Vídeojogos: uma nova arma terapêutica

Vídeojogos: uma nova arma terapêutica
De  Euronews
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“Todos os dias digo para mim mesma: amanhã vou começar a comer como deve ser, amanhã vou ter cuidado comigo. Mas no dia seguinte não faço nada. E isto tem sido assim há meses, há anos, com consequências graves para o meu corpo: tenho problemas de estômago, alterações no sangue… Eu estou em muito mau estado” – afirma uma paciente que sofre do dísturbio de ingestão compulsiva.

“Eu sou motorista de autocarro. E agora ando com dificuldades em rodar o volante. Tudo começou com uma dor ao longo do pescoço que desce até aos ombros. Esta dor no pescoço dura já há três anos” diz Jan Kosterink.

“Demorei nove anos a perceber que o problema era cada vez maior. Eu não conseguia ver uma solução. E isto teve consequências terríveis, problemas familiares por exemplo. Menti muito e a minha namorada já não confiava em mim. Tornei-me uma pessoa fechada. No meu mundo havia apenas eu e o meu problema” confessa uma vítima de jogo patológico.

A exploração virtual duma ilha pode servir de remédio a estes três pacientes? Alguns cientistas europeus estão convencidos disso. Esta reportagem aborda como se têm desenvolvido videojogos sérios para problemas sérios.

Vítima de ingestão compulsiva:

“- Se eu vejo um prato cheio de fruta não lhe toco. Alguma coisa no meu cérebro me diz que isto me está proibido porque é comida saudável. É como se não precisasse de comida saudável. Mas sou capaz de devorar todo o tipo de porcarias porque não sei como comer. Eu como apenas.”

Em Barcelona encontramos uma paciente que sofre do distúrbio de ingestão compulsiva, ou por outras palavras, do chamado vício da comida. Este videojogo foi desenvolvido para ajudar a paciente a reconhecer a suas emoções e a reconquistar o autodomínio.

Fernando Fernández-Aranda, investigador em distúrbios alimentares do Hospital Universitário de Bellvitge:

“- O videojogo está a revelar-se útil como ferramenta complementar a alguns pacientes para controlarem alguns aspetos da sua personalidade.

Por exemplo, este videojogo pode ensinar a minha paciente a aumentar a tolerância à frustração, a deixar de ser impulsiva e a melhorar a organização das atividades diárias de modo a alcançar os objetivos que pretende. Ela aprende a compreender os seus estados de espírito e pode controlar as reações; ela sabe quais são as reações mais bem adaptadas a estados de espírito como a tristeza ou a ansiedade.”

Alguns pacientes neste centro de reabilitação sofrem de dores crónicas nas costas e no pescoço.

Aqui, o mesmo videojogo ajuda-os a relaxarem os músculos, a melhorarem a eficácia dos exercícios e a manterem a disciplina de treino.

Stephanie Jansen-Kosterink, investigadora do movimento humano no Centro de Reabilitação de Roessingh, na Holanda:

“- Estes elétrodos vão medir a tensão muscular para que a tente reduzir. Com este sistema podemos ver exatamente onde é que o paciente está no espaço, a que velocidade se move, qual a amplitude a que mexe a cabeça, ou seja que movimentos faz e qual a tensão dos músculos. Há por isso uma grande quantidade de dados que podemos retirar do jogo e utilizar na nossa pesquisa ou no tratamento de pacientes.”

Este videojogo tem sido desenvolvido ao abrigo de um projeto europeu chamado PlayMancer.

Os programadores do jogo, os psicólogos e os terapeutas têm trabalhado em conjunto para adequar a ação aos objetivos médicos.

Elias Kalapanidas, coordenador do projeto PlayMancer:

“- Este jogo vai além da realidade virtual. A realidade virtual reproduz o ambiente circundante mas não dá prémios. O nosso objetivo é motivar os pacientes a conhecerem melhor os seus corpos e as suas mentes. Os videojogos entretêm e motivam, por isso pensámos que poderiam servir de terapia complementar para doenças diferentes. Este videojogo é como um cimento entre os pacientes e os seus terapeutas e médicos.”

A investigação sobre tratamentos de distúrbios psicológicos com videojogos tem sido um desafio.

“- Primeiro achei estranho que o meu vício do jogo pudesse ser tratado com um videojogo. Mas ao fim de algumas sessões percebi a razão. O videojogo ajuda-me a conhecer o meu estado de espírito a um dado momento. Por exemplo, pode ajudar-me a dar-me conta de que estou a ficar nervoso. Assim posso trabalhar as minhas emoções e tentar acalmar-me” descreve a vítima de jogo patológico:

O videojogo identifica aborrecimento, excitação ou ansiedade nos pacientes por intermédio de tecnologias de reconhecimento de emoções e de biossensores. Evitar efeitos secundários como uma habituação ao videojogo foi uma prioridade absoluta.

Susana Jiménez-Murcia, psicóloga especialista em jogo patológico, Hospital Universitário de Bellvitge:

“- Os programadores informáticos propuseram inicialmente uma série de ideias. Mas nós pensámos que podiam ser contraprodutivas para os nossos pacientes. Por exemplo, propuseram uma versão na qual os pacientes podiam jogar em linha com jogadores de outros países. Nós sabemos que estes jogos em linha são altamente viciantes para utilizadores vulneráveis. Por isso pedimos aos programadores um videojogo simples que o paciente possa jogar sozinho e sem pontuação.”

Os pacientes devem jogar o videojogo sob supervisão médica. E esta é a grande diferença relativamente aos videojogos comerciais que reconhecem os movimentos do utilizador.

Stephanie Jansen-Kosterink, investigadora do movimento humano do Centro de Reabilitação de Roessingh:

“-Quando se joga um jogo comercial há movimentos que se podem evitar porque se está a utilizar uma consola. Mas aqui não se pode evitar o andar, aqui anda-se mesmo. E há outra diferença: todas as medições estão no jogo e podemos recolhê-las. Assim podemos ver se o padrão de andamento do paciente é normal e qual é a tensão muscular. Nos jogos comerciais só há input, nós aqui também temos output.”

Dentro de quanto tempo podemos ter um médico a receitar-nos um videojogo como tratamento?

Os cientistas estão convencidos que as suas investigações deram provas quanto à utilidade terapêutica dos videojogos. Agora, apontam, cabe aos políticos jogar o jogo.

Miriam Vollebroek, investigadora do movimento humano, Centro de Reabilitação de Roessingh:

“-Não há nenhum problema de aceitação com os pacientes ou os terapeutas. Tão pouco existe um problema com a tecnologia habitual. Mas trata-se de uma mudança organizacional. O único problema de curto-prazo é o aspeto financeiro, pelo menos aqui na Holanda. Como é que a segurança Social vai re-embolsar este tipo de tratamento? Isto vai demorar muito tempo a resolver.”

Enquanto esperam, os cientistas não ficam de braços cruzados e buscam novas aplicações terapêuticas para este e outros vídeojogos.

Mais informações sobre o projeto PlayMancer em www.playmancer.eu

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