Duas ONG alegam que a pesca de arrasto de fundo é contrária à conservação da biodiversidade e aos compromissos legais de França em matéria de proteção dos ecossistemas marinhos.
O governo francês está a ser levado a tribunal para acabar com as práticas de pesca destrutivas nas áreas marinhas protegidas.
A Environmental Justice Foundation (EJF) e a Défense des Milieux Aquatiques (DMA) lançaram uma ação judicial contra França por não proibir a pesca de arrasto de fundo nas Áreas Marinhas Protegidas (AMP) Natura 2000.
As ONG estão a levar o caso ao mais alto tribunal do país - o Conseil d'Etat - devido ao que dizem ser o fracasso do governo em cumprir a sua obrigação de proteger o ambiente marinho dos danos causados por esta prática de pesca destrutiva.
"A pesca de arrasto de fundo é contrária à conservação da biodiversidade e aos compromissos jurídicos assumidos pela França em matéria de proteção das AMP", afirma Raphaelle Jeannel, advogada principal da Huglo Lepage Avocats, o gabinete jurídico que lidera a ação.
"Atualmente, a preservação da biodiversidade marinha é uma questão de direito e o Estado deve garantir a sua aplicação efectiva".
O que é o arrasto de fundo e onde é que já é proibido?
A pesca de arrasto de fundo é um método de pesca destrutivo que consiste em arrastar redes pesadas pelo fundo do mar. Pode matar animais e plantas, perturbar os ecossistemas do fundo do mar e libertar carbono dos sedimentos alterados.
Vários Estados-membros da UE já lançaram planos para a sua eliminação progressiva. A Grécia foi o primeiro país a anunciar a proibição da pesca de arrasto de fundo em todas as suas zonas marinhas protegidas até 2030 e nos seus três parques marinhos nacionais até 2026.
Em janeiro, a Suécia também propôs a proibição da pesca de arrasto de fundo nas zonas marinhas protegidas do país
No início deste mês, a Dinamarca anunciou planos para proibir a pesca de arrasto de fundo em 17 977 quilómetros quadrados das suas águas, a fim de melhorar as condições marinhas em declínio. A proposta alargaria a área total onde a pesca de arrasto de fundo é proibida para 22 841 quilómetros quadrados.
"Iniciámos esta ação judicial porque, apesar de a rede Natura 2000 cobrir 35% do território marítimo francês, 90% das espécies e dos habitats que protege continuam ameaçados, o que faz com que estas AMP não passem de linhas num mapa", afirma Marie Colombier, ativista sénior da EJF para os oceanos.
"É mais que tempo de as autoridades responsáveis em França agirem para proteger os inestimáveis hotspots de biodiversidade marinha do país. De que outra forma poderá a França liderar a ação global em prol do nosso planeta azul e acolher com credibilidade a próxima Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos em Nice?"
Mathilde Ollivier, senadora dos cidadãos franceses que vivem fora de França, também apoia a ação judicial. Mathilde Ollivier, senadora dos cidadãos franceses que vivem fora de França, também apoia a ação judicial e afirma que França "não está à altura das suas ambições" em matéria de conservação marinha.
Ação judicial incide sobre duas áreas protegidas em França
O processo centra-se em duas AMP - Bancs des Flandres e Chausey - ambas situadas no Canal da Mancha.
Estas zonas especiais de conservação (ZEC) da rede Natura 2000 foram designadas devido à singularidade dos seus bancos de areia e dos seus leitos de maerl (um tipo de alga que cresce no fundo do mar), que funcionam como viveiros cruciais para a vida marinha.
Dados de satélite de fonte aberta mostram que uma média de 83 navios que utilizam redes de arrasto de fundo ou redes envolventes-arrastantes demersais (outra prática de pesca destrutiva) operaram anualmente nos Bancs des Flandres entre 2022 e 2024, de acordo com as ONG. Coletivamente, estas embarcações registaram mais de 6.800 horas de pesca por ano.
Do mesmo modo, a zona de Chausey registou uma média de 13 arrastões de fundo por ano e quase 4.000 horas de pesca.
Os autores do processo afirmam que isto foi feito sem qualquer avaliação do impacto ambiental, apesar do risco de danos graves para os habitats protegidos.
Apesar de se centrar nestas duas AMP, a EJF e a DMA afirmam que o objetivo é chamar a atenção para um fracasso mais vasto do governo francês na aplicação das proteções nas águas francesas.
As ONG alegam que, em França, esta prática destrutiva continua a ser levada a cabo em 77% dos sítios marinhos Natura 2000, em violação da legislação ambiental nacional e comunitária. Afirmam que, nos últimos cinco anos, foram registadas cerca de 200 000 horas de pesca de arrasto por ano nas AMP francesas.
O impacto da pesca de arrasto de fundo não se limita aos danos causados aos ecossistemas vitais. Philippe Garcia, presidente da DMA, afirma que a aplicação correta dos regulamentos existentes poderia também revitalizar a pesca costeira de pequena escala que utiliza práticas sustentáveis e de baixo impacto.
"As políticas atuais dão prioridade aos lucros a curto prazo e à sobre-exploração, deixando os ecossistemas degradados e os pescadores sem um caminho claro para o futuro. A pesca sustentável depende de ecossistemas marinhos saudáveis e, sem uma ação eficaz, o futuro do sector continua em risco."
Na semana passada, os pescadores juntaram-se às ONG para apelar a uma ação urgente sobre o arrasto de fundo nas AMP através de cartas abertas ao Presidente francês Emmanuel Macron e ao Comissário da UE para as Pescas e os Oceanos, Costas Kadis.