Empréstimo ao Montenegro. A armadilha da dívida chinesa em que a Europa se vê enredada

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De  Hans von der BrelieEuronews
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O Montenegro recorreu a financiamento chinês para construir uma das mais caras autoestradas do mundo. Com a primeira de três fases ainda por concluir, o país não sabe como vai pagar a totalidade do projeto e pede ajuda à União Europeia.

O Montenegro está a construir a primeira autoestrada do país, uma infraestrutura rodeada em controvérsia por ser uma das mais caras do mundo, mas não só. O pequeno país dos Balcãs Ocidentais planeia ter a sua paisagem de montanha rasgada por 40 pontes e 90 túneis construídos com financiamento chinês. Mergulhado numa crise de dívida aprofundada pela pandemia, o Montenegro vira-se agora para a União Europeia para conseguir pagar o empréstimo contraído com a China.

Foi Milo Đukanović, atual presidente do país, quem, em 2014, enquanto primeiro-ministro, lançou a autoestrada.

Estudos de viabilidade franceses e americanos assinalaram os riscos de um projeto desta dimensão e o Banco Europeu de Investimento recusou-se a financiá-lo.

Mas a China interveio e ofereceu um empréstimo de mil milhões de dólares para a primeira fase.

Hoje, depois de a pandemia ter esmagado a economia nacional, dependente do turismo, o Montenegro não faz ideia de como vai financiar o que ainda falta construir.

Um caminho sem fim à vista

O projeto para a autoestrada prevê ligar o porto de Bar, no sul, à fronteira com a Sérvia, no norte.

A conclusão da primeira fase, cujo pagamento deverá ser feito até julho deste ano, estava prevista para 2020, mas ainda não foi concretizada.

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Primeira fase da construção (a vermelho) ainda está por concluirUNREPORTED EUROPE/EURONEWS

Aos 800 milhões de euros já gastos, juntam-se agora mais 100 milhões de euros para as ligações de água e eletricidade, bem como um desvio para ligar a autoestrada à capital, adendas essenciais omitidas no projeto de origem.

Com a nova autoestrada, logo surgiram as promessas políticas de milhares de empregos. Mas, em Smokovac, elas nunca chegaram a tornar-se realidade. Da China, além do financiamento, vieram também os trabalhadores.

No local – fala-se – encontram-se ainda trabalhadores ilegais de países vizinhos, sem contratos, nem contribuições para a segurança social.

Bojan Rajković reside na localidade com a família. Camionista de profissão, não conseguiu emprego quando as obras para a autoestrada na região começaram. Hoje, mostra pouca fé na forma como o projeto está a ser conduzido.

"Eu preferia que tivessem escolhido a Europa para este empréstimo. Se a Europa o fizesse, não poderiam fazer as coisas desta forma, sem regras, como no mercado, ou no bazar, sem papéis. apenas palavras. Isto acontece, porque eles trabalharam com chineses e croatas. Se a Europa estivesse aqui, havia mais controlo e a construção já estava feita. Dez por cento já roubaram, ou seja 100 milhões de euros, que é quanto precisam agora, para completar apenas esta primeira parte".

Contactada pela Euronews, diretamente e através da embaixada chinesa, a empresa estatal responsável pelo estaleiro de construção, a China Road and Bridge Corporation (CRBC), recusou-se a prestar qualquer declaração sobre o assunto.

Subempreiteiros contratados por ajuste direto

O Montenegro tem a reputação de ser um dos países mais corruptos da região. Na estrada em direção à sede da companhia chinesa, são visíveis graffitis com as inscrições "Milo, és um ladrão", numa referência a alegadas ligações entre o presidente Milo Dukanović e subempreiteiros locais.

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Na estrada, um grafitti tem escrito "Milo, és um ladrão"UNREPORTED EUROPE/EURONEWS

O caso é conhecido da Mans, uma Organização Não-Governamental (ONG) anticorrupção cofinanciada pela União Europeia.

De acordo com a ONG, do montante emprestado, 400 milhões foram canalizados por ajuste direto para subempreiteiros.

"Não houve um concurso público para os subempreiteiros. A maior parte do projeto foi declarada como segredo de Estado. Todos os benefícios que a CRBC aqui recebe, como não pagar IVA, ou nenhum imposto sobre o trabalho, ou taxas alfandegárias sobre os bens importados, também foram aplicados aos subempreiteiros, sem qualquer controlo. Houve uma enorme oportunidade para a corrupção e uma enorme oportunidade para o abuso dos benefícios", afirma Dejan Milovac, investigador da ONG.

Cansados da corrupção, no ano passado, os eleitores do Montenegro mudaram o governo. Dritan Abazović, atual vice-primeiro-ministro e conhecido pela luta pela transparência, uma condição essencial para a adesão do país à União Europeia, considera que "tudo o que aconteceu em torno deste projeto foi muito pouco transparente".

Para o governo montenegrino, a intervenção de Bruxelas é essencial para resolver o impasse do país em relação ao projeto do anterior executivo com a China. Com duas fases ainda por começar e o prazo para o pagamento da primeira a chegar ao limite, Abazović diz-se "mais que certo de que vamos encontrar alguma solução com instituições europeias para o financiamento das outras duas partes".

A União Europeia já se mostrou disponível para apoiar o Montenegro através do Plano Económico e de Investimento para os Balcãs Ocidentais, no entanto, recusa-se a ajudar a pagar o empréstimo contraído com a China, um montante equivalente a cerca de um quarto da dívida global do país.

A influência da China nos Balcãs Ocidentais

As contrapartidas do contrato de empréstimo com a China suscitam alguns receios e muitas dúvidas.

Entre os termos acordados, há uma cláusula que obriga o Montenegro a renunciar a partes do território, em caso de problemas financeiros. O procedimento de arbitragem teria lugar na China, seguindo as regras chinesas.

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O investimento nos Balcãs permitirá à China consolidar uma nova Rota das SedasUNREPORTED EUROPE/EURONEWS

A obtenção de uma concessão portuária a longo prazo vai ao encontro da iniciativa “uma faixa, uma rota”, a nova rota das sedas com a qual a China pretende abrir as portas da Europa ao mercado do leste asiático.

Na esperança de uma retoma económica, as autoridades portuárias do Montenegro planeiam dois novos terminais, De acordo com o vice-diretor executivo do Porto de Bar, Deda Đelović, "principal objetivo, do ponto de vista comercial, para os próximos dez anos, é conseguir um porto de importância regional, no sentido de ter mais carga, mais atividades industriais e comerciais",

A ameaça ambiental

O projeto para a autoestrada põe em perigo o futuro do vale do rio Tara, um dos últimos rios selvagens da região - e protegido, pelo menos no papel, por leis e convenções nacionais e internacionais.

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Futuro ambiental do vale do rio Tara está ameaçadoUNREPORTED EUROPE/EURONEWS

Nataša Kovačević monitoriza o rio com ferramentas hidrológicas. O resultado é um desastre. Numa escala de um a cinco, este troço passou da melhor para a pior classificação.

Os sedimentos do estaleiro de construção estão a cair na água, impedindo o peixe de desovar.

"Devastámos a parte mais importante do rio Tara. Tornámo-la inacessível para os peixes e agora eles não vão vir aqui nos próximos 20 anos, ou mesmo mais; alguns deles nunca mais vão voltar", lamenta Nataša Kovačević, ambientalista da associação "Green Home".

Ao longo do projeto, a CRBC e as autoridades do Montenegro ignoraram normas da União Europeia. Os escombros da construção mudaram o vale, com forte impacto no leito do rio Tara. Nataša Kovačević não esconde a indignação com as autoridades nacionais e internacionais.

"Isto é incrível, porque diz aqui que o rio Tara é protegido pela UNESCO e que é proibido o cascalho do solo e da areia e que é proibido o aterro do material do solo e flysch, que é exatamente tudo o que encontramos aqui. Diz aqui: 'por favor, mantenha esta área limpa'. Isto é simplesmente inacreditável".

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