Cabe agora ao presidente da Polónia promulgar ou vetar o projeto de lei, aprovado nas duas câmaras do parlamento, que proíbe qualquer responsabilização do estado polaco pelos crimes cometidos pela Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial
Está agora nas mãos do presidente da Polónia o futuro do projeto de lei aprovado nas duas câmaras do parlamento, que proíbe qualquer responsabilização do estado polaco pelos crimes cometidos pela Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial e, em particular, o uso de frases como "campos da concentração polacos".
Aprovada na quinta-feira no Senado, a lei proíbe o uso da expressão "campos de concentração polacos" e qualquer acusação contra "o Estado polaco, ou a nação polaca, de responsabilidade ou cumplicidade nos crimes cometidos pelo Terceiro Reich alemão", salvaguardando uma excepção para trabalhos académicos ou artísticos. A pena prevista pode ir até três anos de prisão.
A iniciativa legislativa foi fortemente criticada pos políticos e média israelitas. Na quinta-feira, o Primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, frisou que a intenção dos legisladores polacos é combater afirmações falsas sobre a participação do Estado polaco no sistema de extermínio alemão:
"Os campos de concentração onde milhões de judeus foram assassinados, não eram campos polacos. O Holocausto foi também uma inimaginável tragédia para a Polónia. Dos 6 milhões de cidadãos polacos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial, 3 milhões vinham da comunidade judaica polaca", lembrou Morawiecki.
O principal partido da oposição, Plataforma Cívica, criticou a iniciativa da maioria parlamentar e apelou ao veto do presidente:
"Estamos convencidos que o presidente Andrzej Duda irá vetar este projeto de lei. Apelo a isso em nome da Plataforma Cívica e da opinião pública democrática na Polónia. Esperamos que o presidente faça isto o mais rápido possível, que não fique refém do partido Lei e Justiça", disse o vice-presidente da Plataforma Cívica, Tomasz Siemoniak.
Uma batalha com história
A questão não nasceu com o atual governo polaco. Quando em 2012 Barack Obama usou a expressão "campos de concentração polacos" o então primeiro-ministro – hoje presidente do Conselho Europeu – Donald Tusk, exigiu do presidente americano um pedido de desculpas.
Em maio de 2012, o governo de Tusk exigiu uma nota de retração da Casa Branca, depois de Barack Obama se ter referido a "campos de extermínio polacos" durante uma cerimónia de homenagem a um herói da Segunda Guerra Mundial, o polaco Jan Karski. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, reiterou então em conferência de imprensa a afirmação anterior da administração, reconhecendo que Obama tinha cometido uma distorção da verdade ao usar aquela expressão no discurso:
"O presidente referia-se aos campos de extermínio nazis na Polónia ocupada pelos alemães", disse Carney, "E, como deixamos claro, lamentamos a distorção."
Obama reiterou o pedido de desculpas numa carta ao então presidente da Polónia, Bronisław Komorowski.
Entre 2008 e 2015, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Polónia tomou posição 913 vezes, na arena internacional, contra o uso da expressão "campos de concentração polacos".
Nur für Deutsche
A expressão "campos de concentração polacos" surgiu pela primeira vez nos anos 50, num dos títulos da imprensa alemã, disse à agência de notícias polaca PAP a historiadora do Instituto da Memória da Polónia (IPN, na sigla polaca) Anna Jagodzinska. Tratava-se de uma estatégia encorajada pelo primeiro chanceler da República Federal da Alemanha, Konrad Adenauer, com o objetivo de testar as reações. No quadro desta experiência, os autores alemães começaram a substituir os termos "alemão" ou "alemães" na referência aos crimes da II Guerra Mundial, por ""nazi" e "hitleriano". Ainda segundo a historiadora, o uso da expressão "campos de concentração polacos" passou a ser cada vez mais usado na imprensa alemã.
A historiadora recorda que durante a ocupação alemã, nos elétricos em Varsóvia estava afixada a inscrição "Nur für Deutsche" (Só para Alemães) e não "Nur für Nazi" (Só para Nazis).