República Centro-Africana: Estado de urgência

República Centro-Africana: Estado de urgência
De  Monica Pinna

A Euronews numa das maiores crises humanitárias do Planeta, depois da Síria.

Desde o golpe de Estado de março de 2013, que depôs o presidente François Bozizé, a República Centro-Africana tem vivido um conflito marcado por tensões de ordem étnica e religiosa de uma intensidade sem precedentes.

Nem a presença de uma força da Organização das Nações Unidas, a Missão Internacional de Apoio à (República) Centro-Africana ou MINUSCA, (2014) nem a preparação de eleições presidenciais (2016), nem o deslocamento de António Guterres, secretário geral da ONU, ao país (2017) conseguiram por termo ao conflito.

Entre os mediadores contam-se também a Organização da Cooperação Islâmica e a União Africana. A União Europeia assumiu a ajuda à reforma do exército – não sem dificuldades – mas também a importante missão da ajuda humanitária, num país pobre e em estado de urgência.


A Euronews esteve no terreno para conhecer a dimensão da crise, provocada por um conflito que já deixou quase seis mil mortos em cinco anos. A Nações Unidas dizem que cerca de dois milhões e meio de pessoas precisam de assistência humanitária. Há quase 700 mil deslocados.

Foi em Boda que ficámos a conhecer uma das raras zonas consideradas como de pós-conflito, a oeste de Bangui, capital da República Centro-Africana.

Uma exceção na República Centro-Africana, já que as guerrilhas controlam quase todas as províncias e que a tensão tem vindo a agravar-se nos últimos meses.

Em Boda, o conflito, que opõe cristãos e muçulmanos, acolhe pacientes de qualquer grupo étnico. Nasceram 102 bebés desde o início do ano, em partos que são tudo menos fáceis. Metade da infraestrutura hospitalar nacional foi destruída pelo conflito.
AID ZONE IN CENTRAL AFRICAN REPUBLIC
A taxa de mortalidade infantil da República Centro-Africana é a segunda mais elevada do mundo. A ALIMA, Organização Não-Governamental presta assistência a centros de saúde e hospitais como o de Boda. A ALIMA é financiada pela Ajuda Humanitária da União Europeia.

Karim Assani é pediatra. Contou à Euronews como é trabalhar na região:

“A primeira dificuldade que enfrentamos como médicos, é, em primeiro lugar, o reduzido número de pessoas com as habilitações necessárias para exercer a profissão. O ministério da Saúde enviou apenas um médico para uma população de 116 mil pessoas. A ALIMA fornece mais dois médicos para ajudar quem cá trabalha.”

Nasceram mil bebés no ano passado, muitos com recurso a cesariana, em intervenções possíveis graças à ajuda da ALIMA. Entre cesarianas e partos em lugares remotos, o trabalho não acaba e há mães em risco de vida.

Encontrámos, no Hospital de Boda, uma jovem mamã. Irène Dotoua é cristã e descansa com o filho ao lado de Bintu, uma mulher muçulmana. Uma cena impossível até há bem pouco tempo.

Irène explicou à Euronews que foi bem acolhida e que “foi a umas consultas antes do parto” e que recebeu mesmo “vários tratamentos.”

Amina, a tia de Irène, contou-nos que ela deu à luz em condições difíceis. Na altura, as ONGs não estavam presentes no terreno e as condições eram difíceis.

“Antes, não havia camas e nem nos davam sabão nem redes para os mosquitos. Agora temos medicamentos gratuitos.”

As novas mães não demoram em deixar o hospital. É o caso de Bintu, que vive num antigo enclave muçulmano da região. Agora, no entanto, é mais fácil que todos circulem livremente. Pelo menos aqui.

“Dantes, os muçulmanos matavam cristãos e os cristãos matavam muçulmanos,” contou Bintu à Euronews.

“Nem havia comida. Agora, as pessoas estão mais unidas, mas ainda há muita pobreza”.

Apesar da situação humanitária de urgência, nem todos têm acesso a cuidados básicos de saúde. Os casos continuam a preocupar a Ajuda Humanitária da União Europeia, assim como as dificuldades para resolver a situação, como explicou à Euronews Patrick Wieland, representante da UE AID no terreno:

“Há muitas dificuldades para os cooperantes humanitários trabalharem. Há dois problemas principais: Um é logístico. As estradas são intransitáveis e maioria dos lugares são alcançáveis apenas por avião. Outro problema é a segurança: é necessário negociar com grupos armados o acesso a campos de deslocados. É onde a assistência médica é mais urgente, assim como comida, água, abrigo e proteção.”

Por agora, não há solução à vista para o conflito que assola a República Centro-Africana. Um conflito que deu origem a uma das crises humanitárias mais graves existentes atualmente no nosso Planeta, depois da Síria.

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