Fayez al-Sarraj à Euronews: "Interferência estrangeira na Líbia tem prolongado crises"

Fayez al-Sarraj à Euronews: "Interferência estrangeira na Líbia tem prolongado crises"
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De  Anelise Borges com Ricardo Borges de Carvalho
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Primeiro-ministro líbio diz que as milícias do Khalifa Haftar têm recebido apoio militar de países que ele considerava aliados.

Fayez al-Sarraj é primeiro-ministro do Governo de Acordo Nacional na Líbia. Aceitou esta entrevista com a Euronews para falar sobre o papel da Europa no seu país e sobre o difícil caminho da Líbia para a democracia e a estabilidade.

Euronews - Acabou de regressar de uma visita à Europa onde se encontrou com vários líderes para angariar apoios para a sua administração. O que é que os líderes europeus lhe disseram? Prometeram-lhe alguma coisa?

Fayez al-Sarraj - Penso que a tournée que fizemos por quatro capitais europeias foi bem-sucedida. Começando na Itália, encontrámo-nos com os líderes desses países para esclarecer com eles a verdade sobre o que está a acontecer agora em Trípoli e a verdade dessa agressão.

O agressor deu explicações para justificar este ataque, mas agora há uma compreensão sobre o que realmente está a acontecer. Clarificámos as repercussões deste ataque nas atividades terroristas ou migrações ilegais, no nível humanitário e no número de pessoas deslocadas.

Penso que isso ficou claro nas reuniões que tivemos em Bruxelas, com a representante da Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini, e com Donald Tusk. As declarações deles foram muito claras: Condenaram a ofensiva em Trípoli e denunciaram o que as milícias de Haftar estão a fazer. Também entenderam o impacto que isso teve nas atividades terroristas e na migração ilegal.

Euronews - Também lhe prometeram apoio militar?

Fayez al-Sarraj - Quando viajámos para esses países, o nosso objetivo não era obter armas ou equipamento. Neste momento, há um embargo de armas à Líbia e ao Governo de Acordo Nacional e uma coisa que esclarecemos em muitas reuniões e fóruns foi que esse embargo precisava de ser aplicado por todas as partes. Mas o que aconteceu foi o contrário: uma das partes recebeu todo o tipo de armas e equipamentos, dia e noite, através das fronteiras terrestres e marítimas. E para piorar a situação, este foi um apoio dado por países que considerávamos nossos aliados. Houve declarações oficiais deles enquanto os seus aviões visavam a nossa capital.

O apoio militar exacerbado que a outra parte recebeu é o que a faz afastar-se das negociações políticas e dar-lhe a ilusão de que poderia, através de um golpe, tomar o poder através deste ataque.

Euronews - As potências estrangeiras têm um histórico de intervenção no seu país. Estão a piorar as coisas na Líbia?

Fayez al-Sarraj - Claramente, a interferência negativa de outros países desde 2011 tornou o cenário político e de segurança mais complicado e prolongou as crises. Conversámos sobre isso. Esperamos que parem de interferir na Líbia. Desejamos que isso aconteça através de um claro apoio internacional, como mencionei, para que possamos voltar a um caminho político que nos conduza à estabilidade e segurança.

Euronews - E quanto ao papel dos Estados Unidos em tudo isto? O presidente Donald Trump parece ter revertido a política norte-americana na Líbia, depois de ter telefonado a Khalifa Haftar. Quão significativo foi esse telefonema para Haftar? Quanto representa o apoio dos Estados Unidos a Haftar? Também falou com o presidente norte-americano?

Fayez al-Sarraj - Esse telefonema com Trump nunca aconteceu, mas lemos a posição dos Estados Unidos através da declaração do Departamento de Estado norte-americano. Mike Pompeo foi claro ao dizer as coisas pelo nome - "milícia de Haftar". E acho que o que está a acontecer agora em termos de violações dos direitos humanos se tornou claro para todos - o recrutamento de crianças-soldado, o desrespeito pelos cadáveres, o alvejar de civis. Penso que agora está claro para todas as partes incluindo para os Estados Unidos.

Euronews - Khalifa Haftar diz que pode acabar com a turbulência na Líbia e que a sua administração tem o apoio de milícias e outras organizações que o Ocidente não vê com bons olhos. Como responde a isto?

Fayez al-Sarraj - Estamos a falar de medidas concretizadas desde que o Governo de Acordo Nacional chegou ao poder. Éramos e ainda somos defensores da paz e vemos que a solução para a Líbia é uma solução política, não militar. Vemos isso claramente e muitas potências estrangeiras concordam connosco.

A estabilidade na Líbia pode ser alcançada através do bombardeamento de áreas civis? De se atingir ambulâncias? Através do recrutamento de crianças-soldado ou desalojamento de 100 mil pessoas? Alguma dessas práticas nos levaria à estabilidade?

Acho que o caminho para a estabilidade é claro. Comunicámos com todas as partes internas e externas para conduzir a Líbia a uma fase mais estável através de eleições e deixar que o povo escolha o seu líder com integridade. Assinámos acordos de segurança e conseguimos conter os grupos armados. Quanto à produção de petróleo, quando o Governo de Acordo Nacional chegou ao poder, estávamos a exportar 150 mil barris, agora estamos perto de um milhão e meio. Tudo isto são conquistas das quais nos orgulhamos e que provam que estávamos no caminho certo.

Euronews - Há nesta altura centenas, talvez milhares de homens na frente de combate a lutar. Quanto tempo consegue continuar assim? E qual é a perspetiva para a paz na Líbia?

Fayez al-Sarraj - O que o Khalifa Haftar tentou fazer foi dizer que tinha um exército organizado, mas agora está claro que isso não é verdade. Eles são grupos criminosos, grupos ideológicos, bandidos que ele reuniu e tentou convencer o resto do mundo que eram um exército profissional.

Estamos a defender a nossa capital, estamos a defender o sonho de todos os líbios de estabelecer um estado civil. Esta é a nossa prioridade. Ao mesmo tempo, ainda pensamos que a solução não é militar.

Ele tentou invadir a nossa capital e enganou alguns dizendo que a poderia tomar em 48 ou 72 horas, mas já passaram mais de 50 dias e as repercussões deste ataque começam a aparecer: o desalojamento de 100 mil pessoas, civis mortos ou amputados.

Se o agressor assumir a responsabilidade por isso e interromper as operações, poderíamos falar sobre a continuação do processo político através de um plano acordado entre ambas as partes.

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