Os quatro ativistas portugueses que participaram na missão humanitária com destino a Gaza vão ter de pagar os custos associados ao seu repatriamento. Mariana Mortágua confirmou que irá pagar o bilhete, "comprando a prova de que há ministros sem espinha".
Mariana Mortágua, Sofia Aparício, Miguel Duarte e Diogo Chaves regressaram a solo português no domingo depois de participarem na flotilha humanitária com destino à Faixa de Gaza e terem sido detidos por Israel. Dias depois do regresso, os ativistas receberam a fatura dos voos de regresso a Lisboa: o Governo anunciou que exigiu o pagamento dos custos associados ao repatriamento dos portugueses.
"Em conclusão do procedimento de retorno dos quatro portugueses detidos em Israel, foi hoje enviado pelos serviços consulares o ofício com o valor integral do custo da viagem – encargo da responsabilidade dos cidadãos que integraram a flotilha", indicou o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), citado pela Renascença.
De acordo com o Ministério liderado por Paulo Rangel, foi adiantado o valor das deslocações "por razões logísticas de ordem prática", valor esse que é agora exigido aos ativistas.
"A acompanhar o ofício seguiu também o Formulário de Pedido de Reembolso do custo da viagem que cabe a cada um, nos termos do regulamento consular".
"Um governo decente mandaria a fatura ao genocida"
O montante relativo às despesas de repatriamento dos quatro ativistas não é conhecido.
Mariana Mortágua, um dos rostos mais mediáticos da delegação portuguesa que esteve detida em solo israelita, reagiu de imediato.
Nas redes sociais, e em tom de crítica, confirmou que irá pagar o bilhete, "comprando a prova de que há ministros sem espinha".
Portugueses têm de efetuar o reembolso ao Estado?
A legislação portuguesa define as várias competências dos postos e secções consulares portugueses.
Entre elas está a "prestação de apoio a portugueses em dificuldade, como nos casos de prisão ou de detenção" ou "o acompanhamento dos processos de repatriação de portugueses no estrangeiro, em particular nos casos de expulsão, por forma a prestar o aconselhamento necessário e a garantir a defesa dos direitos dos cidadãos nacionais".
Apesar da lei detalhar a previsão legal de repatriação de portugueses detidos ou expulsos, não indica se o Estado cobre todos os custos, que podem variar mediante as situações. No caso da retirada de cidadãos portugueses em situações de emergência ou catástrofes, por exemplo, esses custos estão assegurados pelo Estado, tal com explica a legislação:
"As despesas efetuadas com operações de evacuação são tendencialmente suportadas pelo Estado, desdobrando-se em concordância com a distribuição de encargos setoriais prevista nos planos operacionais nacionais".
No caso dos ativistas da flotilha, a deslocação resulta de uma decisão pessoal e não de uma missão oficial ou diplomática em representação do Estado português.
Diplomatas, militares ou representantes em organismos internacionais que executem uma missão oficial têm os custos de repatriamento assegurados. Ao contrário do que acontece em situações de ações pessoais, como foi o caso, nas quais é possível efetuar um pedido de reembolso - conforme foi agora solicitado pelo MNE.
"Pelo menos é uma forma de as pessoas se responsabilizarem pelas iniciativas que tomam. Portanto, ou isto é algo que é feito com autorização e patrocínio do Governo português, ou não é. Não sendo, tem de ser tratado como seria com qualquer outro cidadão português", explica Francisco Pereira Coutinho, especialista em Direito Internacional Público e Direito Constitucional Europeu à Euronews, reforçando que se tratou de uma missão voluntária e não uma iniciativa governamental.
"Não indo em missão nenhuma, então o Estado português não é responsável por aquilo que nós, os cidadãos, fazemos no estrangeiro", reforçou.
"Quando se trata de uma missão oficial ou diplomática, essa proteção existe sempre. No seu caso, se for de férias agora para Moçambique e lhe acontecer alguma coisa, se tiver que ser repatriada, etc, então os custos do repatriamento têm de ser assegurados pelo Estado português?", questionou.
"Isto é uma questão política"
Francisco Pereira Coutinho reforça, no entanto, a dimensão política da situação.
"É um facto que há uma dimensão política que o Estado português poderia querer secundar. E, aliás, o Estado português até podia tomar outra atitude (...). Ou seja, o Estado português poderia dizer que estas pessoas têm uma visibilidade pública, e a causa é tão justa que nós associamos-nos e, excecionalmente, não vamos exigir este dinheiro de volta, porque isto para nós é mais importante", explicou o especialista, indicando que essa não é a posição do atual executivo face ao problema.
"Politicamente, há uma sinalização clara" explica o professor, indicando que "se fosse outro governo com outra cor política, se calhar, a resposta seria outra, e era legítimo".
No caso de Espanha, por exemplo, o governo de Madrid pagou os bilhetes de avião aos cidadãos espanhóis que participaram na flotilha de forma a regressarem ao país, não existindo, até ao momento, indicação que possa pedir a devolução do valor dessa operação.