"Há uma necessidade política de controlar o corpo das mulheres"

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A euronews falou com Gloria Steinem, escritora e ativista pelo direito das mulheres sobre o combate pela igualdade de género em todo o mundo

O percurso da artista, escritora, conferencista e ativista pelos direitos das mulheres em todo o mundo, Gloria Steinem é retratado numa nova produção norte-americana.

euronews: Há personalidades ilustres na lista das pessoas que receberam o Prémio Comunicação e ação Humanitária. No seu caso, como é que tudo começou? Qual foi o momento em que se tornou feminista?

Gloria Steinem: “A minha maneira de pensar é similar à de muitos crianças no mundo inteiro. Eu também era assim. As crianças dizem : tu não mandas em mim. Depois, há um longo período em que as crianças tentam adaptar-se, buscam aprovação, querem ser obedientes, até ao momento em que surge o sentimento natural de que somos todos igualmente importantes. No meu caso, não fiz parte de um movimento de mulheres até por volta dos trinta e muitos anos. Independentemente do que eu sentia, não tinha percebido que podia haver um movimento.

euronews: Como descreveria essa mudança? Sente-se cansada por ter feito campanha durante tanto tempo? As coisas mudaram muito ou não?

Gloria Steinem: “Não. Quando olho para fatores tão fundamentais, como a desigualdade salarial, desigualdades ao nível das heranças, a impossibilidade para uma mulher de conservar o seu próprio nome, constato que há grandes injustiças, há sexismo, racismo e preconceitos. Fui jornalista, nunca tive um emprego, não fiz parte de uma grande empresa, vivi o preconceito de outras formas, por exemplo ao nível das reportagens que me propunham, mas não teria sido igual se tivesse trabalhado numa grande empresa.

A ideia subjacente a esse preconceito, para o patriarcado, é a vontade de controlar a reprodução. Só as mulheres é que têm úteros, então há um desejo, uma necessidade política de controlar o corpo das mulheres.
Gloria Steinem
ativista dos direitos das mulheres

euronews: “Escreveu muito sobre a experiência de fazer um aborto em Londres, quando olha para o que está a acontecer no seu país, e refiro-me ao Texas, como se sente?"

Gloria Steinem: “Em relação ao exemplo do Texas, a grande maioria das pessoas concorda que uma mulher deve poder tomar decisões em relação ao seu corpo físico. Mas, há quatro ou cinco homens no governo que estão a tentar impedi-lo. A ideia subjacente a esse preconceito, para o patriarcado, é a vontade de controlar a reprodução. Só as mulheres é que têm úteros, então há um desejo, uma necessidade política de controlar o corpo das mulheres. Isso faz parte da essência do patriarcado. É algo presente desde os tempos de Hitler. A primeira coisa que Hitler fez, e é importante relembrar que ele foi eleito, foi encerrar as clínicas familiares e declarar o aborto crime contra o Estado. Na verdade, não foi uma imposição do papado. Foi Napoleão III que pediu ao Papa que tornasse o aborto ilegal porque queria mais gente para os seus exércitos. Tratou-se sempre de algo maligno, feito de forma pragmática com o intuito de controlar. Não tem a ver com a religião, têm a ver com o facto de as mulheres terem úteros. E nós temos lutado contra esse sistema. É algo similar ao racismo, também é um sistema”.

euronews: “Descreve-se como uma eterna sonhadora, viciada em esperança, como disse, creio. Quais são as suas fontes de inspiração e de revolta?”

Gloria Steinem: “São duas grandes questões. O que me inspira são os exemplos, incontáveis , de pessoas que se erguem por si e pelos outros contra todas as adversidades, a pobreza, o preconceito, o ensino religioso. Esses exemplos são inspiradores. Na verdade, em todos os países onde já estive na minha vida, há crianças que dizem coisas como "tu não és o meu chefe" e isso, por si só, é inspirador”.

Gostaria que houvesse um satélite que permitisse o acesso à Internet para todos. Para que, pelo menos, pudéssemos ser iguais ao nível das nossas comunicações.
Gloria Steinem
ativista dos direitos humanos das mulheres

euronews: “Parece de facto inspirador. O que lhe dá raiva quando olha para o mundo de hoje?”

Gloria Steinem: “O que me dá com raiva hoje em dia ?

euronews: Ainda conserva o mesmo fogo ?

Gloria Steinem: “Acabámos de nos livrar de um presidente acidental chamado Trump”.

euronews: “Ele está a lançar a sua própria empresa de redes sociais”.

Gloria Steinem: “Tenho esperança de que ninguém vai ouvi-lo. Trump não foi eleito por uma maioria de votos. Ele foi eleito devido a uma particularidade do nosso sistema eleitoral. E isso foi muito revoltante. Devido à quantidade de coisas que dizia que não eram verdade, devido à sua presença. Lembra-se da invasão da Casa Branca pelos seus partidários. Há um sentimento de injustiça quando vê pessoas boas a sofrer e pessoas más a triunfar.

euronews: “Há quem diga que estamos na terceira ou quarta vaga do movimento revolucionário das mulheres. Qual foi o papel desempenhado pelas redes sociais?"

Gloria Steinem: “Isso preocupa-me porque há um número desigual de mulheres, em relação aos homens, no mundo, que não tem acesso às redes sociais ou à eletricidade. Mulheres que moram em áreas onde essas coisas não existem. Isso preocupa-me porque parece que o mundo está a ficar polarizado entre os que têm e os que não têm acesso à tecnologia. É a mesma coisa em relação ao acesso à saúde. A possibilidade de acesso precede o conteúdo. Gostaria que houvesse um satélite que permitisse o acesso à Internet para todos. Para que, pelo menos, pudéssemos ser iguais ao nível das nossas comunicações.

euronews: “Queria fazer-lhe uma pergunta sobre as suas viagens. Viajou muito e esse percurso vai dar origem a uma grande produção de Hollywood chamada "the Glorias". Está feliz com o resultado?

Gloria Steinem: “Sim, porque não é uma grande produção de Hollywood! É um filme muito peculiar baseado no meu livro “On the Road”. Confiei totalmente na cineasta, ela fez um trabalho maravilhoso.

euronews: “E qual foi a sensação de ver aquelas interpretações do seu percurso ao longo dos anos?”

Gloria Steinem: “Nunca nos conseguimos ver. Mas havia quatro atrizes diferentes que interpretaram o meu papel em idades diferentes. Algumas das cenas mostravam coisas que aconteceram na realidade mas que nem estavam no meu livro, Não sei como é que se tornaram reais. Por exemplo, estar numa carruagem de terceira classe, com mulheres na Índia. A cena corresponde exatamente às minhas lembranças, foi um pouco místico”.

euronews: “Deve ser bastante mágico ver no ecrã as suas próprias experiências. Quando olha para tudo o que viveu, tudo o que conquistou e tudo o que disse, como gostaria de ser lembrada?”

Gloria Steinem: “É uma pergunta difícil, não é? Costumava colocá-la a outras pessoas como jornalista. Por isso é justo que me pergunte a mesma coisa. Gostaria de ser lembrada como alguém que tinha um bom coração e que tentou tornar o mundo um pouco mais justo e compassivo do que era”.

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