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Sem para onde ir: alterações climáticas são o maior pesadelo do mercado imobiliário

Uma pessoa caminha na praia junto a casas danificadas pelo incêndio de Palisades, 16 de janeiro de 2025, em Malibu
Caminha na praia junto a casas danificadas pelo incêndio Palisades, 16 jan. 2025, Malibu Direitos de autor  Copyright 2025 The Associated Press. All rights reserved
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De Liam Gilliver
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Da queda acentuada dos preços das casas à dificuldade em segurar habitações, as alterações climáticas estão a afetar o mercado imobiliário global

Riscos agravados pelas alterações climáticas tornaram-se já um “fator crucial nas decisões de compra de casa” para mais de 80% dos potenciais compradores.

Foi o que afirmou a Zillow, o maior site de anúncios imobiliários dos EUA, em setembro do ano passado, ao lançar uma nova ferramenta online em colaboração com a organização ambiental sem fins lucrativos First Street.

A pontuação de risco climático da Zillow permitia aos potenciais compradores avaliar o risco de incêndio, cheias, calor extremo, vento e má qualidade do ar em cerca de um milhão de propriedades, através de um mapa interativo codificado por cores.

Catorze meses depois, a Zillow ocultou a funcionalidade no site, após queixas de agentes imobiliários e proprietários de que estava a prejudicar as vendas de casas. As listagens passam agora a incluir ligações externas para a First Street, em vez de mostrar a informação diretamente em cada anúncio.

Isto evidencia a fragilidade crescente do mercado imobiliário numa altura em que enfrenta uma das maiores ameaças: a crise climática.

Incêndios geram acusações de aumentos abusivos das rendas

2025 começou com incêndios recordeque varreram Los Angeles, Califórnia, destruindo mais de 10.000 casas e provocando pelo menos 28 mortos.

Impulsionado por fortes ventos Santa Ana e alimentado por vegetação extremamente seca, o fogo espalhou-se rapidamente por zonas urbanas e provocou danos superiores a 30 mil milhões de dólares (cerca de €25,85 mil milhões).

Investigadores confirmaram entretanto que as condições quentes, secas e ventosas que alimentaram os incêndios extremos eram cerca de 35% mais prováveis devido às alterações climáticas.

Apesar de a legislação estadual proibir aumentos superiores a 10% em bens essenciais como alimentação e habitação durante emergências nacionais, centenas de proprietários foram acusados de “aumentos abusivos” nas rendas.

Ou seja, fixam-se rendas excessivas para um imóvel ou impõem-se fortes aumentos a inquilinos existentes devido à maior procura.

A Califórnia tornou-se agora o primeiro estado dos EUA a obrigar vendedores de casas construídas antes de 2010 a divulgar o risco de incêndio do imóvel e as medidas adotadas para reduzir vulnerabilidades.

Mas estas proteções não estabilizam preços das casas nem impedem residentes de mudarem de zona. Na Florida, a crescente preocupação com condições meteorológicas severas durante a época de furacões no Atlântico e os custos de seguro em alta levaram muitos moradores a mudar-se.

O Florida Climate Survey concluiu que 36% dos 1,4000 inquiridos em todo o estado tinham mudado ou ponderavam mudar-se, total ou parcialmente, devido às ameaças de furacões, cheias e calor extremo.

Como as alterações climáticas afetam os preços das casas

Na Europa, desastres agravados pelas alterações climáticas também estão a provocar movimentos voláteis no mercado imobiliário.

Um estudo recente publicado na SSRN analisou preços de venda e arrendamento nas 47 capitais provinciais de Espanha continental entre 2009 e 2024, para medir o impacto do calor extremo no valor dos imóveis.

Tudo numa altura em que Espanha atravessou o verão mais quente de que há registo, com temperaturas a atingir 45,8 ºC durante uma onda de calor em 17 de agosto. O calor extremo abriu caminho a incêndios intensos, que queimaram mais de 380.000 hectares no país este ano.

Cientistas alertam que as condições quentes, secas e ventosas que alimentaram os incêndios são agora cerca de 40 vezes mais frequentes e cerca de 30% mais intensas do que seriam num mundo sem alterações climáticas.

Os investigadores concluíram que cada dia adicional com temperaturas acima de 35 ºC se traduz numa descida de €1,40 por metro quadrado nos preços de venda e de €0,0059 nas rendas mensais na mesma província.

Com cerca de 700.000 casas à venda em 2024, isto equivale a uma perda anual de aproximadamente €117,6 milhões nas vendas e de €500.000 nas rendas.

Contudo, o estudo concluiu também que, nas regiões mais frescas de Espanha, a subida das temperaturas tem na verdade aumentado os preços de venda em €2,80 por metro quadrado e as rendas em €0,012.

Por cada 1 ºC de aquecimento, a atmosfera consegue reter cerca de 7% mais vapor de água, aumentando a probabilidade de precipitação intensa.

Em Inglaterra, isto significa que 6,3 milhões de casas estão agora em zonas em risco de cheias por rios, mar ou águas pluviais.

Incerteza alastra pelo mercado imobiliário

Rachel Ollington, consultora imobiliária e antiga proprietária de agência, diz à Euronews Green que as alterações climáticas podem parecer um “tema de longo prazo”, mas já estão a moldar avaliações e comportamento dos compradores em todo o Reino Unido.

“Está a tornar-se parte da conversa de formas que simplesmente não víamos há dez, ou mesmo cinco anos.”

Ollington explica que deixou de ser invulgar duas casas semelhantes, separadas por poucas ruas, gerarem níveis de interesse muito diferentes apenas porque uma se encontra numa zona de maior risco de cheias ou incêndios.

“Os interessados chegam com muito mais perguntas do que antes”, acrescenta. “Estão a verificar custos de seguro antes de agendarem uma segunda visita. Alguns trazem relatórios de risco climático, dados locais de cheias e até previsões de erosão.”

Embora estas ameaças não afastem totalmente os potenciais compradores, estão a atrasar decisões e a aumentar as taxas de desistência (quando os compradores mudam de ideias antes da conclusão da venda).

Ollington já viu “vendas perfeitamente sólidas” falharem porque os proprietários foram apanhados por prémios de seguro excessivos ou porque seguradoras abandonaram um código postal após um evento de meteorologia severa.

“Essa incerteza cria um efeito em cascata nas cadeias”, diz.

As alterações climáticas estão também a abalar o mercado de arrendamento no Reino Unido, com proprietários a evitar investir em zonas costeiras ou ribeirinhas. Outros ponderam vender devido aos riscos de seguro e às obrigações de manutenção.

Mesmo na Austrália, a meteorologia extrema está a abrir grandes buracos no mercado imobiliário. O Climate Councilconcluiu recentemente que as casas propensas a cheias na Austrália valem, no total, menos 42,2 mil milhões de AUD (cerca de €23,83 mil milhões) do que valeriam sem o aumento do risco de inundações.

Casas inasseguráveis

Investigação da Universidade de Loughborough defende que as alterações climáticas estão também a tornar-se numa “crise dos seguros” no Reino Unido e além – com os sinistros a disparar devido a eventos de meteorologia extrema.

A Association of British Insurers, associação do setor dos seguros e poupança de longo prazo no Reino Unido, reportou um recorde de £585 milhões (cerca de €609,85 milhões) em indemnizações por danos meteorológicos em habitações em 2024. Como resultado, as seguradoras estão sob pressão para aumentar acentuadamente os prémios ou retirar a cobertura por completo.

“Quando o seguro se torna incomportável ou indisponível, os agregados familiares ficam expostos, os valores dos imóveis caem, é mais difícil obter hipotecas e aumenta o risco de uma crise financeira mais ampla”, dizem os investigadores.

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