esta tese. “Existe uma certa ordem e uma certa lógica na circulação dos vírus respiratórios. Esta lógica obedece aos princípios de concentração de pessoas em espaços fechados e de convivência frequente, nomeadamente, por exemplo, as crianças em idade escolar são um vetor especialmente importante de contágio entre elas. Habitualmente, até costuma aparecer uma onda em indivíduos mais novos, seguida também de uma onda, nomeadamente, em indivíduos mais velhos, sobretudo nos avós, por causa do contacto”, refere em declarações à Euronews.

Aliado a isso, “momentos em que as pessoas estão juntas numa circunstância que não é habitual, sejam elas o Natal ou o Ano Novo, que são concentrações de pessoas em espaços fechados, fazem com que exista uma possibilidade de contágio mais fácil pela partilha do mesmo ar, de forma contínua, sem a ventilação adequada”, acrescenta o especialista.

Falta de recursos aumenta pressão nas urgências no pico da gripe

A gripe tem levado muitos doentes aos hospitais e os constrangimentos podem manter-se nas próximas semanas. A tendência crescente das infeções respiratórias tem feito disparar os tempos médios de espera em vários hospitais do país, principalmente na região de Lisboa e Vale do Tejo.

No passado domingo, o Amadora-Sintra continuava a ser o mais crítico, com os doentes urgentes a terem de aguardar mais de 15 horas para serem vistos por um médico, de acordo com os dados publicados pelo portal do Serviço Nacional de Saúde.

Tempos de espera nas urgências têm estado acima do recomendado
Tempos de espera nas urgências têm estado acima do recomendado Pedro Rocha/Copyright 2021 The AP. All rights reserved

O cenário, apesar de não tão grave, foi semelhante noutros hospitais do país: no Hospital Garcia de Orta, em Almada, o tempo de espera para a primeira observação era de quatro horas e 21 minutos, já no Beatriz Ângelo, em Loures, era em média de quatro horas e 50 minutos e no hospital de Santa Maria, em Lisboa, era de duas horas e 29 minutos.

Nos hospitais do Porto, o tempo médio de espera para a primeira observação era de duas horas e 39 minutos no São João e de três horas e meia no Santo António.

Segundo o sistema de triagem, as situações muito urgentes (laranja) têm um atendimento recomendado nos 10 minutos seguintes à triagem, enquanto os casos urgentes (amarela) são de 60 minutos e os pouco urgentes (verdes) de 120 minutos.

Na verdade, a procura das urgências em Portugal é mais do dobro do que na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). As urgências do SNS registaram quase 16 milhões de atendimentos entre 2022 e junho de 2024.

Segundo dados divulgados pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), metade das pessoas que recorreram às urgências representam casos pouco urgentes ou mesmo não urgentes, com quase 82 por cento dos doentes que chegam aos serviços por iniciativa própria, ou seja, sem estarem referenciados, a serem triados com pulseira branca, que não constitui uma prioridade clínica, e que tem apenas como objetivo identificar e monitorizar situações de utilização inadequada dos serviços de urgência.

As admissões nas urgências por iniciativa do próprio utente (autorreferenciação) têm diminuído desde que foi instituída a referenciação prévia, através da Linha SNS 24, como regra para dar entrada nas urgências.

Bernardo Gomes, que é também presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública (ANMSP), defende que a maior fragilidade do sistema perante o pico da gripe está na ausência de recursos, como médicos de família, e nas infraestruturas aquém do necessário.

“Há centros hospitalares e unidades locais de saúde anexas que estão subdimensionados para a tarefa que têm. Os respetivos centros hospitalares, como já é conhecido há muito tempo, estão subdimensionados para a missão que têm. E, portanto, cronicamente, nós levamos sempre com uma amostra de sobrecarga, nomeadamente em Lisboa e Vale do Tejo, com grande frequência no Amadora-Sintra, porque o que está na génese disto é um problema de base que se sente um ano após o outro, que tem a ver com estruturas subdimensionadas, com recursos a menos”, denuncia.

Para o especialista, “este é um problema que não é desta época sazonal da gripe”, mas “um problema que tem que ser resolvido a médio prazo, com o que é necessário em termos de recursos e investimento”.

Apesar de reconhecer que a atuação do Ministério da Saúde foi “positiva” quando “entendeu fazer uma comunicação de precaução” e preparar planos de contingência para a gripe, Bernardo Gomes alerta que não devem ser ignorados os problemas estruturais no SNS.

“Não vamos fazer de conta que os planos de contingência resolvem problemas estruturais, nomeadamente serviços subcapacitados, centros hospitalares subdimensionados, ou a questão dos internamentos sociais, de ocupar camas que são necessárias, assim como outro problema que espero que seja resolvido aproveitando o melhor do modelo das Unidades de Saúde Familiar, que tem a ver com os cuidados de saúde primários serem insuficientes em zonas que ainda por cima contam com centros hospitalares que não têm capacidade, como é o caso do Amadora-Sintra", destaca.

Gripe leva governo a anunciar reforço de meios

O Governo reconheceu que as próximas semanas serão exigentes na resposta à gripe, mas garante que o Serviço Nacional de Saúde está pronto para enfrentar o aumento de casos.

“Posso assegurar que as nossas instituições estão preparadas e articuladas para dar a melhor resposta possível aos portugueses, desde a prevenção até ao tratamento", garantiu a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, numa conferência de imprensa em Lisboa, na semana passada, que juntou ainda a diretora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, e o diretor executivo do SNS, Álvaro Santos Almeida.

A ministra explicou que a época gripal começou “cerca de um mês mais cedo” do que o habitual e que Portugal segue a tendência de outros países europeus. “Temos uma atividade gripal crescente nas últimas semanas, já com impacto visível nas unidades de saúde”, afirmou, sublinhando que o impacto “será mais intenso nas próximas semanas”.

O alerta surge depois de o país ter registado cerca de 700 novos casos por 100 mil habitantes na primeira semana de dezembro.

Ana Paula Martins reconheceu a pressão crescente nas unidades de saúde: “A gripe terá este ano um impacto maior”, notou, lembrando a “escassez de profissionais” e admitindo que, com tempos de espera acima do clinicamente aceitável, poderá ser necessário suspender "a atividade cirúrgica, mantendo sempre as cirurgias urgentes e as cirurgias oncológicas", para concentrar recursos nas urgências.

À semelhança do inverno passado, o Ministério da Saúde ativou uma task force que reúne a Direção Executiva do SNS, a Direção-Geral da Saúde, o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o INEM e a Linha Saúde 24 para avaliar diariamente a situação e adotar as medidas necessárias.

Segundo Ana Paula Martins, o reforço dos meios também já está a avançar. Para reforçar a capacidade de resposta do SNS, serão alargados os horários dos Centros de Atendimento Clínico (CAC) e dos Serviços de Atendimento Clínico (SAC). No INEM, foi solicitado o reforço de ambulâncias de reserva junto da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa também disponibilizou 27 camas sociais e 112 camas de apoio e está a preparar mais 50 para situações de emergência.

A Ministra da Saúde reforçou igualmente o apelo à vacinação para "quem ainda não se vacinou e faz parte dos grupos prioritários", devendo "fazê-lo o quanto antes". "A vacina é gratuita para os grupos prioritários e está disponível nos centros de saúde e nas farmácias aderentes", sinalizou.

Autoridades de saúde apelaram à vacinação dos grupos de risco
Autoridades de saúde apelaram à vacinação dos grupos de risco Rebecca Blackwell/Copyright 2025 The AP. All rights reserved.

Até 30 de novembro, já tinham sido vacinadas 2.297.551 pessoas, o que representa mais 139.386 do que no mesmo período de 2023, com elevada cobertura nos grupos de maior risco.

A Diretora-Geral da Saúde, Rita Sá Machado, garantiu que há vacinas para todos os grupos de risco. Cerca de 75% dos idosos residentes em lares com mais de 85 anos estão vacinados, bem como cerca de 70% dos residentes com menos de 85 anos.

Apesar da vacinação ser essencial para os grupos de risco, o virologista Pedro Simas rejeita a vacinação generalizada da população para este tipo de vírus.

“As vacinas salvam vidas, são seguras e extremamente importantes. Por exemplo, contra o sarampo, a cobertura vacinal tem que ser quase 100% para ser eficiente e a vacina é extremamente eficiente para a prevenção da infeção. Aí a vacinação generalizada é fundamental. Para este tipo de infeções especiais respiratórias, a prioridade são os grupos de risco. Neste caso, as vacinas, essencialmente, dão proteção contra doenças graves. Mesmo numa pessoa vacinada, há uma probabilidade de ela ser infetada e transmitir o vírus. Portanto, não há necessidade de tomar a vacina, porque é o próprio vírus que circula sazonalmente que mantém as populações imunes e saudáveis”, explica.

Bernardo Gomes também atenta para outros cuidados a serem tomados durante a época festiva, mais propícia ao contágio.

“O autocuidado, nomeadamente, a questão do uso de máscara em espaços fechados e, sobretudo, com sintomas respiratórios, a questão da ventilação dos espaços, que é uma coisa fundamental”, sublinha o especialista em Saúde Pública, admitindo que “é expectável que, a seguir às festas, exista um aumento de casos, que basicamente está associado a essas trocas naturais de microrganismos”.

Mortalidade aumentou e gripe pode ser explicação

O agravamento do número de casos de gripe também coincidiu com o aumento da mortalidade na primeira semana de dezembro. De acordo com dados do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, na semana de 1 a 7 de dezembro, Portugal registou um aumento de infeções respiratórias graves, sobretudo nos maiores de 65 anos, e excesso de mortalidade na região Norte em pessoas de 75 a 84 anos

Segundo o Boletim de vigilância epidemiológica da gripe e outros vírus respiratórios do INSA, nessa semana foram admitidos 97 casos de infeção respiratória aguda grave (SARI) nas Unidades Locais de Saúde (ULS) que reportaram dados para a vigilância SARI.

A Rede Portuguesa de Laboratórios para o Diagnóstico da Gripe e Outros Vírus Respiratórios detetou, nessa semana, 1.164 casos positivos para o vírus da gripe, dos quais 1.163 do tipo A e 1 do tipo B.

O INSA refere ainda que a propagação da gripe é maior entre as crianças, dos 5 aos 14 anos, mas o grupo em que a situação é mais crítica é o dos maiores de 65 anos.

Dados do portal de vigilância da mortalidade da Direção-Geral da Saúde indicam ainda que, entre 1 e 10 de dezembro, morreram 3692 pessoas, cerca de mais 600 face ao período homólogo. Isto significa que a mortalidade registada foi cerca de 18% mais elevada do que no mesmo período de 2024. O número de mortes neste período supera mesmo os dados registados na última década, à exceção dos anos da pandemia de Covid-19.

O INSA refere que a mortalidade por todas as causas está em valores de acordo com o esperado em Portugal. Contudo, foram identificados excessos de mortalidade na semana em análise em Portugal Continental, na região Norte e no grupo etário de 75 a 84 anos.

A chegada antecipada da gripe é a explicação “mais provável” para esta mortalidade em excesso, admite Bernardo Gomes. “A questão do frio, que se fez sentir de forma bastante abrupta no início do mês de dezembro, que coincide também com o aumento da circulação do vírus da gripe, pode induzir maior severidade, nomeadamente em indivíduos mais vulneráveis”, justifica o médico de Saúde Pública à Euronews.

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