Estudantes e professores juntam-se na saudação simbólica adaptada do cinema na Ásia. Tachos e panelas também se voltaram a ouvir pela democracia em Myanmar
Ganham força os protestos contra o golpe militar em curso em Myanmar e esta sexta-feira também estudantes e professores fizeram a saudação dos três dedos em sinal de resistência pela democracia.
Os três dedos
O gesto dos três dedos foi adaptado dos livros de ficção da série "Jogos da Fome" ("Hunger Games", no título original). Faz-se pela elevação do braço esquerdo com os três dedos do meio destacados e em riste, num sinal descrito como de respeito ou gratidão a alguém. Nos filmes da distopia, o braço direito foi também utilizado.
Em 2014, o gesto foi replicado nos protestos contra um golpe militar na Tailândia, assumindo um significado de resistência democrática contra a ameaça de tiranos e ditaduras. Os militares tailandeses chegaram ameaçar prender quem fizesse o gesto.
Os três dedos em riste alastrou-se por diversos protestos civis na Ásia. Têm sido vistos também em Hong Kong, em sinal de resistência ao crescente controlo de Pequim sobre o território de administração especial.
Agora, serve também de "grito" silencioso na antiga Birmânia contra o golpe das forças armadas.
Um laço vermelho, a cor do partido eleito em novembro, acompanhou o manifesto dos estudantes e professores pela democracia e pela verdade eleitoral a que dizem ter assistido há dois meses.
Pela quarta noite consecutiva ouviram-se também tachos e panelas a bater às 20 horas em Rangum, a maior cidade do país. Tem sido outra das formas de protesto contra a atual suspensão da democracia.
Militares alegam fraude eleitoral
Os militares contestam a maciça votação recebida pela Liga Nacional pela Democracia, liderada por Aung San Suu Kyi, que devido a regras constitucionais decretadas em 2008 não pode ser chefe de Estado nem de Governo, por ser viúva e mãe de cidadãos não birmaneses.
A Nobel da Paz de 1991 e atual Conselheira de Estado é vista como a líder do Governo eleito presidido por Win Myint.
Os dois fazem parte dos mais de 130 altos responsáveis civis e deputados detidos pelas forças armadas ao longo desta semana e que esta quinta-feira à noite juntou Win Htein, um colaborador próximo de Suu Kyi, à lista de detenções.
Htein terá sido detido na casa da filha depois de nos últimos dias ter proferido diversas críticas ao golpe militar em curso e também muito contestado pela comunidade internacional.
Os militares assumiram o poder no dia em que estava marcada a primeira sessão do novo parlamento de Myanmar e, mesmo garantindo que apenas esperam governar durante um ano, não conseguiram apaziguar a pressão externa.
Logo na segunda-feira, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apelou à restauração do governo civil democraticamente eleito em novembro e à libertação de todos os detidos.
Os Estados Unidos lembraram ter eliminado "as sanções contra a Birmânia durante a última década com base no progresso rumo à democracia".
"A reversão desse progresso exigirá uma revisão imediata da nossa legislação sobre sanções, seguida de uma ação apropriada", ameaçou a Casa Branca, através da nova porta-voz, Jen Psaki.
Agora, também a ONU apelou ao diálogo e ao regresso a um estado democrático, num país marcado nestes últimos dias por uma forte repressão militar contra eventuais protestos, mas que aos poucos começa a ver surgir nas ruas um cada vez maior braço civil de resistência democrática.
Em comunicado, os membros do Conselho de segurança da ONU mostrou-se "profundamente preocupado pelo estado de emergência imposto em Myanmar pelos militares a 1 de fevereiro e a detenção arbitrária de membros do Governo, incluindo a Conselheira de Estado Aung San Suu Kyi e o Presidente Win Myint, ente outros". "Eles pedem a libertação imediata de todos os detidos", lê-se.
Um pouco antes, também o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, tinha considerado "absolutamente inaceitável a reversão do resultado das eleições e da vontade do povo e Myanmar".
"Espero que a democracia possa voltar a progredir de novo . Os prisioneiros têm de ser libertados e a ordem constitucional tem de ser restabelecida", disse o português António Guterres, numa publicação nas redes sociais.