Alemanha é a grande economia desenvolvida com o pior desempenho do mundo

Sol põe-se atrás da central elétrica a carvão Scholven da empresa de energia Uniper, em Gelsenkirchen, na Alemanha
Sol põe-se atrás da central elétrica a carvão Scholven da empresa de energia Uniper, em Gelsenkirchen, na Alemanha Direitos de autor AP Photo/Michael Sohn, File
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De  Euronews com AP
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Artigo publicado originalmente em inglês

Passou de admirada por todos ao pior desempenho do mundo. O que aconteceu com a economia alemã?

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Durante a maior parte deste século, a Alemanha tem sido um sucesso económico. Dominou mercados globais de produtos de alta qualidade, como carros de luxo e maquinaria industrial. Os alemães vendiam tanto para o resto do mundo que metade da economia funcionava com exportações.

O emprego era abundante e o dinheiro nos cofres do Estado crescia, enquanto outros países europeus se afogavam em dívidas. Escreviam-se livros sobre o que os outros países podiam aprender com a Alemanha.

Agora a história é outra. 

A Alemanha é atualmente a grande economia desenvolvida com o pior desempenho do mundo. Tanto o Fundo Monetário Internacional como a União Europeia preveem que a economia alemã registe uma contração este ano.

A recessão surge na sequência da invasão russa da Ucrânia e da perda do gás natural barato de Moscovo. Tal foi um choque sem precedentes para as indústrias de energia intensiva da Alemanha, que durante muito tempo foi a potência industrial da Europa.

O súbito fraco desempenho da maior economia europeia desencadeou uma onda de críticas e debates sobre o caminho a seguir.

Berlim arrisca-se a uma "desindustrialização", uma vez que os elevados custos da energia e a inação do governo em relação a outros problemas crónicos ameaçam enviar novas fábricas e empregos bem remunerados para outros locais, acredita Christian Kullmann, diretor executivo da grande empresa química alemã Evonik Industries AG.

AP Photo/Martin Meissner
Christian Kullmann, diretor executivo da empresa alemã de especialidades químicas Evonik Industries, olha para o centro da cidade de Essen.AP Photo/Martin Meissner

A partir da janela do seu escritório no 21º andar na cidade alemã de Essen, Kullmann destaca os símbolos do sucesso anterior da histórica região industrial do Vale do Ruhr: chaminés de fábricas de metal, montes gigantescos de resíduos de minas de carvão agora encerradas, uma enorme refinaria de petróleo da BP e a extensa unidade de produção química da Evonik.

A antiga região mineira está agora repleta de turbinas eólicas e espaços verdes - um espelho da transição energética.

A perda do gás natural russo barato, necessário para alimentar as fábricas, "prejudicou dolorosamente o modelo de negócio da economia alemã", diz Kullmann.

Depois de a Rússia ter cortado a maior parte do seu gás para a União Europeia, o governo alemão pediu à Evonik que mantivesse a sua central elétrica a carvão dos anos 60 a funcionar durante mais alguns meses.

A empresa está a substituir a central por dois geradores a gás que poderão mais tarde funcionar com hidrogénio, no âmbito dos planos para se tornar neutra em carbono até 2030.

As fissuras nos alicerces da Alemanha

O governo procura uma solução. Um limite máximo financiado pelo governo para os preços da eletricidade industrial é uma das hipóteses, para que a economia passe pela transição para as energias renováveis.

A proposta do vice-chanceler Robert Habeck, dos Verdes, enfrentou a resistência do chanceler Olaf Scholz, social-democrata, e do parceiro de coligação pró-empresarial, os Democratas Livres. Os ambientalistas afirmam que esta medida prolongaria a dependência dos combustíveis fósseis.

Kullmann é a favor. "Foram as decisões políticas erradas que, em primeiro lugar, desenvolveram e influenciaram os elevados custos da energia. E não pode ser agora a indústria alemã e os trabalhadores alemães a pagar a fatura."

O preço do gás é quase o dobro do que era em 2021, prejudicando as empresas que precisam dele para fazer vidro, papel e revestimentos metálicos usados em edifícios e carros.

Um segundo golpe veio com o abrandamento da economia da China, um parceiro comercial fundamental, após várias décadas de forte crescimento.

Estes choques externos expuseram fissuras nos alicerces da Alemanha, ignoradas durante anos de sucesso, incluindo a utilização tardia da tecnologia digital no governo e nas empresas e um processo moroso de aprovação de projetos de energias renováveis extremamente necessários.

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Além disso, o dinheiro que o governo tinha em caixa devia-se, em parte, aos atrasos no investimento em estradas, na rede ferroviária e na Internet de alta velocidade nas zonas rurais. 

As empresas enfrentam uma grave escassez de mão de obra qualificada, com as ofertas de emprego a atingirem um recorde de pouco menos de dois milhões.

A decisão de 2011 de encerrar as restantes centrais nucleares alemãs foi posta em causa devido às preocupações com os preços e a escassez de eletricidade. O governo já admitiu ter sido um erro confiar na Rússia para fornecer gás de forma fiável através dos gasodutos Nord Stream sob o Mar Báltico - entretanto encerrados e danificados durante a guerra.

Empresas querem transitar para energia limpa

Atualmente, os projetos de energia limpa são travados por uma extensa burocracia. Os limites de distância em relação às casas mantêm a construção anual de turbinas eólicas em apenas um dígito na região sul da Baviera.

Uma linha elétrica de 10 mil milhões de euros, que trará energia eólica do norte para a indústria do sul, tem sofrido atrasos devido à resistência política às torres à superfície. O enterramento da linha significa a sua conclusão em 2028, em vez de 2022.

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Entretanto, as empresas com utilização intensiva de energia estão a tentar fazer face ao choque de preços.

A Drewsen Spezialpapiere, que fabrica papel para passaportes e selos, bem como palhinhas de papel, comprou três turbinas eólicas perto da sua fábrica no norte da Alemanha. Assim, consegue cobrir cerca de um quarto da sua procura externa de eletricidade, à medida que se afasta do uso do gás natural.

A empresa de vidros especiais Schott AG experimentou substituir o gás por hidrogénio isento de emissões na fábrica onde produz vidro em tanques a uma temperatura de 1.700 graus Celsius. Funcionou, mas apenas em pequena escala, com o hidrogénio fornecido por camião. Seriam necessárias quantidades maciças de hidrogénio produzido com eletricidade renovável e fornecido por gasoduto, o que ainda não existe.

Scholz apelou a que sejam criados urgentemente quatro terminais flutuantes de gás natural em meses para substituir o gás russo perdido. O gás natural liquefeito que chega aos terminais por navio, proveniente dos Estados Unidos, do Qatar e de outros países, é mais caro do que o fornecimento por gasoduto russo, mas o esforço mostrou o que a Alemanha pode fazer.

No entanto, as disputas entre o governo de coligação sobre o limite do preço da energia e uma lei que proíbe novos fornos a gás exasperaram os líderes empresariais.

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A Alemanha tornou-se complacente durante uma "década de ouro" de crescimento económico, entre 2010 e 2020, diz Holger Schmieding, economista-chefe do banco Berenberg. 

Schmieding, que em tempos apelidou a Alemanha de "o homem doente da Europa" numa influente análise de 1998, considera que esse rótulo seria exagerado atualmente, tendo em conta o baixo nível de desemprego e a solidez das finanças públicas. Isto dá à Alemanha espaço para atuar, mas reduz a pressão para fazer mudanças.

O passo imediato mais importante, de acordo com o economista, seria acabar com a incerteza sobre os preços da energia. Quaisquer que sejam as políticas escolhidas, "já seria uma grande ajuda se o governo chegasse rapidamente a um acordo sobre elas, para que as empresas saibam o que estão a fazer e possam planear em conformidade, em vez de adiarem as decisões de investimento".

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