Todos os anos, no dia 15 de outubro, a Tunísia celebra o aniversário da retirada do último soldado francês do seu território. No entanto, desde aquele dia, em 1963, que as relações com Paris têm oscilado entre períodos de aproximação e períodos de distanciamento.
As batalhas pela independência da Tunísia estenderam-se por vários anos, começando com os pedidos tunisinos para a retirada das forças francesas após a independência em 1956. França manteve uma presença militar em várias bases, especialmente no sul e em Bizerta, sob o pretexto de apoiar as suas operações na Argélia.
Com a crescente pressão popular e política, o historiador Mahdi Hassous explica à Euronews que a Tunísia intensificou as suas ações através de manifestações e do cerco a quartéis desde fevereiro de 1958, resultando num acordo parcial para a retirada das forças francesas de todas as bases, exceto Bizerta.
Em julho de 1961, eclodiu a Batalha de Bizerta, na qual a Tunísia procurou acabar definitivamente com a presença francesa. Os confrontos desiguais resultaram num massacre com mais de 4 mil tunisinos mortos, segundo algumas estimativas. Desde então, as relações entre a Tunísia e França oscilaram entre períodos de proximidade e de frieza.
Governo de Bourguiba: do confronto ao pragmatismo
O académico e político Tarek Kahlaoui conta à Euronews que, após resolver a crise de Bizerta e a retirada das últimas forças francesas, as relações franco-tunisinas entraram numa nova fase dominada pelo pragmatismo e interesses comuns. Após anos de intensos confrontos militares e políticos, a relação complexa transformou-se numa parceria estratégica.
Kahlaoui acrescenta que, após a Tunísia encerrar a experiência de “cooperativas” no final dos anos 60 e Hedi Nouira assumir a chefia do governo, iniciou-se uma nova política económica voltada para a abertura ao mercado global e atração de capital estrangeiro.
França tornou-se a pedra angular desta estratégia, com as leis de investimento tunisinas, especialmente no início dos anos 70, a abrir amplamente as portas aos investimentos franceses. O capital afluía para os setores industriais, destacando-se as indústrias têxteis, que se tornaram no pilar da cooperação económica entre os dois países, criando milhares de empregos e impulsionando a economia tunisina.
O setor turístico também registou um verdadeiro boom graças à aproximação franco-tunisina. As praias tunisinas tornaram-se um destino preferido para os turistas franceses, impulsionados pela proximidade geográfica, cultural e pelas ligações linguísticas.
No campo cultural, França manteve-se como o principal parceiro da Tunísia, com o francês a continuar a ter um lugar de destaque como língua de ensino superior, pesquisa científica e negócios. A colaboração universitária permaneceu forte, com as universidades francesas a receberem milhares de estudantes tunisinos anualmente.
Período de instabilidade sob a liderança de Ben Ali (1987-2011)
Tarek Kahlaoui menciona à Euronews que a ascensão de Zine El Abidine Ben Ali ao poder na Tunísia, em 1987, marcou um novo ponto de viragem nas relações franco-tunisinas, caraterizado pela complexidade e dualidade, oscilando entre períodos de proximidade estratégica e outros de tensão diplomática.
Inicialmente, os círculos franceses receberam a mudança na Tunísia com cautela, devido a suspeitas de um possível papel da Itália, rival regional de França no Mediterrâneo, em apoiar essa mudança.
No entanto, Ben Ali, com o seu pragmatismo, rapidamente procurou tranquilizar Paris e redefinir a relação conforme as suas novas prioridades de “reconciliação” interna e externa. Logo emergiu um padrão claro na relação, que se tornou uma caraterística principal dessa era, sendo diretamente afetada pela identidade do partido no poder em França.
Nos períodos em que o partido socialista francês esteve no poder, as relações franco-tunisinas foram marcadas por tensões. Os governos socialistas intensificaram as críticas públicas ao registo de direitos humanos da Tunísia e às práticas repressivas do regime de Ben Ali.
Em contrapartida, as relações atingiram o seu pico de proximidade durante o mandato do presidente francês Jacques Chirac, da direita. Chirac acreditava na “realpolitik”, priorizando a cooperação económica e de segurança sobre as críticas aos direitos humanos.
Pós-revolução: parceria num contexto de incerteza
Kahlaoui acrescenta que as relações franco-tunisinas nos anos seguintes à revolução de 2011 entraram numa nova fase de complexidade, herdando um pesado legado de desconfiança popular, mas com a necessidade de continuar a parceria.
Por um lado, a elite política tunisina, incluindo o movimento islâmico e a presidência de Moncef Marzouki, que tinha fortes laços com França devido à sua longa estadia no país, ao seu ativismo político e oposicionista no exílio, ao seu trabalho humanitário e às suas conexões académicas e culturais, procuraram manter relações de trabalho com Paris.
Por outro lado, a opinião pública tunisina manteve-se cautelosa e desconfiada, vendo a França como continuando a adotar uma “política de tutela e priorização de interesses estreitos em detrimento do bem-estar tunisino”. Apesar destas tensões, a cooperação bilateral continuou em áreas como a segurança e o combate ao terrorismo. França permaneceu um dos principais parceiros comerciais e económicos da Tunísia.
As medidas extraordinárias tomadas pelo presidente tunisino Kais Saied a 25 de julho de 2021, incluindo a suspensão do parlamento e a destituição do primeiro-ministro Hichem Mechichi na altura, foram uma surpresa para a diplomacia francesa e uma mudança que Paris não esperava.
Embora as medidas de Saied tenham enfrentado críticas internacionais sobre o que foi considerado “deterioração dos direitos humanos e retrocesso das liberdades”, essas críticas diminuíram substancialmente após o acordo europeu sobre migração em julho de 2023.
Kahlaoui afirma que a natureza das relações euro-tunisinas mudou, com a ascensão do papel da Itália como líder e ator principal no dossier tunisino, em detrimento da tradicional influência francesa. Esta mudança ficou evidente na questão da migração irregular, onde a diplomacia italiana conseguiu convencer os seus parceiros europeus a adotar uma abordagem mais flexível em relação à Tunísia.
Esta mudança na posição europeia deve-se a uma estratégia italiana clara baseada no princípio da troca. Em troca da cooperação da Tunísia na vigilância das suas fronteiras e na redução do fluxo de migrantes irregulares através do Mediterrâneo, Itália trabalha para suavizar a posição europeia e aliviar a pressão sobre questões de direitos humanos na Tunísia.
Esta nova equação reformulou os equilíbrios diplomáticos na região, enfraquecendo a posição tradicional de França como principal parceiro da Tunísia, enquanto Itália se consolidou como um ator regional importante no cenário mediterrânico.