Os produtos baseados na natureza, tais como os biocombustíveis e os bioplásticos, serão considerados como motores do crescimento verde no âmbito de uma estratégia de bioeconomia recentemente anunciada, mas os críticos receiam uma exploração excessiva.
A Comissão Europeia quer impulsionar os produtos de base natural numa tentativa de desenvolver uma economia sem combustíveis fósseis até 2040, de acordo com a sua mais recente estratégia de bioeconomia, que dá prioridade aos alimentos de origem vegetal, aos medicamentos naturais, à energia proveniente de culturas e árvores e até aos materiais de construção naturais.
A estratégia, soluções de base biológica podem conduzir a sociedades e economias mais sustentáveis, uma vez que os seus subprodutos podem ser biodegradáveis ou compostáveis, desintegrando-se lentamente até se decomporem totalmente.
No entanto, os críticos argumentam que existe um conflito subjacente à estratégia da Comissão, uma vez que a exploração da natureza para aumentar a competitividade do bloco pode exercer uma pressão significativa sobre recursos finitos e revelar-se insustentável a longo prazo.
Ao anunciar o plano esta semana, a Comissária do Ambiente, Jessika Roswall, afirmou que "a bioeconomia não é ficção científica", uma vez que a UE27 está a procurar formas de otimizar a utilização dos recursos naturais para ajudar o bloco a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, aumentando simultaneamente a sua competitividade.
A UE tem uma estratégia para a bioeconomia desde 2012, que foi atualizada em 2018. Atualmente, a bioeconomia da UE representa 2,7 biliões de euros em receitas e emprega 17,1 milhões de pessoas, contra 812 mil milhões de euros em 2022.
Com a nova estratégia, a Comissão está a explorar formas de simplificar a autorização de novos produtos na Europa para aumentar ainda mais a quota de mercado do setor.
"Uma das principais novidades desta estratégia para integrar a bioeconomia é o facto de estarmos a analisar mais aprofundadamente a forma de aumentar a utilização de materiais e a utilização de biomassa secundária, como resíduos florestais, subprodutos e resíduos alimentares, para reduzir a necessidade de biomassa primária", disse um funcionário da UE numa conferência de imprensa.
Um futuro bioeconómico
Embora ainda não tenham sido apresentados números, a proposta da Comissão para o próximo orçamento de oito anos deverá aumentar o financiamento da bioeconomia.
"Vamos criar um Fórum Europeu de Reguladores e Inovadores da Bioeconomia para promover o intercâmbio de boas práticas e acelerar as autorizações. Daremos apoio técnico às PME para as ajudar a dar o salto da inovação para o crescimento", afirmou Roswall.
A Comissão espera acelerar os progressos no sentido da implantação, eliminando os obstáculos existentes no mercado único do bloco e aumentando o investimento.
A concorrência internacional dos Estados Unidos e da China foi também apontada como um fator dissuasor de uma implantação mais rápida dos produtos de base biológica, colocando o risco de a inovação se deslocar para mercados fora da UE.
A bioeconomia poderá também ser um fator de mudança para o setor da construção, que, segundo o executivo comunitário, é responsável por mais de 35% da produção de resíduos na UE e por 5-12% do total das emissões nacionais de gases com efeito de estufa.
Os produtos de construção de base biológica incluem a madeira e outros materiais renováveis, como o cânhamo, a palha, o micélio de fungos e os compósitos à base de fibras. Segundo a estratégia da Comissão, a utilização destes produtos poderia ajudar a reduzir o carbono incorporado e a procura de energia nos edifícios em cerca de 40%.
Além disso, as biorrefinarias que convertem biomassa, como os resíduos agrícolas e os biorresíduos, podem também produzir alternativas a matérias-primas essenciais, como os ânodos de bateria de base biológica, prevê a estratégia - embora note que estas fábricas exigem frequentemente "um investimento de capital significativo" e "um planeamento coordenado das matérias-primas e das infraestruturas", apesar dos retornos positivos.
"Uma simbiose industrial reforçada pode otimizar a utilização de matérias-primas em todos os setores, estabilizar os fornecimentos de matérias-primas, reduzir os resíduos e os custos de produção e apoiar os agrupamentos industriais", lê-se na estratégia.
Do mesmo modo, os bioplásticos podem resolver parcialmente a dependência do plástico em vários setores e a poluição por este material, uma vez que a UE pretende investir em alternativas feitas a partir de amido, lenhina ou algas.
"A adoção maciça do mercado dos bioplásticos foi durante muito tempo limitada por definições de materiais incoerentes de mercado para mercado. Até agora, todos os bioplásticos - de base biológica, biodegradáveis, compostáveis - eram frequentemente agrupados sob a mesma regulamentação e tributação", afirmou Fredrik Malfmfors, diretor-executivo da Lignin Industries, uma empresa sueca de produção de plásticos de base biológica.
Atualmente, 11 países da UE adotaram uma bioeconomia a nível nacional. A Comissão indica que a Áustria, a Finlândia, França, a Alemanha, a Irlanda, a Itália, a Letónia, Malta, os Países Baixos, Portugal e Espanha e pelo menos oito outros Estados-membros têm estratégias em desenvolvimento. Fora da UE, a Noruega também está a seguir um modelo semelhante.
Utilizar os restos
A biomassa, material orgânico proveniente de plantas e animais, é a base dos produtos de base biológica. De acordo com a Comissão Europeia, em 2022, a biomassa na Europa foi utilizada principalmente para alimentação animal (38%), energia (29%), materiais (24%) e alimentos (9%).
Nos últimos dez anos, a utilização de biomassa para energia aumentou 14%, enquanto a utilização de materiais cresceu 11%.
A UE-27 deverá rever a legislação sobre energias renováveis em 2027, altura em que a Comissão deverá avaliar a forma como os regimes nacionais de apoio à biomassa afetam a biodiversidade, o clima, as possíveis distorções do mercado e a disponibilidade de matérias-primas sustentáveis.
Jean-Marc Jossart, secretário-geral da associação comercial Bioenergy Europe, sediada em Bruxelas, congratulou-se com o reconhecimento da bioenergia como parte de "um sistema integrado e eficiente".
"Os sistemas agrícolas e florestais europeus variam significativamente e requerem quadros flexíveis que permitam aos Estados-membros e às regiões maximizar a sustentabilidade e a eficiência", lê-se na declaração da Bioenergy Europe.
Competitividade versus sustentabilidade
Os grupos ambientalistas mostraram-se cautelosos quanto à potencial sobre-exploração de recursos já frágeis, como as florestas, que atuam como sumidouros de carbono ao reterem o dióxido de carbono que, de outra forma, poluiria a atmosfera.
Aline Maigret, responsável pela política da ONG ambiental Zero Waste Europe, congratulou-se com os "objetivos ambiciosos" estabelecidos na estratégia bioeconómica, mas traçou uma linha vermelha.
"A concretização de uma bioeconomia circular exige uma conceção cuidadosa dentro dos limites do planeta. Por exemplo, a promoção de embalagens de base biológica sem combater as pressões ambientais resultantes da silvicultura e da agricultura intensivas é uma opção impossível", afirmou Maigret.
A Fern, uma ONG ambiental que trabalha com políticas florestais, manifestou preocupações semelhantes, afirmando que a estratégia da Comissão deveria incluir diretrizes claras para salvaguardar a natureza em vez de a explorar.
"A oferta de madeira é limitada e está ameaçada pela má gestão das florestas e pelas crises climática e da biodiversidade", lê-se na declaração da Fern, que também salientou os problemas relacionados com a exploração da biomassa no estrangeiro, referindo que a maior parte da biomassa da Terra não cresce na Europa.
Eva Bille, responsável pela economia circular na ONG European Environment Bureau, lamentou a falta de reconhecimento da Comissão pelos seus esforços para reduzir a pressão sobre os ecossistemas.
"A Comissão agarra-se à ilusão de que podemos simplesmente substituir o nosso consumo atual por produtos de base biológica, ignorando os danos graves e imediatos que isso irá infligir às pessoas e à natureza", afirmou Bille, acrescentando que o executivo comunitário ignorou o facto de o setor da pecuária da UE depender em mais de 70% de alimentos importados para sustentar o atual nível de sobreprodução.