Joana Vasconcelos: "A minha obra é predadora no sentido em que não pede desculpa"

Joana Vasconcelos: "A minha obra é predadora no sentido em que não pede desculpa"
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De  Pedro Sacadura
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A artista plástica regressa a Portugal depois da passagem pelo Museu Guggenheim de Bilbau com a exposição "I'm Your Mirror." Apresenta-se sem censura

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Joana Vasconcelos está de regresso a Serralves, no Porto, com a exposição antológica "I'm Your Mirror" que abre portas esta segunda-feira.

Em entrevista à Euronews, a artista plástica falou do percurso profissional, dos desafios e sobre o mundo. Visões partilhadas no lugar onde deu primeiros passos que agora são de gigante.

Pedro Sacadura, euronews – Está de regresso a Serralves, onde expôs pela primeira vez, em 1996. É um momento especial, com um sabor especial. Como é que está a viver este momento? Como é voltar a esta casa?

Joana Vasconcelos, artista plástica – É um momento de grande satisfação. A sensação de dever cumprido, pelo facto de em 1996 sentir que tinha tudo pela frente, tudo por fazer, mas não tinha obra. Tinha uma boa peça, na altura nos jardins de Serralves, “Os Trianons.” Na verdade adorei fazer aquela exposição, mas também foi aqui que dei os meus primeiros passos. Pensei: será que um dia chegarei a expor em Serralves com toda a minha obra? Efetivamente esse dia chegou.

Euronews – Volta agora com mais obra. Na altura a exposição chamava-se “Mais Tempo, Menos História.” Agora regressa com mais história e menos tempo?

Joana Vasconcelos, artista plástica – É verdade. Na altura tinha pouca história e muito tempo e agora, efetivamente, é ao contrário. Passei o meu tempo, nos últimos anos, a tentar construir essa obra e a tentar dar corpo e trazer várias identidades, várias pesquisas e várias direções sobre a forma conceptual como penso o momento. Apresento aqui as diferentes leituras que tenho do mundo e as diferentes perspetivas que criei para ele.

Euronews – Esta exposição já passou por Bilbau. Adaptou-a ao Museu Guggenheim. Como é que procurou adaptá-la, no Museu de Serralves, à arquitetura de Álvaro Siza Vieira?

Joana Vasconcelos, artista plástica – A adaptação foi totalmente diferente daquela que foi feita no Guggenheim. O desenho de exposição que foi feito foi adaptado a este espaço e à arquitetura de Siza Vieira. A ideia não é estar em confronto, é criar um diálogo entre a escultura e a arquitetura.

Euronews – Qual é a Joana Vasconcelos que vamos ver em Serralves? A Joana caricatural, provocadora, ousada? Quantas Joanas é que estão aqui presentes?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Há muitas Joanas e muitas identidades. Vamos ver uma parte delas, não vamos ver todas. Efetivamente uma grande parte da minha obra está aqui representada.

Euronews – Sente que está cada vez mais tecnológica?

Joana Vasconcelos, artista plástica – A tecnologia tem feito parte de uma dinâmica dentro da minha obra. A junção entre “crafts” e a tecnologia é uma coisa que me interessa imenso porque vivemos num mundo extremamente tecnológico, em evolução constante. Essa adaptação à evolução constante, nomeadamente no setor da luz, é algo que me interessa bastante. Posso fazer peças inteiramente à mão, baseadas apenas no saber-fazer das mãos, mas por outro lado junto uma dimensão tecnológica mais ligada ao som, à luz música, ao movimento.

Euronews – “I'm Your Mirror” é o nome desta exposição. Que imagem é que passa de Joana Vasconcelos e do ambiente externo?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Espero que não passe uma só imagem mas sim uma multiplicidade de imagens. Esta exposição aponta diferentes caminhos e fala sobre diferentes temáticas, do mundo, de Portugal, da Europa. De alguma maneira a ideia é abrir novos caminhos e novas formas de pensar sobre grandes questões como a mobilidade, o consumismo, a identidade da mulher, os direitos humanos.

Euronews – O antigo vereador da Cultura na Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, considerou-a, certa vez, uma “predadora de sinais e estereótipos.” É assim? Gosta de estar associada a esse rótulo?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Paulo Cunha e Silva era um homem muito inteligente, que me ajudou muitas vezes a olhar para a minha obra com uma outra perspetiva. Efetivamente, a minha obra muitas vezes é muito incisiva em certos temas, muito clara, muito objetiva. Predadora no sentido em que não pede desculpa. Há assuntos que são mais difíceis de falar e há assuntos em que é preciso ser-se mais intenso.

Euronews – Que tipo de assuntos, por exemplo?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Por exemplo, a “Cama valium”, o “Sofá aspirina” ou a “Burka.” São peças mais políticas, que tratam de assuntos mais difíceis e abordam temáticas que são normalmente tabu de se falar. Os tampões de “A Noiva.” São peças que são mais intensas no seu discurso.

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Euronews – Converteu-se também numa imagem marca de Portugal, do mundo artístico português, e no rosto da internacionalização da cultura portuguesa. Como é que vê essa associação?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Vejo isso com naturalidade. Nunca fiz por isso mas é do meu país que falo, da Europa que falo, é de mim que falo. Não existe criar uma obra sem se falar de si, sem se falar daquilo que nos envolve, das problemáticas dos nossos dias. E em ser-se verdadeiro.

Euronews – Na sua obra, evoca-se continuamente a questão das escalas, das cores, o efeito provocador. Como é que vê a arte? Porque tem uma missão social muito vincada?

Joana Vasconcelos, artista plástica – A arte, em diferentes aspetos, cumpre uma função social, uma função de refletir o seu tempo e de refletir a sociedade e aquilo que a envolve. A função da obra de arte ou das exposições é fazer sentir. Fazer as pessoas sentir sobre aquilo que as envolve e fazer refletir o público sobre as dinâmicas que escolhe ter diariamente. Na verdade essa é a missão dos artistas.

Euronews – Mais do que um papel meramente hedónico.

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Joana Vasconcelos, artista plástica – Sim. Acredito muito no papel de refletir o seu tempo e de fazer sentir aos públicos outras dimensões, formas de pensar diferentes, abrir um leque para a interpretação do presente e para que o futuro seja um sítio melhor.

Euronews – As questões da crise económica, por exemplo, também são evocadas na sua obra e questões relacionadas como a imigração. Preocupa-se muito com a questão dos refugiados e tem dado apoio nesse âmbito. Como é que vê os desenvolvimentos internacionais nesse sentido?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Vejo, em alguns casos, bem. Vejo que há uma ajuda enorme, uma consciência enorme. Já em relação aos EUA não vejo tão bem. A ideia do muro, das fronteiras não tem a ver com tornar o mundo um sítio mais seguro e mais igual e acolhedor para todos. A evolução só vem da tolerância. Não vem do particularizar, da divisão. A situação da Venezuela é um bom exemplo de como se teve tudo e não se tem nada. De como se perspetivou um lugar perfeito e de repente, afinal, era tudo oco e vazio. As coisas têm de ser bem plantadas. Na verdade, na Venezuela é ao contrário. E é uma pena. É terrível percebermos que as pessoas não têm o que comer e a ajuda humanitária não consegue chegar e os interesses à volta, políticos e económicos, são maiores do que os interesses das pessoas, do que a sobrevivência.

Euronews – Foi considerada pela edição europeia do site “Politico” uma das 28 figuras mais influentes para 2019 na categoria dos “Sonhadores.” Que sonhos é que reserva para 2019 e como é que viu essa nomeação?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Vi essa nomeação com grande prazer e com muito orgulho. Poder estar na categoria dos “Sonhadores” ainda mais me toca porque sou uma sonhadora e acredito que o mundo é um sítio melhor do que foi e vai ser um sítio melhor do que é. Acredito que posso ajudar a essa construção de sonhos. Abrir janelas à interpretação do consumismo, dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, do olhar para Portugal de uma forma diferente, do aceitar as diferenças, do aceitar que todos temos um lugar apesar de sermos todos diferentes, de virmos de países diferentes e de condições diferentes.

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A artista plástica, tão polémica como amada, surpreendeu em Paris, ao tornar-se na mais jovem artista de sempre a expor arte contemporânea no Palácio de Versalhes. Em Serralves sente-se em casa e não espera menos.

Euronews – Está continuamente a surpreender. Qual é a grande surpresa que nos reserva para 2019?

Joana Vasconcelos, artista plástica – Este ano vamos concluir um projeto que estamos a desenvolver há cerca de dois anos. É uma piscina feita para Edimburgo, um sítio onde não há muito sol, mas onde há uma grande coleção de arte pública chamada “Jupiter Artland.” Fui convidada para fazer a piscina, uma piscina escultura, com a forma de um splash, redonda e com pétalas que se espalham pelo chão. Foi feita com mais de 12 mil azulejos, com um desenho que elaborei e que foi pintado à mão na Viúva Lamego.

Euronews – Depois de Serralves, o que é que se segue e quais vão ser as grandes etapas deste ano?

Joana Vasconcelos, artista plástica - Uma exposição em Colónia, no Max Ernst Museum. Depois vamos ter uma exposição em Roterdão, Edimburgo, uma exposição em Genebra, na Polónia. Um pouco pelo mundo vamos tendo vários projetos mas são coisas diferentes. Umas são exposições individuais, grandes, ou às vezes são projetos de arte pública. Se a piscina este ano se concluir, para 2020 tenho uma outra grande peça que já está a ser trabalhada há cerca de um ano e que este ano vai começar em produção que é o “Bolo de Noiva.” É feita para o Waddesdon Manor, em Inglaterra. É uma grande produção, talvez a maior que fiz até hoje. Estamos todos muito ansiosos por começar a construir. O projeto já se iniciou, já teve toda a fase de projeto, de engenharias, de arquitetura e agora vamos passar à fase de construção. Também é feito na Viúva Lamego. É um bolo de noiva no qual podemos subir e tornar-nos nas duas figuras no topo do bolo.

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