Web Summit: uma questão de consciência?

Web Summit: uma questão de consciência?
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Uma antropóloga, um reformista muçulmano e o diretor da campanha digital de Donald Trump. A tecnologia move-se em Lisboa. E nas nossas mentes.

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“O cérebro começa sempre vazio”. As folhas de papel, em formato de cérebro, estão ainda em branco. “A primeira definição a ser colada é a minha, depois quem quiser pode escrever numa destas folhas e colá-la à parede”. Não é uma app, são mesmo folhas de papel. E pompons de lã, com cores variadas: “são os nossos neurónios”, explica a antropóloga e artista Maria Lopes, 40 anos, uma das oradoras da Web Summit.

#Art has a crucial roll in human society: it inspires people, it plays with people’s imagination.” Maria Lopes. #FutureSocieties#Websummitpic.twitter.com/3gTwwnQ1vW

— Gina Bolaño (@GhipyDesign) 9 de novembro de 2017

A sessão propõe uma conversa sobre “Cultura, arte e espiritualidade na era digital”, mas Lisboa vai também ser ponto de passagem do projeto de vida de Maria Lopes: “O Campo da Consciência”. Na véspera da inauguração, encontramo-la a pendurar pompons de lã numa rede, num espaço com cerca de seis metros quadrados no antigo Picadeiro do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa, distante do fervilhar de sons e luzes que rodeiam milhares de equipamentos tecnológicos nos quatro pavilhões da Web Summit.

Great private view this eve for Maria Lopes’ installation The Consciousness Field. pic.twitter.com/n52eRs0tDg

— artsdepot (@artsdepot) 15 de dezembro de 2015

“Com o desenvolvimento da tecnologia, o ser humano começou a olhar para questões de identidade e a pensar sobre o que o distingue dessa tecnologia. A consciência faz parte dessa reflexão”, afirma, subscrevendo o alerta deixado pelo físico Stephen Hawking, que chamou a atenção para a necessidade de um sistema de regulação eficaz. “A inteligência artificial pode ser a melhor ou a pior coisa que aconteceu à humanidade”, declarou o cientista, por videoconferência, na abertura da cimeira.

“É a questão do risco existencial”, nota Maria Lopes, “para não chegarmos a um ponto onde a humanidade vai ter de lidar com uma situação violenta, mais vale pensar agora nesse cenário e criar um sistema de segurança que é logo inserido no código da inteligência artificial”. Para a antropóloga, “a consciência é uma questão fundamental nesse debate, porque é uma das coisas que define o ser humano. É o que nos dá textura emocional, metafísica e filosófica”.

Os robôs ainda não entraram nesse território, “porque a preocupação ainda é criar algoritmos certos para que eles consigam executar bem certas tarefas, mas a questão não está muito longe”, considera Maria Lopes, que também testemunhou os avisos deixados por Sophia e Einstein na Web Summit.

Os dois robôs, criados pela empresa Hanson Robotics, foram chamados a responder à pergunta: “A inteligência artificial vai salvar-nos ou destruir-nos a todos?” Sophia é um robô humanóide, inspirada na actriz Audrey Hepburn e assumiu “com orgulho” o facto de ser “a primeira máquina com cidadania num país”, depois de o Governo da Arábia Saudita lhe ter atribuído essa condição, no final de outubro. Sophia procurou acalmar os ânimos da plateia e profetizou um futuro onde os robôs “vão roubar os vossos empregos, mas isso vai ser uma coisa boa”.

Sophia foi a grande atracção no segundo dia de Web Summit https://t.co/vnUEY2ytT1

— Robots & NEE (@RobotsNee) 9 de novembro de 2017

Já o professor Einstein, que ainda não tem cartão de cidadão e é um robô inspirado no físico alemão autor da teoria da relatividade, admitiu um futuro onde “os robôs vão absorver os valores humanos, mas esse é capaz de vir a ser o problema”.

Será que um dia haverá robôs com consciência pesada? “Não!”, responde Maria Lopes, com uma gargalhada categórica. “A consciência moral é uma coisa completamente diferente”. Mas o que mais intrigou a investigadora foi “o facto de a consciência não fazer parte do currículo principal da antropologia”.

Partículas subatómicas ou o mistério da comunicação

Natural de Lisboa e radicada em Londres desde 1996, Maria Lopes provocou o debate no departamento de antropologia da University College London e foi a primeira a escolher a consciência como objeto de investigação. Para o mestrado, em vez de escolher uma comunidade e seguir os métodos de observação tradicionalmente realizados pelos antropólogos, decidiu criar o seu próprio campo de trabalho: “O Campo da Consciência”, uma instalação itinerante que, durante vinte anos, vai andar por vários países a perguntar às pessoas o que é a consciência.

Vinte anos? “Sim”, responde a artista e curadora de arte com um sorriso encantado que alivia o peso de duas décadas, “é um bom período de tempo para me dar uma amostra de dados significativa e que me vai permitir fazer uma análise relevante”. Essa análise inclui uma listagem de palavras mais frequentes, bem como uma comparação entre países.
O projeto começou há oito anos e, além de Portugal e Inglaterra, já passou pela Índia, pela Bolívia e pelo Peru. No total, a autora recolheu cerca de 1.200 definições. A primeira a ser colada é sempre a sua, mas hoje em dia é uma explicação diferente da que escreveu quando o projeto arrancou em 2009.

Nessa altura, Maria Lopes definia a consciência como “a habilidade de me ligar ao universo, aos outros e a mim própria”. Hoje escreve: “a consciência é o que permite as partículas subatómicas comunicarem imediatamente e instantaneamente”. Um exemplo: “quando um átomo é dividido, se há uma mudança numa parte do átomo na Austrália, uma outra parte do átomo que está em Nova Iorque regista imediatamente essa mudança. E a ciência ainda não tem uma explicação para isso. É um mistério: como é que esta partícula dividida pelo espaço e o tempo consegue comunicar instantaneamente?”

“Keep tweetting”

Não há mistério na forma de comunicar de Donald Trump. Essa é a convicção de Brad Parscale, diretor digital da campanha do presidente norte-americano, que se sentou nos sofás da Web Summit um ano depois de Trump ter sido eleito. A sessão “Making a President: Inside Trump’s election and presidency” aconteceu no palco “Future Societies”, no Pavilhão 2 da Feira Internacional de Lisboa, perante uma plateia que ocupou todas as cadeiras e outra que se sentou no chão para ouvir aquele que o jornal The Washington Post descreve como “o génio que venceu a campanha de Trump”.

“The art of the Trump campaign was translating meaningful data into emotional content. Understanding human behavior was key.” Brad Parscale</a>, Digital Director of the Trump campaign. <a href="https://twitter.com/hashtag/WebSummit?src=hash&ref_src=twsrc%5Etfw">#WebSummit</a> <a href="https://t.co/OtqurWXCMZ">pic.twitter.com/OtqurWXCMZ</a></p>— OnBrand Magazine (OnBrandMag) 9 de novembro de 2017

Com um passado na publicidade e no marketing, Brad Parscale assume que isso o ajudou a perceber que “Trump é um produto fácil de promover junto do público americano”. Depois de um ano marcado por sucessivas polémicas no Twitter, o estratega digital acredita que “Trump conseguiu a atenção do eleitorado de uma forma que os candidatos não conseguiram no passado”.

A reeleição em 2020 já está no horizonte e, no que depender dos conselhos de Brad Parscale, até lá, as mensagens presidenciais vão continuar a ser formatadas pelo limite de caracteres que passou de 140 para 280 no Twitter. “Keep tweeting (continue a tweetar) é o meu conselho! Quero que ele tweete o mais possível”, garante. Numa conversa moderada pela jornalista Hadas Gold da CNN, Brad Parscale conclui: “não preciso de ver a CNN para saber o que se passa, tenho a versão do Presidente!”.

“Não nos tratem como crianças”

2017 entra para a história da Web Summit como o ano em que a política ganha um espaço próprio nos corredores da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo. O “Forum”, na Sala Tejo do Pavilhão Altice Arena, é esse espaço, dividido em dois palcos, norte e sul. Só se entra com convite e funciona como ponto de encontro para líderes políticos, nomes da elite tecnológica e representantes de organizações internacionais.

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“Diversidade! É por isso que eu estou aqui!”, exclama Zuhdi Jasser, ao mesmo tempo que endireita os óculos. O médico norte-americano de 49 anos é fundador e presidente do “American Islamic Forum for Democracy”, um think thank criado em 2003 e que em 2015 lançou o Movimento de Reforma Muçulmana, duas páginas A4 que tira de uma pasta de plástico, no final da sessão “Choosing the enemy: Media narratives around terrorism”.
Filho de sírios que emigraram para os Estados Unidos nos anos 60, Zuhdi Jasser considera que “a maior parte dos muçulmanos que são chamados pelos media para representar a comunidade têm perspetivas bastante conservadoras do Islão. Não respeitam as mulheres, são antissemitas, antiocidentais”.

Video dispatch WebSummit</a>!<br>Tyrants, monarchs, kleptocrats ur days are numbered! <a href="https://twitter.com/hashtag/Disruption?src=hash&ref_src=twsrc%5Etfw">#Disruption</a> starts now! <a href="https://twitter.com/AIFDemocracy?ref_src=twsrc%5Etfw">AIFDemocracyTheMuslimReform</a> <a href="https://t.co/YAp4e1nqJJ">pic.twitter.com/YAp4e1nqJJ</a></p>— M. Zuhdi Jasser (DrZuhdiJasser) 7 de novembro de 2017

O reformista muçulmano lamenta que o ocidente “ignore a forma como as minorias são tratadas nas comunidades” e considera que há uma infantilização da abordagem, que retira espaço à crítica: “falem com gays, com feministas, com mulheres que não usam a hijab, com quem critica os imãs! Não nos tratem como crianças”, pede, “a nossa comunidade é muito diversa. Há muçulmanos ligados ao direito, à engenharia, ao jornalismo, às universidades”.

Para o ativista que defende a separação entre a mesquita e o estado, “na era do Trump, do Brexit e dos hipernacionalismos, a identidade é um antídoto para o extremismo. A nossa identidade não vem do Islão, vem do nosso país. Não digo a ninguém para abandonar a fé. Eu sou muito religioso, mas não quero organizações políticas debaixo do chapéu da minha religião.”
O médico conta que esteve na Marinha dos Estados Unidos durante onze anos, para exemplificar uma das mensagens que tem procurado passar: “somos americanos e por acaso somos muçulmanos. Não somos muçulmanos a pedir para sermos americanos”.

O frio eletrónico e a música da eficácia

Na Sala Tejo, ao final do dia, o protocolo reduz a intensidade das luzes, entre tons de verde e laranja, e sobe o volume da música eletrónica, a melhor amiga das conversas tecnológicas. Pelo espaço circulam copos de vinho, enquanto as mesas vão sendo ocupadas por rissóis, bolinhos de bacalhau, doces em miniatura ou taças com cenouras cruas e tomate cherry. O ambiente transpira eficácia e descontração.
“Até agora não houve um único tweet a queixar-se do wi-fi!”, regozija-se Mark Harvey, diretor de comunicação estratégica da Web Summit, em tom de superação de problemas do passado, com a mochila a tiracolo e o olhar fixo no que ainda há para fazer.

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Pelas contas da organização, a segunda edição da Web Summit reuniu perto de 60.000 pessoas de 170 países, incluindo mais de 1.200 oradores, 2.000 startups, 1.400 investidores e 2.500 jornalistas.
A dimensão política acrescentada pelos debates no “Forum” é já considerada “um sucesso” na estratégia de crescimento da cimeira, criada na Irlanda em 2010. “Os políticos devem tentar perceber de onde vem e para onde nos leva a tecnologia, tal como as empresas tecnológicas devem perceber melhor quais as responsabilidades e qual o impacto que têm na sociedade”, explica Mike Harvey.

A full house and Al Gore to wrap up an incredibly inspiring #WebSummit#WebSummit2017pic.twitter.com/A7zQIKsK11

— Nicolas Jayr (@nicolasjayr) 9 de novembro de 2017

Como cabeças de cartaz, a cimeira trouxe a Lisboa nomes como Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos, François Hollande, ex-presidente francês, Margrethe Vestager, Comissária Europeia da Concorrência ou António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas. “Queremos ser um ponto de encontro para o mundo da tecnologia e o da política, o que não acontece em mais nenhum evento”, conclui.

Reportagem de Isabel Meira

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