Materiais escolares com o logótipo da Shell estão a moldar a forma como crianças de apenas 10 anos aprendem sobre as alterações climáticas
Um museu muito conhecido enfrenta pressão crescente para romper relações com a gigante dos combustíveis fósseis, a Shell, depois de ser acusado de induzir crianças em erro sobre a crise climática.
Uma investigação do grupo de defesa do clima Comms Declare concluiu que o Queensland Museum, na Austrália, aceitou mais de 10,25 milhões de dólares australianos (cerca de 5,84 milhões de euros) da divisão de gás QGC da Shell desde 2015.
Num novo relatório, os investigadores afirmam que isso conferiu à empresa de petróleo e gás “influência potencial” sobre programas alinhados com o currículo e “exposição alargada” em materiais educativos utilizados por alunos.
Apesar de o museu insistir que tem “total independência”, a Comms Declare detetou que materiais escolares com a marca Shell, distribuídos sob a autoridade do Queensland Museum, apresentam “omissões e distorções sistemáticas” que minimizam o papel dos combustíveis fósseis nas alterações climáticas.
Lacunas nos materiais financiados pela Shell
O relatório analisa vários folhetos distribuídos a crianças no âmbito do programa Future Makers do Queensland Museum, para detetar eventuais enviesamentos.
Concluiu que os combustíveis fósseis não são apontados como principal motor do aquecimento global e da acidificação dos oceanos, apesar do consenso científico esmagador em sentido contrário.
A ONU descreve a queima de carvão, petróleo e gás como o “maior contributo” para as alterações climáticas, responsável por cerca de 68% das emissões globais de gases com efeito de estufa e quase 90% de todas as emissões de dióxido de carbono. A acidificação dos oceanos é causada sobretudo pela dissolução, no oceano, do CO2 presente na atmosfera, o que reduz o pH da água.
Mas, no recurso “Introdução à Acidificação dos Oceanos”, os alunos eram convidados a focar-se em conceber a sua própria tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS), em vez de discutir a combustão de carvão, petróleo e gás.
“Ao retirar os combustíveis fósseis da cadeia causal e ao destacar a CCS como ‘solução’, o recurso reconfigura uma crise impulsionada pelos combustíveis fósseis como um desafio científico neutro”, lê-se no relatório. “Acaba por oferecer greenwashing corporativo sob a capa de aprendizagem em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).”
No recurso “Estados da Matéria: O Nosso Mundo em Aquecimento”, os investigadores não encontraram qualquer ligação entre aquecimento global e combustíveis fósseis – a expressão surge apenas uma vez numa nota para professores e não faz parte de nenhum objetivo de aprendizagem central.
O relatório argumenta ainda que a Shell “desloca a responsabilidade” das causas sistémicas para o comportamento ou a invenção individuais, minimizando a responsabilização empresarial e política.
Eliminar recursos do Queensland Museum?
A fundadora da Comms Declare, Belinda Noble, diz que as conclusões suscitam “preocupações urgentes” entre os pais em Queensland de que os filhos estão a aprender “meias verdades enviesadas” sobre as alterações climáticas e o futuro energético.
“Isto é obstrução climática disfarçada de educação”, acrescenta Noble. “Não permitiríamos que a indústria do tabaco patrocinasse materiais didáticos. As empresas de combustíveis fósseis não devem moldar a forma como as crianças aprendem sobre o clima.”
A ativista do Queensland Conservation Council, Charlie Cox, sustenta que a maioria das famílias em Queensland ficaria “alarmada” ao ver quão “autoritária e enganadora” tem sido a influência da Shell sobre o museu estatal na última década.
“Estes materiais financiados pelos combustíveis fósseis deixam as nossas crianças sem as bases científicas de que precisam para navegar o mundo que estão a herdar”, diz. “A ciência deve informar a política, não o contrário.”
Cox, juntamente com a Comms Declare e outros ambientalistas, apela agora ao Queensland Museum que termine a parceria de longa data com Shell.
O Queensland Museum afirma, no entanto, que o patrocínio visa promover “pensamento crítico, aprendizagem baseada na evidência e envolvimento com a história natural de Queensland” e está estruturado sem influenciar o conteúdo científico.
Euronews Green contactou a Shell Australia e o Queensland Museum para comentário. O artigo será atualizado se houver resposta.