Trump apelidou as fontes de energia renováveis, como a energia eólica, de "anedota" e criticou os esforços climáticos da ONU.
Os líderes de alguns países estão a assistir ao aumento do nível do mar, que ameaça engolir as suas casas. Outros estão a assistir à morte dos seus cidadãos em inundações, furacões e ondas de calor, todos agravados pelas alterações climáticas.
Mas o mundo que o presidente dos EUA, Donald Trump, descreveu no seu discurso perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, na terça-feira, não corresponde àquele com que muitos líderes mundiais na plateia se estão a confrontar. Nem estava de acordo com o que os cientistas há muito observam.
"Esta 'mudança climática' é, na minha opinião, a maior vigarice alguma vez perpetrada contra o mundo", disse Trump.
"Todas estas previsões feitas pelas Nações Unidas e por muitos outros, muitas vezes por más razões, estavam erradas. Foram feitas por pessoas estúpidas que custaram fortunas aos seus países e não deram a esses mesmos países qualquer hipótese de sucesso. Se não se afastarem desta fraude verde, o vosso país vai falhar."
Há muito que Trump é um crítico da ciência climática e das políticas que visam ajudar o mundo a fazer a transição para energias verdes como a eólica e a solar. O seu discurso de terça-feira, no entanto, foi um dos mais expansivos até à data. Incluiu afirmações falsas e estabeleceu ligações entre questões que não estão relacionadas.
Ilana Seid, embaixadora da nação insular do Palau e diretora da organização dos pequenos Estados insulares, estava na plateia. E referiu que isto é algo que é esperado de Trump e dos Estados Unidos.
Acrescentou ainda que não agir relativamente às alterações climáticas "será uma traição aos mais vulneráveis", um sentimento ecoado por Evans Davie Njewa, do Malawi, que disse que "estamos a colocar em risco a vida de pessoas inocentes em todo o mundo".
Para Adelle Thomas, uma cientista climática que publicou mais de 40 estudos e tem um doutoramento sobre o tema, as catástrofes provocadas pelas alterações climáticas também são uma questão pessoal.
Vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, o principal organismo mundial de ciência climática, Thomas é natural das Bahamas e disse que sentiu, em primeira mão, "a devastação do desastre climático" quando o furacão Sandy atingiu as Caraíbas e a cidade de Nova Iorque, a cidade a partir de onde Trump estava a discursar, em 2012.
"Milhões de pessoas em todo o mundo já podem testemunhar a devastação que as alterações climáticas provocaram nas suas vidas", afirmou.
"As provas não são abstratas. São vividas, são mortais e exigem uma ação urgente."
Leia, de seguida, algumas das declarações de Trump, a ciência por detrás das mesmas e a reação.
Sobre as energias renováveis
O QUE TRUMP DISSE: Trump apelidou as fontes de energia renováveis, como a energia eólica, de "anedota" e algo "patético", afirmando falsamente que não funcionam, são demasiado caras e demasiado fracas.
ENQUADRAMENTO: A energia solar e a energia eólica são agora "quase sempre" as opções mais baratas e mais rápidas para a produção de nova eletricidade, de acordo com um relatório de julho das Nações Unidas. O relatório afirma ainda que o mundo ultrapassou um "ponto de inflexão positivo" em que essas fontes de energia continuarão a generalizar-se.
No ano passado, as três fontes de eletricidade mais baratas a nível mundial foram a energia eólica terrestre, os painéis solares e as novas centrais hidroelétricas, de acordo com um relatório sobre os custos da energia elaborado pela Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA).
Os subsídios apoiados por Trump e pelo Partido Republicano estão a manter artificialmente os combustíveis fósseis viáveis, referiu o cientista climático Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia.
"Se fosse verdadeiramente a favor de ter o 'mercado livre' a determinar isso mesmo, então os combustíveis fósseis estariam a desaparecer ainda mais rapidamente", escreveu num e-mail.
Em relação a este assunto, Trump afirmou falsamente que as faturas de eletricidade na Europa são agora "duas a três vezes mais altas do que nos Estados Unidos, e as nossas faturas estão a baixar muito".
Mas, na verdade, os preços de retalho da eletricidade nos Estados Unidos aumentaram mais rapidamente do que a taxa de inflação desde 2022, de acordo com a Administração de Informação Energética dos EUA. A agência prevê que os preços continuem a subir até 2026.
Sobre a política climática internacional, a ONU e o Acordo de Paris
O QUE TRUMP DISSE: Trump criticou os esforços climáticos da ONU, dizendo que retirou a América do "falso" acordo climático de Paris porque "a América estava a pagar muito mais do que todos os outros países, os outros não estavam a pagar".
ENQUADRAMENTO: O Acordo de Paris, decidido por consenso internacional em 2015, é um documento voluntário, mas vinculativo, no qual cada país é convidado a estabelecer o seu próprio objetivo nacional para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e decidir quanto dinheiro irá contribuir para os países que serão mais afetados pelas alterações climáticas.
Dado que o dióxido de carbono permanece na atmosfera durante mais de um século, os Estados Unidos emitiram mais deste gás causador de aquecimento do que qualquer outra nação, apesar de a China ser atualmente o maior poluidor de carbono do mundo.
Desde 1850, os Estados Unidos contribuíram com 24% do dióxido de carbono que se encontra no ar, causado pelo homem, de acordo com os dados do Global Carbon Project. Todo o continente africano, com uma população quatro vezes superior à dos EUA, é responsável por cerca de 3%.
Sobre o carvão ser apelidado de limpo
O QUE TRUMP DISSE: "Tenho uma pequena ordem permanente na Casa Branca. Nunca usar a palavra 'carvão'. Utilizar apenas as palavras 'carvão limpo e bonito'. Soa muito melhor, não é verdade?"
ENQUADRAMENTO: O carvão mata milhões de pessoas por ano. "O presidente pode fingir que o carvão é algo limpo, mas pessoas reais - mães, pais, filhos e filhas - irão morrer devido a essa mentira", referiu o cientista climático Rob Jackson, da Universidade de Stanford.
Trump também chamou à pegada de carbono "um embuste inventado por pessoas com más intenções", uma afirmação com a qual o climatologista Andrew Dessler, da Universidade A&M do Texas, concordou. Segundo Dessler, o termo foi criado pelas empresas petrolíferas e pode ter sido concebido para transferir a responsabilidade pelo combate às alterações climáticas das empresas para os indivíduos.
A ciência das alterações climáticas teve início há 169 anos, quando Eunice Foote fez experiências simples com frascos e luz solar, mostrando que o dióxido de carbono retinha mais calor do que a atmosfera normal. É uma experiência que pode ser repetida em casa e que tem sido feita em laboratórios centenas de vezes e em estufas em todo o mundo todos os dias. Trata-se de física e química básicas com uma longa história.
"É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra", afirmou o IPCC, que é composto por centenas de cientistas, com doutoramentos na área.
Em 2018, o próprio governo de Trump afirmou: "Os impactos das alterações climáticas globais já estão a ser sentidos nos Estados Unidos e prevê-se que se intensifiquem no futuro".
Sobre as vacas e o metano
O QUE TRUMP DISSE: Nos "Estados Unidos, ainda temos ambientalistas radicalizados e eles querem que as fábricas parem. Tudo deve parar. Acabaram-se as vacas. Já não queremos vacas".
ENQUADRAMENTO: As vacas expelem metano, um poderoso gás com efeito de estufa. Em todo o mundo, o gado é frequentemente criado em terras onde as florestas foram cortadas. Uma vez que as florestas captam dióxido de carbono, cortá-las para criar gado resulta num duplo golpe. Ainda assim, ninguém está a sugerir que as vacas sejam eliminadas, explicou Nusa Urbancic, CEO da Changing Markets Foundation.
"Esta linguagem polarizadora e divisiva deturpa a mensagem ambiental", escreveu Urbancic.
"O que é verdade, no entanto, é que reduzir as emissões de metano é uma solução rápida para desacelerar o aquecimento global e cumprir as metas climáticas."
Trump também culpou o ar poluído que sopra de longe, o lixo flutuante no oceano proveniente de outros países e os "ambientalistas radicais".
Embora os Estados Unidos tenham, de facto, um ar mais limpo do que em décadas anteriores, a poluição que se infiltra nas comunidades é causada principalmente por projetos locais de energia suja e indústria, e não por outros países. E muitos especialistas afirmam que o maior golpe para a qualidade local do ar e da água são as amplas medidas da administração Trump para reduzir o poder da Agência de Proteção Ambiental dos EUA e outras leis ambientais fundamentais.
"É triste ver o lixo marinho, uma questão de importância global, a ser deturpado de forma tão absoluta", constatou Lucy Woodall, professora associada de conservação e política marinha na Universidade de Exeter.